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Privatização do porto de Vitória é ‘bandeira política’ do governo federal

Presidente da Aopes, Wagner Cantarela aponta perda de competividade no porto e queda na receita municipal

“Precisamos compreender o que está por trás do propósito do governo federal com a desestatização da Codesa [Companhia Docas do Espírito Santo]. O modelo apresentado indica claramente a formação de oligopólios, elevado nível de desemprego e queda na arrecadação municipal referente à prestação de serviços, uma vez que parte dessas empresas possuem instalações de armazenagem fora do porto”. Wagner Cantarela, presidente da Associação dos Operadores Portuários do Estado do Espírito Santo (Aopes), fez essa declaração em entrevista a Século Diário ao analisar a privatização do setor, que, para ele, é uma “bandeira política” do governo federal.

Ele aponta que o Estado, trabalhadores e usuários serão impactados, com redução no volume de cargas, o que fará que o Porto de Vitória perca “sua essência de instrumento de desenvolvimento local e regional, bem como sua essência de uso público, se viabilizada a concessão de ativos públicos que serão entregues à iniciativa privada para exploração pelos próximos 35 anos, sem que seja oportunizado um amplo debate pela sociedade”.


Veja os principais trechos da entrevista:

Século – Qual a sua visão sobre o processo de privatização da Codesa e seu impacto no desenvolvimento da economia do Estado?
Wagner Cantarela – Reconhecemos que há necessidade de mudanças para que o porto público se torne mais eficiente e competitivo, e a atracação de investimentos, maior autonomia na tomada de decisões e aumento da concorrência são valores fundamentais para que o objetivo seja alcançado.
Na minha visão não faz nenhum sentido escolher o Porto de Vitória como laboratório no país para aplicação de um novo modelo portuário que foi amplamente criticado por especialistas; talvez a escolha faça parte da estratégia do governo federal em função da histórica fraqueza política que o Espírito Santo possui a nível nacional. É comum nos depararmos com comentários de que o Porto de Vitória precisa ser privatizado. Mas não se questiona o que precisa ser privatizado ou como funciona o ambiente portuário.
Precisamos compreender o que está por trás do propósito do governo federal com a desestatização da Codesa, tendo em vista que um porto ou projeto de um porto é pensado para no mínimo os próximos 100 anos, e as concessões de ativos públicos à iniciativa privada são concedidas pelo poder concedente para exploração, em geral, pelo período mínimo de 30 anos. Trata-se de ativos públicos que serão concedidos à iniciativa privada para exploração pelos próximos 35 anos, sem que seja oportunizado um amplo debate pela sociedade, inclusive, a ausência de novas rodadas de discussão para exaurir, com a participação de especialistas do setor, cada item das contribuições respondidas pela Antaq [Agência Nacional de Transportes Aquaviários]. Essas condições são imprescindíveis para que a sociedade tenha a segurança das decisões que estão sendo tomadas cujos reflexos serão sentidos pelas próximas três décadas.

O modelo apresentado pelo governo federal indica claramente a formação de oligopólios e extinção da categoria dos operadores portuários que atualmente contribuem significativamente para a competitividade e a livre concorrência; as obrigações previstas ao novo concessionário inevitavelmente provocarão aumento das tarifas portuárias, sem considerar as obrigações de investimentos que também estão previstos. A autonomia concedida ao novo concessionário provocará impactos tarifários também em terminais de uso privado situados no Espírito Santo, pois haverá novos encargos financeiros decorrentes da utilização dos molhes de abrigo e canais de acesso situados na poligonal do porto organizado, que passarão a ser tratados como unidades de negócio do futuro concessionário privado.

O primeiro impacto será diretamente aos usuários das instalações portuárias, pois além do aumento tarifário que atingirá diretamente os produtos importados e exportados aumentado o chamado “Custo Brasil”, haverá também forte tendência de seletividade de carga, ou seja, aqueles usuários cujos produtos movimentados sejam em função do pouco volume ou pela característica, não serão atendidos por não proverem o retorno financeiro almejado. Será o Estado como um todo perdendo cargas, o Porto de Vitória perdendo sua essência de instrumento de desenvolvimento local e regional bem como sua essência de uso público.

O modelo apresentado beneficia unicamente o governo federal, que além da necessidade de fazer caixa também pretende utilizar a desestatização da Codesa como “bandeira política”; não à toa o cronograma é apertado e é conduzido com uma rapidez que, muito provavelmente, nunca se viu antes no serviço público. Para se discutir mudanças no sistema portuário brasileiro, em primeiro lugar, deve-se defini-lo como um projeto de “Estado” e não de “Governo”, principalmente em um momento de fragilidades e incertezas que o governo atual vem enfrentando.

Como você analisa a situação dos pequenos e médios operadores portuários, categoria que garante a movimentação de cargas?
O modelo portuário proposto não assegura a continuidade dos operadores portuários, e pelo nível de autonomia concedido ao concessionário, que o permitirá estabelecer livremente contratos com terceiros para operar a atividade do porto, certamente provocará a extinção dessa categoria prevista na Lei dos Portos e que contribui relevantemente para a competitividade do porto em observância ao ambiente concorrencial promovido por essas empresas. Essa categoria é formada por agentes econômicos que conhecem com propriedade a atividade portuária, e mesmo diante das dificuldades, em especial pela falta de infraestrutura e ausência de atuação e decisões ágeis pela administração portuária em função do modelo público de governança, estas empresas criam soluções logísticas por meio de investimentos em recursos, equipamentos e estrutura para a armazenagem dentro e fora do porto para atender com muito esforço os usuários que demandam suas cargas para o Porto de Vitória. Aproximadamente 50% do volume de carga movimentada no Porto de Vitória são realizados pelos operadores portuários exclusivamente em berços públicos. O volume é representativo e demonstra que as atividades são realizadas em consonância com a prática concorrencial, conforme a legislação portuária vigente, construída por legisladores que se atentaram para a sensibilidade do ambiente portuário, justamente para coibir a prática oportunista daqueles agentes econômicos que se manifestam para se estabelecer como poder dominante, bem como para formação de monopólios.
Como consequência, haverá elevado nível de desemprego e queda na arrecadação municipal referente à prestação de serviços, uma vez que parte dessas empresas possuem instalações de armazenagem fora do porto e que são utilizadas exclusivamente para o atendimento da logística portuária e atrelado a atividade das operações portuárias. É o porto perdendo sua raiz como elo principal da cadeia de abastecimento que promove a geração de emprego, renda e desenvolvimento econômico. Não haverá opções aos usuários.
Quais seriam as fragilidades identificadas no modelo adotado?
Identifico como fragilidades, entre outras, a perda da competitividade; a formação de oligopólio, pois a autonomia que o modelo de desestatização concede ao concessionário privado o permite estabelecer contratos de arrendamentos de área com exploração exclusiva dos berços, inclusive o poder de polícia que a Autoridade Portuária atual, como entidade pública, possui; e a insegurança jurídica, porque o plano de governo foi optar por modelo de desestatização que não exigisse alteração no marco regulatório vigente, criando a figura do “explorador de instalação portuária” que não está prevista em lei e não assegura a atividade exercida pelos operadores portuários.
Como você especifica o papel da classe política (governo, bancada em Brasília e deputados estaduais) no andamento do processo?
Estão distantes do assunto, talvez motivados pelas circunstâncias políticas do momento e pela estratégia do governo federal de construir um modelo de desestatização portuário utilizando-se mecanismos previstos no marco regulatório existente. Em resumo, se não há mudança na lei, o tema não chama a atenção política. É essencial que a bancada federal,  a bancada estadual e o próprio governo do Estado reavaliem a intenção do governo federal com a desestatização da Codesa, tendo em vista que um porto é instrumento de desenvolvimento regional e local, cujos reflexos socioeconômicos perdurarão por 35 anos. O governo do Estado e bancada estadual estão permitindo a definição do futuro do Porto de Vitória para os próximos 35 anos sem participação ativa nas discussões.

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