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Violações no sistema socioeducativo do Estado são novamente denunciadas à OEA

O Estado brasileiro foi denunciado mais uma vez na audiência pública da Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), na última sexta-feira (19) pela superlotação e violações de direitos humanos nas unidades prisionais e socioeducativas do País. A audiência, na sede do tribunal em San Jose, na Costa Rica, seguiu uma resolução expedida, de maneira inédita, em fevereiro deste ano, no qual os juízes aglutinam quatro casos de violações em presídios brasileiros em uma espécie de “supercaso”, a fim de verificar a situação do sistema carcerário brasileiro.
 
Assista ao vídeo da audiência pública da OEA em San Jose

Os casos referem-se às violações denunciadas nos complexos penitenciários de Pedrinhas, no Maranhão, e do Curado, em Pernambuco; da Unidade de Internação Socioeducativa (Unis), no Espírito Santo; e do presídio Plácido de Sá Carvalho, no Rio de Janeiro.

O Brasil, além de não apresentar nenhuma resposda às 52 questões apontadas na resolução, ainda acusou a Corte de ter extrapolado a competência ao convocar o País a prestar contas sobre os presídios do País. O Estado brasileiro ainda apresentou dados defasados e subestimados sobre a situação das unidades prisionais e sobre as mortes ocorridas nos presídios.

Falando em nome dos peticionários das medidas aplicadas contra o País em relação à Unis de Cariacica foi destacado o representante do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH-Serra), Gilmar Ferreira.

Ele apontou que o sistema socioeducativo do Estado tem problemas sistêmicos, relembrando casos recentes de violações ocorridas em unidades. Gilmar ressaltou que o uso de algemas como prática torturante continua de forma generalizada, ilegal e abusiva. Os adolescentes são algemados em posições que causam dor extrema por horas, em regime disciplinador e violador. “Os representantes dos beneficiários puderam presenciar o abuso e, ao indagar a direção da unidade, foram informados que essa seria uma conduta padrão antiga”, disse ele.

Em relação ao número de mortes, ele disse ser inadmissível que o Estado conviva com mortes de adolescentes em unidades, lembrando o caso de um adolescente na Unidade de Internação Provisória II (Unip II), que foi concluída como não intencional. No entanto, as imagens de videomonitoramento da ala em que o adolescente cumpria medida mostram o momento em que ele saía da cela de forma tranquila, e foi agredido no pescoço por um agente socioeducativo e a joelhadas por outro, sendo levado para um ponto em que não há alcance de câmeras.

Ele relatou que é recorrente o número de denúncias de adolescentes sobre agressões ocorridas em áreas não captadas pelas câmeras.

Gilmar também lembrou o episódio de agressão praticado por inspetores penitenciários na Unidade de Internação Metropolitana (Unimetro), localizada no Complexo Penitenciário de Xuri, em Vila Velha, onde ficam seis unidades prisionais para adultos, o que é vedado por lei, que proíbe a edificação de unidades prisionais próximas ou integradas a estabelecimentos penais. “Essa proximidade com presídios possibilitou a ocorrência de tortura no dia 1 de janeiro de 2017, quando um grupo de inspetores entrou na unidade com a anuência do inspetor de segurança e realizou uma sessão de 1h30 de torturas e agressões”, ressaltou ele.

O número de internos na Unis voltou a crescer e adolescentes que deveriam estar na unidade estão em internação provisória. A direção da Unis informou que o Instituto de Atendimento Socioeducativo (Iases) informou que havia aumentado a capacidade da Unis para 95 internos sem que houvesse qualquer mudança na capacidade de atendimento, que é para 60. “As Unips I e II já não mais se destinam somente à internação provisória, e se tornaram uma extensão da Unis, o que por si só justificaria a ampliação das medidas provisórias, sobretudo porque também apresentam grave quadro de violação de direitos humanos, e ameaça à vida e à integridade dos adolescentes”.

Gilmar concluiu que o Estado não implementou as ações capazes de garantir a proteção dos adolescentes privados de liberdade. “O sistema socieducativo brasileiro é marcado pelo caráter repressivo e meramente sancionatório, que se sobrepõe à garantia de uma proposta socioeducativa, como prevista nas resoluções nacionais e internacionais sobre a matéria”, finalizou Gilmar.

O secretário de Estado de Direitos Humanos, Júlio Pompeu, esteve na audiência pública, mas, no momento da fala, não mencionou os problemas apontados pelo peticionário. Ele usou metade do tempo de fala para questionar o fato de os problemas do sistema prisional e socioeducativo estarem sendo tratados em conjunto, apontando que, se há um problema comum, a solução é distinta. “Ao unificar os dois, corre-se o risco de transmitir uma mensagem que coincide com aqueles que são contrários aos direitos humanos no Brasil, que insistem em dizer que os menores de 18 anos deveriam ter o mesmo tratamento penitenciário e penal dos adultos. Unificar aqui é um risco de reforçar esse argumento e justamente de um órgão de direitos humanos”.

Ele disse haver evolução no sistema socioeducativo do Estado, resultado do engajamento de setores como o Ministério Público Estadual (MPES) e o Poder Judiciário, que tem gerado resultados. “A participação da sociedade civil é fundamental, mas não é a única força transformadora”.

Pompeu ainda disse que quando são renovadas as medidas, há um desestímulo e um desengajamento dos que estão trabalhando pela melhora do sistema. Em momento nenhum da fala, o secretário mencionou todos os problemas e denúncias relatados pelo representante do CDDH da Serra, nem apresentou dados do sistema socioeducativo que apontam a melhora mencionada por ele.

O juiz da Corte Interamericana Eugenio Raúl Zaffaroni chamou atenção para o próprio relatório enviado pelo Brasil, que deixa claro que “nada menos do que o Supremo Tribunal Federal brasileiro já está reconhecendo esta situação [a crise generalizada no sistema carcerário]”. O magistrado ainda classificou a política de superencarceramento brasileira de “máquina de mandados de prisão” e sublinhou que, somando os cerca de 700 mil presos atuais com os 600 mil mandados de prisão existentes, haveria 1,3 milhão de presos no Brasil.

“Um em cada cem brasileiros está envolvido em processo penal. Alguma coisa estranha está acontecendo. Isso não é normal. Quero chamar a atenção sobre isso. Estão pondo no centro da institucionalidade do Brasil o sistema penal, o processo penal. Não é possível”, concluiu.

Medidas

A primeira resolução emitida pela Corte a respeito da situação da Unis foi em 2011, quando o organismo internacional determinou que fossem adotadas medidas para proteger a vida e a integridade pessoal dos adolescentes internados na unidade. As medidas ainda não foram suspensas em virtude do descumprimento sistemático por parte do Estado.

Somente entre abril e julho de 2009 foram registrados três homicídios na Unis, o que levou a Justiça Global, o Centro de Defesa de Direitos Humanos da Serra (CDDH-Serra) em parceria com a Pastoral do Menor e com o apoio da Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, a denunciarem o caso ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Nessa nova resolução, a Corte cobra que o Brasil apresente medidas concretas para mitigar a superlotação e as violações de direitos nos presídios e unidades socioeducativas.

A Corte reconheceu, pela primeira vez, que os problemas nos presídios e unidades socioeducativas do País são estruturais e resultado de uma política equivocada baseada no encarceramento em massa, e não de uma suposta crise, que o governo federal alega.

Com informações de Conectas Direitos Humanos

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