Guilherme Pereira aponta que os defensores do teto demonstram “extrema insensibilidade com a desigualdade e a fome”
Na fase atual, em que o grupo de transição do governo do presidente eleito, Lula (PT), tenta achar uma saída para aprovar alterações no orçamento da União de 2023, a fim de garantir o pagamento de despesas com programas sociais como Bolsa Família e Farmácia Popular, o professor universitário e doutor em Ciências Econômicas Guilherme Henrique Pereira afirma que “o atual regime fiscal pactuado no chamado teto do gasto é desastroso para a população e deve ser substituído por outro que priorize os investimentos sociais”.
A proposta, que está em negociação na PEC da Transição, visa permitir a continuidade do pagamento do valor de R$ 600, mais uma parcela extra de R$ 150 para cada criança abaixo de 6 anos. A minuta da equipe de transição prevê que o programa seja excluído do teto de gastos de forma permanente, mas encontra barreiras em grupos de oposição, gerando atraso nas negociações, devido à ausência de Lula, em decorrência de uma intervenção cirúrgica na garganta.
“Nos termos da regra atual, pode-se dizer que é um absurdo estabelecer uma regra de limite de gastos na qual as despesas de interesse do mercado financeiro sejam liberadas e os investimentos de interesse do povo limitados. Como consequência, a PEC da “Transição” se impõe como necessidade e não ameaça de desequilíbrio fiscal, aliás, algo sem precedente nas gestões anteriores do presidente eleito”, comenta o professor Guilherme.
Em artigo publicado em seu site Debates em Rede, o especialista faz críticas ao posicionamento dos economistas Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Edmar Bacha, professor e Conselheiro do banco BBA, e Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, representantes do mercado financeiro, que divulgaram recentemente uma carta aberta ao presidente eleito. O professor lista uma série de “incômodos” gerados pelo texto, que defende a manutenção do teto de gasto.
“Provocou incômodos em muitos profissionais, devido à clara demonstração de que os autores vivem em uma ilha de prosperidade restrita a poucos amigos, onde a intensidade do egoísmo sequer permite que alguém fale na possiblidade de melhorias para outras atividades ou outras faixas da população. Em seguida, ele diz que “os autores utilizaram o tempo todo velhos chavões há muito abandonados pelos economistas ativos na pesquisa e atualizados com os avanços das ciências econômicas”.
Para Guilherme, os signatários da carta “demonstraram extrema insensibilidade com a profunda desigualdade e fome que sempre marcaram e que se agravaram nos últimos anos no Brasil. Em vez de buscarem utilizar o prestígio dos cargos que ocuparam para mobilizar profissionais atualizados para pensar soluções inovadoras, preferiram a posição de leoninos defensores dos interesses do setor de atividade em que trabalham”, enfatiza, e acrescenta: “Aliás, isso seria normal no mundo em que vivemos, mas não é razoável a retórica de que é nobre cuidar da desigualdade, desde que antes sejam protegidos os ganhos dos amigos da ilha de prosperidade”.
Ele prossegue na crítica aos economistas ligados ao mercado financeiro e comenta: “Os autores afirmaram que compartilham com as preocupações “(…) sociais e civilizatórias (…)” do presidente manifestadas em seu discurso na COP-27, mas ressalvam que “O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver”.
E destaca: “Citando em seguida movimentos nos mercados bursátil [mercado de ações] e financeiro como sinais de reprovação à proposta de alteração no chamado ‘teto do gasto’, para deixar claro o que antes colocaram nas entrelinhas: primeiro “a responsabilidade fiscal” – gerar superávits primários – para depois pensar em combater a fome e a pobreza”.
A crítica aponta que “esta tem sido a tônica destes senhores e seus antecessores há décadas. E na tentativa de defender o teto do gasto, leia-se gerar superávit primário: o teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social”. Guilherme lembra que eles “esqueceram ou fingiram que não leram a PEC 95 que fixou teto para as “Despesas Primárias”.
Em outro trecho, segundo ele, “deixam claro qual é o negócio que, em suas opiniões, deve ser prioritário: uma economia depende de crédito para funcionar (…)”. E rebate: “a afirmação correta é: uma economia depende de investimentos para funcionar. Investimentos são realizados em maior parte pelos governos e, complementarmente, pelas empresas”.
“Logo, não foi por acaso que recebeu muitas críticas em cartas abertas de economistas com larga experiência e acreditada produção científica”. Guilherme cita críticas divulgadas pelos também economistas José Antonio Alves Junior e Guilherme Lacerda; José Luís da Costa Oreiro, (UnB), líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento; Luiz Fernando Rodrigues de Paula, (UFRJ) e vice-Líder do Grupo de Pesquisa; Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Kalinka Martins da Silva, (IFG); e Luiz Carlos Garcia de Magalhães, Economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).