Diretor de escola exonerado denuncia perseguição e xenofobia pela Sedu e “uso criminoso” da Ouvidoria estadual
Na ocasião, ele havia sido comunicado apenas informalmente sobre sua futura exoneração, prevista para o final deste mês de agosto, pela superintendente regional de Educação de Nova Venécia, Adriana Bonatto Merlo. O aviso, conta, foi feito em reunião presencial no dia 27 de julho, um dia após a gestora retornar das férias, e foi acompanhada pelo assessor pedagógico e a supervisora da escola.
O pedido feito à OAB é pela apuração das denúncias contra a Sedu e a SRE, por tratarem-se de “desrespeito à dignidade da pessoa humana e à liberdade de expressão”. O relato, feito por email à Ordem, dá conta de que, ao perguntar à superintendente sobre as razões para a exoneração, “ela tergiversou, mas deixou claro que não era por motivos profissionais, mas pela forma pela qual expresso minhas ideias, pelo meu modo de falar. Na hora, isto me soou xenofóbico, pois venho de outra cultura, de outro estado, e minha forma de falar é genuinamente baiana”.
A conversa com Adriana Merlo, conta o ex-diretor, ocorreu dias após uma reunião realizada em 18 de julho em Nova Venécia, entre diretores de escola e o secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo, quando ele interpelou o gestor, sugerindo que a carga horária dos professores fosse reduzida, pois estavam todos excessivamente atarefados, sem conseguir prestar um serviço de qualidade. Ao que o secretário reagiu “de maneira deselegante e destemperada, causando espanto aos presentes”. Diante de fala semelhante por parte de outro diretor, que “também foi rechaçado”, prossegue, “o secretário manifestou frase tais como: ‘eu pensei que estava numa reunião com diretores e não com o sindicato’; ‘para mim o que importa são os resultados’, todas elas em tom áspero”.
Kaique argumenta que, “para assumir a função, tive que provar que era capaz, mediante aprovação em processo seletivo idôneo e transparente. Pela lógica, também deveria haver um procedimento de retirada que se inspirasse nesses fundamentos” e que, “sem razões justas, resta apenas o arbítrio”.
A solicitação à OAB se deu após Kaique informar à superintendente, por áudio enviado em rede social no dia seguinte à conversa presencial, que não aceitava a exoneração sem motivação justa e que iria lutar por seus direitos. Na semana seguinte, assinala, a escola recebeu mais uma diligência da SRE para apurar outra denúncia anônima feita na Ouvidoria do Ministério Público Estadual (MPES) contra ele, desta vez “de abuso sexual contra um estudante da escola, menor de idade”.
Segundo a manifestação anônima investigada pela superintendência, o abuso teria ocorrido no dia 16 de maio, período em que Kaique estava afastado, se recuperando de uma cirurgia. “Nessa época eu estava de licença por 45 dias, desde o final de abril até a primeira metade de junho. Eles sabiam disso. Dizem que a denúncia foi feita na ouvidoria do MPES. Eu sei que ‘plantaram’ essa mentira na cidade inteira”, relata o ex-diretor, em entrevista a Século Diário, informando que a queixa será registrada tão logo por meio de Boletim de Ocorrência na Delegacia de Montanha.
Outra consequência do áudio, acredita, foi a antecipação da sua exoneração, que foi formalizada já nessa quinta-feira (4), conforme publicado no Diário Oficial. “Agora querem me tirar da cidade, me colocando para escolher entre uma escola em Ponto Belo ou Pinheiros. E ainda ameaçam de cortar meu ponto se eu não escolher uma das duas”.
‘Nenhuma advertência’
Entre os outros documentos produzidos por Kaique sobre o caso, está um requerimento enviado à SRE Nova Venécia, no dia 28 de julho, pedindo que ele fosse informado das razões que embasaram a decisão pela sua exoneração. No ofício, ele afirma que o comunicado, feito na véspera, “pegou a mim e a equipe da escola de surpresa, afinal, o trabalho que desempenhamos na EEEFM Dom José, desde o mês de outubro do ano passado, era objeto de apreciação e elogios por parte da equipe gestora da SRE, que, diga-se de passagem, nunca nos remeteu uma advertência sequer. Inclusive, após a apresentação da SMAR mês passado, ouvi dos mesmos que hoje nos visitaram o quanto estavam adorando o modo como a escola estava sendo dirigida, as mudanças implementadas, bem como manifestações de apoio a minha permanência na função”.
Nessa quinta-feira, mediante a publicação no Diário Oficial, Kaique formalizou ao promotor de Justiça Edilson Tigre, da promotoria local do Ministério Público Estadual (MPES), um pedido para que a sua “localização provisória”, ou seja o local para onde ele será transferido, na condição de professor de História, seja a Escola de Tempo Integral Elpidio Campos, em Montanha, onde trabalhava antes de assumir a direção da Dom José Dalvit.
Cabelo e chinelo
As primeiras manifestações feitas por Kaique a respeito da perseguição que afirma sofrer desde que assumiu a direção da escola, datam de maio e são direcionadas à própria Ouvidoria do governo do Estado, onde ele alerta sobre o “uso possivelmente criminoso que estava sendo feito do órgão”, ligado à Secretaria de Estado de Controle e Transparência (Secont).
A primeira, no dia 13, informa que já havia, contra ele, “sete manifestações sobre diversos assuntos, todas apuradas e provadas inconsistentes”. Em uma delas, destaca, “os apuradores [equipe da Superintendência enviada para apurar os fatos denunciados], à época, se acharam no direito de dar dicas, de modo invasivo, sobre como cuidar ‘melhor’ da minha aparência. Na oportunidade senti-me humilhado discriminado e com dúvida se teria sofrido ou não assédio moral”.
Em outra, ele conta ter sido acusado de fazer apologia às drogas junto aos estudantes e que até os mesmos “foram sabatinados”, mas que “novamente a verdade prevaleceu”.
Ao final, Kaique afirma que “as condutas descritas até aqui contemplam, infelizmente, atos previstos no nosso Código Penal, quais sejam: Perseguição (Art. 147), Denunciação Caluniosa (Art. 339), Calúnia (Art. 138), Difamação (Art. 139), Injúria (Art. 140) e Assédio Moral (Art. 203-A)” e que “os limites da dignidade e da lealdade foram transgredidos”, pedindo então para que o atendimento a tais denúncias fosse interrompido urgentemente, “pois está afetando minha saúde emocional e tornando o ambiente de trabalho insuportável”.
A Ouvidoria, ressaltou, “deve estar a serviço do bem comum e não pode ser desvirtuada para o cometimento de crimes por facínoras homiziados no anonimato”, sendo necessário identificar o autor das denúncias para pôr fim àquela situação.
No dia 2 de junho, ele complementa a manifestação na Ouvidoria e relata que no dia 31 de maio, “o alvo de apuração foi a coordenação da escola”. “O ambiente profissional está se deteriorando”, alerta, havendo “funcionário dizendo estar com medo de ir trabalhar. Outros pediram aposentadoria pelo INSS para encurtar o caminho e sair da escola logo”. E pergunta: “até quando permitirão que a Ouvidoria seja utilizada como instrumento de tortura psicológica?”
No dia seguinte, a resposta da Secont foi no sentido de defender o anonimato dos denunciantes na Ouvidoria, citando as várias normativas legais que garantem essa situação, e de dizer que “o levantamento preliminar de informações que possam contribuir para a apuração dos fatos narrados em uma denúncia anônima é de responsabilidade do órgão competente, que neste caso é a Sedu”.
Um dos dispositivos citados, o artigo 248 da Lei Complementar 46/1994, contrapõe Kaique, “é categórico ao dizer que ‘as denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração’. (…) Contudo, o cabelo o calçado e a vida particular e lícita de um servidor não estão no rol de irregularidades que a lei visa apurar. (…) Será que meu cabelo é mais digno de apuração do que a minha dor?”.
Posição Sedu
Procurada por Século Diário, a Secretaria de Estado da Educação informou que “a seleção, nomeação, análise de desempenho e eventual dispensa da função de diretor escolar seguem critérios e procedimentos técnicos e profissionais, não apresentando qualquer correlação pessoal nesses processos”.