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‘A gente só pode auxiliar, não ensinar’, afirma cuidadora de crianças

Num quintal compartilhado por duas famílias, um microcosmos das desigualdades coexistentes na educação capixaba

Em Colatina, noroeste do Estado, Thayara Sobrinho Ramos é uma das milhares de pessoas às voltas com as atividades remotas escolares de crianças e adolescentes durante a pandemia de Covid-19. No microcosmos do seu cotidiano de cuidadora, é possível ter uma amostra do que acontece no dia a dia dos variados universos que coexistem na educação básica capixaba – infantil, educação especial, fundamental privada e fundamental pública. 

Sob sua responsabilidade, estão: uma neném de um ano e sete meses de quem ela é babá por meio período; duas sobrinhas, filhas da irmã com quem ela divide o quintal e que trabalha como manicure em casa; além do sobrinho autista, que é cuidado pelas duas, porém, sem estudar. 


Para a neném, são enviadas as atividades da creche onde ela está matriculada. “A gente tenta fazer, mas como ela é bem pequena, é muito difícil”, conta. Nesta semana, por exemplo, foi pedido para fazer bolinhas de papel crepom, “mas ela não consegue”. A orientação, então, é de que seja feita qualquer tarefa semelhante e enviadas as fotos para constar como dever cumprido. “Mandei foto dela amassando o papel e a gente se lambuzando de cola”, diz, quase divertida, talvez pela memória da profissão de recreadora infantil – tem um pula-pula e outras brincadeiras de aluguel – que foi interrompida pelo isolamento social.

O sobrinho tem cinco anos e, pela condição de autista, teve os estudos paralisados, pois, na escola, contava, além da professora da turma, com uma pessoa específica para lhe atender e auxiliar no processo de aprendizagem. Com a mãe e a tia trabalhando, cada uma em seu ofício e em seu respectivo lar, o pequeno passa os dias sob os cuidados de ambas, tendo o quintal compartilhado pela família como espaço de lazer, sob os olhares atentos de uma e outra. “No começo ficou bem agitado, porque queria ir pra escola e ver os amigos. É o segundo ano dele na escola”, relata.

As sobrinhas estão mantendo os estudos, mas em ritmos bem diferentes. A de sete anos estuda em uma escola municipal, cuja dinâmica é semelhante à da maioria das cidades do interior do Estado, em que a escola envia por WhatsApp as atividades da semana ou da quinzena e a família precisa destacar algum membro em isolamento ou trabalho remoto para fazer as vezes de professor, devido à sobrecarga a que os professores estão submetidos, desdobrando-se em produção de atividade remotas, formações online, preenchimento de relatórios e outras burocracias que tentam oficializar um aprendizado que na prática não acontece, e os atendimentos individuais possíveis aos estudantes domiciliados. “A gente imprime as atividades e faz com ela, tenta fazer uma hora por dia”, conta.

A menina de dez anos conseguiu uma bolsa e estuda em uma escola particular da cidade. Para acompanhar as aulas online, a família conseguiu um notebook emprestado, em frente ao qual ela se debruça por uma hora todos os dias, na sala de aula virtual, onde os colegas e os professores se encontram para reproduzir, da melhor forma possível, o ambiente que permita uma continuidade mínima do ano letivo de 2020. Até provas ela já fez.

“É muito diferente a aprendizagem entre as duas. Na particular aprende mais”, observa Thayara. “A gente tem paciência, mas não dá pra substituir o professor. Até porque o que a gente aprendeu anos atrás, hoje é diferente. O ensino mudou muito”, pondera.

E há situações ainda mais difíceis para a família e as crianças, ressalta. “Tem gente que não pode imprimir as atividades. Uma xerox é barata, mas muitas famílias estão desempregadas, não podem pagar, e não é toda escola que imprime e entrega”, diz.

Há também a falta de estrutura emocional e psicológica para lidar com o estresse de lecionar para os próprios filhos. Uma vizinha, por exemplo, conta Thayara, tem se estressado e xingado muito tentando dar aula pra filha. As duas irmãs se ofereceram pra ajudar. É provável que um pouco mais de paz essas famílias terão, ao se ajudarem, mas o aprendizado das estudantes certamente ficará mais prejudicado que o de alunos de escolas privadas. “A gente só pode auxiliar, não ensinar”, afirma.

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