Extrema pobreza quase triplicou no ES em dez anos. Padrão econômico e programas sociais não conseguem erradicá-la
Qual é o real mérito de um estado que mantém a Nota A no Tesouro ano após ano se, paralelamente, permite que a extrema pobreza aumente radicalmente em seu território? Que desenvolvimento está sendo fomentado no Espírito Santo, que só faz aumentar a exclusão social e a degradação ambiental?
As perguntas estão no bojo da exposição de dados e análises feitas pelos economistas Érika Leal e Ednilson Felipe no artigo “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável ODS – ODS 1 – Erradicação da Pobreza – Oportunidades e desafios para o Espírito Santo”, publicado pelo Observatório do Desenvolvimento Capixaba (ODC).
“A manutenção de uma nota A em termos de finanças não pode ser compatível com o aumento da pobreza. Ainda há espaço para usar o poder de compra do governo para dinamização da economia e de aumentar a oportunidade para essa camada da população”, afirmam os dois acadêmicos, ao avaliarem as principais ações empreendidas pelo governo do Estado na última década para redução da pobreza e extrema pobreza.
“Desde os primeiros anos da década passada, o Governo Estadual tem priorizado a manutenção de recursos em caixa, perseguindo a Nota A na gestão fiscal. Embora os investimentos venham aumentando, eles podem alcançar valores ainda mais significativos, importantes para alçar novos patamares de crescimento e contribuir para a erradicação da pobreza. Para o ano de 2018, a participação do Consumo do Governo na demanda final do ES foi de apenas 9,3%, penúltima colocação numa comparação dos estados brasileiros”, apontam os autores.
Érika chama atenção para o crescimento acentuado principalmente da extrema pobreza na última década. Em 2012, afirma, com base no gráfico que consta no artigo, o Espírito Santo tinha quase três vezes menos pessoas em extrema pobreza que o Brasil (2,6% e 6%, respectivamente). A partir dessa data, no entanto, o crescimento capixaba foi muito mais acentuado. “Foi afunilando desde 2012. Isso é grave. Saiu de menos de 100 mil em 2012 para quase 275 mil em 2021”.
No artigo, os autores expõem que, em números absolutos, segundo dados de 2022 do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), a população de pobres no Espírito Santo saltou de 788,41 mil em 2012 para 1,07 milhão em 2021. Já a de extremamente pobres, de 96,69 mil em 2012 para 274,6 mil.
“A evolução do percentual de pessoas extremamente pobres no Espírito Santo aumentou de 2012 até 2017, caiu entre 2018 e 2019, e voltou a subir de forma significativa em 2021. É significativo o fato de embora a pobreza estivesse caindo, a extrema pobreza permaneceu aumentando desde 2012”, descrevem.
“Estamos chamando atenção de novo para a necessidade de uma política estrutural de erradicação da pobreza no Estado, porque o que está sendo feito não resolve o problema”, reivindica Érika Leal, em nome do ODC.
“Temos falado isso desde antes da pandemia. Se quando há uma crise, apenas se aumenta a verba para compra de alimento ou o valor do Bolsa Capixaba e outras formas de transferência de renda, é apenas um trabalho pontual. Um pontual que não resolve. Dá um choque temporário, mas logo volta a explodir de novo. E volta pior. Após a pandemia, então, muito pior, porque os postos de trabalho não foram recuperados e os que foram, estão mais precários, com remuneração menor, e muita informalidade”, descreve a economista.
Padrão econômico arcaico
No Espírito Santo, com um agronegócio e uma indústria primária tão agressivos, degradação social anda de mãos dadas com a ambiental. O crescimento desses negócios arcaicos tem se dado, há mais de meio século, à base de fartos incentivos fiscais, mostrando também a insustentabilidade econômica desses grandes empreendimentos e as poucas análises que são possíveis de serem feitas, já que os dados oficiais não são transparentes, indicando com segurança que a política de benefícios fiscais em curso não resulta em melhoria da qualidade de vida da população.
Citando o economista indiano Amartya Sen, professor de Economia e Filosofia na Universidade de Harvard, Érika e os integrantes do Observatório do Desenvolvimento Capixaba ressaltam que pobreza não é apenas uma questão monetária. A régua numérica atual – pobres são as pessoas que vivem com até R$ 486,70 per capta mensais e extremamente pobres as que vivem com renda até R$ 168,13 – é apenas uma referência para identificar o público prioritário que deve ser acolhido em medidas estatais estruturantes, explica a economista. Não basta transferir dinheiro pontualmente, para elevar a renda média per capita dessas pessoas, acentua.
“Temos debates desde a época do DRS [Programa Estadual de Desenvolvimento Regional Sustentável, capitaneado pelo IJSN no início da gestão anterior de Renato Casagrande (PSB)] da necessidade de conjugar diversas políticas para erradicação da pobreza. Pobreza não é só aspecto monetário. Se não tem infraestrutura, se a saúde está ruim, a educação ruim, se os acessos a serviços básicos estão dificultados, isso também é considerado aspectos da pobreza. Como reverte essas questões? Maiores taxas de investimentos. Embora o Estado tenha feito investimentos, não são suficientes”.
Investimentos, sublinha, que devem ter como foco principal as populações mais vulneráveis. “Os investimentos nas periferias são sempre postergados. O Estado não chega onde deveria chegar. Se essa população não tem acesso a serviços de qualidade em saúde, educação segurança, como vai ter mão de obra qualificada, uma sociedade melhor?”, provoca.
“O DRS é crucial. É o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Espírito Santo. Temos muitas publicações, com percentuais de pobres e extremamente pobres nos municípios e também as outras carências e fatores que levam à pobreza. E quais as prioridades de investimentos demandados em cada microrregião, segundo os conselhos regionais, com participação da sociedade civil”.
Erradicar a pobreza
No artigo, os autores destacam quatro ações mantidas em âmbito estadual, que atuam na redução da pobreza: Cartão ES Solidário, Bolsa Capixaba, Programa Compra Direta de Alimentos (CDA) e a Rede de Equipamentos Socioassistenciais. Mas ressaltam que não há uma meta estadual de erradicação da pobreza que esteja alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), que foram também encampados pelo Brasil.
“Assim como o governo brasileiro estabeleceu metas específicas para a erradicação da pobreza até 2030, seria importante que o governo estadual também estabeleça tais metas e que a acompanhe periodicamente para que as políticas públicas possam ir se ajustando conforme os resultados”, sugerem.
Uma crítica ao padrão econômico que permanece no Espírito Santo é outro inimigo da erradicação da pobreza, além de não alcançar sequer os meros resultados de crescimento exclusivamente econômico, já que “o PIB per capita do Espírito Santo cresceu anualmente apenas 0,06% entre 1985 e 2020”.
Conforme exposto em artigo anterior do ODS, a economia capixaba se caracteriza por ser “pouco diversificada e pouco complexa, baseada nas exportações da indústria extrativa e que, por isso, mantém a sociedade à margem da prosperidade gerada pelas poucas empresas envolvidas, além de estar muito vulnerável às oscilações e crises externas, sem conseguir garantir um crescimento sustentado a longo prazo” .
Assim, recomendam expressamente os autores: “a primeira proposição de políticas públicas de desenvolvimento deve ser pautada em conformidade com o Objetivo 1 dos ODS: erradicar a pobreza. Isso significa que as políticas públicas devem apontar, necessariamente, para o cuidado com a sociedade e estabelecer meios para que as pessoas alcancem a condição de sobrevivência com dignidade. A pobreza e a extrema pobreza, além de se apresentarem como obstáculos ao desenvolvimento ferem, de forma significativa, a dignidade humana”.