Manutenção de investimento na fábrica de Vila Velha é uma das premissas do acordo, ressalta Sindialimentação
Ao completar a maioridade, a compra da Garoto pela Nestlé, realizada em 2002, foi pacificada definitivamente pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Nesta quarta-feira (7), o órgão federal de análise concorrencial aprovou um Acordo em Controle de Concentrações (ACC) – Ato de Concentração n°08012.001697/2002-89 – com diversas condições a serem cumpridas pela gigante suíça.
O ACC contém “uma série remédios comportamentais para preservar a concorrência no mercado brasileiro de chocolates”, ressalta a Agência Brasil, e também será utilizado como acordo judicial, que põe fim ao processo que tramita na Justiça.
Entre esses remédios, está a obrigatoriedade da Nestlé manter em produção a fábrica da Garoto em Vila Velha, durante o período mínimo de sete anos. Esse é um ponto crucial da luta do Sindicato dos Trabalhadores em Alimentação e Afins do Espírito Santo (Sindialimentação-ES).
“A nossa expectativa é de que os investimentos façam a fábrica de Vila Velha funcionar em capacidade máxima, preservando a renda e a qualidade de vida dos seus empregados e da comunidade”, afirma a presidente da entidade, Linda Morais.
Durante todo o processo de venda da fábrica Garoto, acrescenta, “as propostas de acordos da Nestlé e as decisões do Cade, mantiveram os trabalhadores da fábrica preocupados e em alerta”. Com foco na preservação da marca Garoto, o Sindicato procurou defender o emprego e a renda dos trabalhadores. “Nos colocamos à frente de iniciativas que garantissem a manutenção do nível de empregos, renda e qualidade de vida dos empregados da fábrica que movimenta a economia da cidade de Vila Velha”, relata Linda Morais.
Um sinal da predisposição da Nestlé em cumprir o ACC foi dado no início de maio, com o anúncio de um investimento de R$ 430 milhões para o biênio 2023-2024, na modernização e ampliação da fábrica canela-verde.
Na ocasião, Linda Morais fez um prognóstico de que o anúncio poderia refletir positivamente no julgamento do Cade em favor da aprovação da compra feita em 2002. “[O Cade] pode considerar a compra da Garoto pela Nestlé ilegal e mandar vender o negócio em partes ou como um todo. O sindicato já sabe que não há chance de impedir a venda fracionada. Nesse contexto, o investimento de meio bilhão gera a expectativa da Garoto não ser sucateada, ou sua produção transferida para outras fábricas, como vem ocorrendo em outras unidades da Nestlé. E o investimento que vai ser feito tende a ser levado em conta na decisão final”, explica a presidente, acrescentando que “o sindicato não defende que a Garoto pertença a essa ou àquela empresa, mas que ela não seja vendida fracionada”.
Remédios
O acordo também determina a proibição, por parte da Nestlé, de adquirir, pelo período de cinco anos, ativos que representem, acumuladamente, participação igual ou superior a 5% do mercado. “O compromisso não se aplica a aquisições internacionais, com efeitos no Brasil, realizadas pelo controlador da Nestlé ou empresa do seu grupo econômico. Nesses casos, o ato de concentração deverá ser notificado ao Cade, caso atenda aos critérios de submissão prévia estabelecidos em lei”, informa a Agência Brasil.
Outra cláusula obriga a multinacional a comunicar ao Cade, por um prazo de sete anos, qualquer aquisição de ativos que caracterize ato de concentração no mercado nacional de chocolates, abaixo do patamar de 5%, ainda que o outro grupo envolvido no negócio não atinja os parâmetros de faturamento para notificação obrigatória da operação à autarquia.
Também pelo período de sete anos, a Nestlé se compromete a não intervir nos pedidos de terceiros para a concessão de redução, suspensão ou eliminação de tributos incidentes sobre a importação de chocolates, nos termos do Decreto 11.428/2023 e do Decreto 10.242/2020.
O presidente do Cade, Alexandre Cordeiro, explica que o acordo está delineado para preservar as condições atuais de concorrência. “Considerando o histórico de mais de 20 anos desse caso e a existência de um novo marco legal do antitruste no país, a negociação entre Cade e Nestlé resultou em um acordo com medidas que se mostram proporcionais e suficientes para mitigar impactos concorrenciais no cenário atual e garantir os interesses dos consumidores”.
Histórico
A Nestlé comprou a Garoto em fevereiro de 2002, mas a operação foi vetada pelo Cade dois anos mais tarde, em fevereiro de 2004, pois resultaria em uma concentração de mais de 58% do mercado nacional de chocolates. Na época, os julgamentos do Conselho ocorriam depois que os negócios eram concretizados pelas empresas – contudo, a Lei n° 12.529/11, em vigor desde maio de 2012, alterou o modelo e introduziu a análise prévia de atos de concentração no Brasil.
Em razão da recusa da autoridade antitruste em autorizar a operação na forma como foi apresentada, o caso foi judicializado pela Nestlé no ano seguinte, em 2005. Com base em uma decisão judicial de 2009, que determinou ao Cade a reabertura do ato de concentração e a realização de novo julgamento do caso, a autarquia retomou, em junho de 2021, a análise da operação para fazer teste de mercado em nova instrução processual.
A avaliação recente realizada pela Superintendência-Geral do Cade, que subsidiou a configuração do acordo, demonstra que, entre 2001 e 2021, houve significativa entrada de concorrentes nos segmentos que levantaram preocupações na primeira avaliação do caso: chocolates sob todas as formas (industrializados prontos para consumo) e cobertura de chocolate. No primeiro, a participação de mercado da Nestlé/Garoto caiu de 50%-60% em 2001 para 30%-40% em 2021, enquanto que, no segundo, a empresa saiu de 80%-90% para 20%-30%, deixando de ser a líder no setor.
Para a Superintendência, a rivalidade no mercado nacional de chocolates foi reconfigurada nos últimos 20 anos. Por isso, não faz sentido, neste momento atual, manter a decisão de reprovação do negócio. “Esta ideia é reverberada na percepção de mercado de que os impactos da fusão Nestlé/Garoto já foram absorvidos pelo mercado ao longo destes anos”, aponta o parecer.