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‘A solução para a educação especial é cumprir a lei’, afirma mãe de PCD

Hilde Helene Jordão acionou o MPES, mais uma vez, para ter os direitos da filha assegurados em Afonso Cláudio

Leonardo Sá

Depois de vencer, junto com sua comunidade, uma enorme batalha contra o êxodo rural e conseguir manter o ensino médio noturno na comunidade rural onde vive, no interior de Afonso Claudio, na região serrana do Estado, Hilde Helene Christiansen Jordão, mãe de duas pessoas com deficiência (PCDs), trava agora uma luta ainda mais longa para garantir minimamente os direitos educacionais de sua filha mais velha.

Com 32 anos, a jovem Silvana está no quinto ano e ainda não foi alfabetizada. A prefeitura, afirma Hilde, envida esforços sistemáticos para tirá-la da escola regular, seja forçando sua aprovação para que ela conclua o ensino fundamental mesmo sem condições, seja para que ela vá para uma instituição especializada em PCDs, na sede do município.

“A dificuldade de criar duas crianças especiais, eu só tive ideia quando adotei as duas. Parece que as pessoas querem pisar cada vez mais em você. Não fossem já as dificuldades e lutas que a gente tem no dia a dia para criar essas crianças, a prefeitura vem e coloca cargas tão pesadas! Em vez de ajudar, parece que quer tornar a vida da gente cada vez mais pesada. A gente como mãe também sofre bullying, mas logicamente a gente nunca tem razão. A gente que é ‘burro’, ‘não sabe nada’, tem que ‘baixar a cabeça’ e ‘murchar as orelhas”, lamenta.

Hilde afirma que a prefeitura trata as mães, principalmente as mais humildes, muito mal. “Massacram”, denuncia. “Vocês não têm que dar opinião sobre o que nós fazemos com os seus filhos”; “nós somos formados e sabemos o que fazer”, afirma, são frases ouvidas com frequência.

Ela conta que testemunha muitos casos de estudantes sem deficiência cujas mães reclamam que estão no sétimo, oitavo ou até nono ano e não sabem ler direito, nem fazer conta, mas que chegam a receber certificado de conclusão do ensino fundamental. “Quando ele recebe o certificado, nunca mais poderá entrar no ensino fundamental de novo e aprender o que ele nunca teve a chance de aprender. Esses estudantes são descartados”, repudia.

No seu caso, mesmo sendo mais conhecedora das leis e direitos, as violações também acontecem. “Eu também já sofri essa pressão, a ponto de chegarem para mim e dizer ‘você não sabe nada, nós sabemos o que é bom para ela. Com as suas falas você está prejudicando a sua filha, está negando a ela o direito de participar do sexto, sétimo, oitavo ano'”. A negativa em dialogar com as famílias, alerta, é muito mais do que falta de consideração, é violação de direito. “A lei afirma que as famílias devem ser consultadas sobre qualquer decisão importante que seja tomada sobre os estudantes. Mas isso nunca acontece”.

O cumprimento da lei, sublinha, é pelo que ela mais tem lutado. “A solução é cumprir a lei. A lei é maravilhosa. Se a legislação for cumprida, vai ser uma maravilha para as crianças”. Esse cenário, no entanto, está muito distante da realidade. “A Silvana nunca teve plenamente acessados os direitos dela. Até amarradas minhas filhas foram por uma professora, anos atrás. Colocaram fita crepe na boca delas. Hoje essas coisas não acontecem, mas os direitos continuam não sendo garantidos”.

Basicamente, resume Hilde, a Silvana tem tido negado o direito de continuar na escola até ser alfabetizada e estar em um espaço, na escola, onde ela entenda o que está sendo ensinado pelos professores. O motivo, explica, é que sua filha é mantida na sala regular sem que haja qualquer adaptação real do conteúdo, fazendo com que ela não compreenda nada, continue sem alfabetização e, mesmo assim, seja aprovada e passe para os anos seguintes do ensino fundamental. “Discriminação é crime, dá cadeia. Estão doidos para tirar minha filha da escola, mas eu não vou deixar”, afirma.

A real adaptação não acontece, avalia, porque não há professores especializados em número suficiente para dar a atenção necessária a cada um dos estudantes com deficiência, havendo muitos cuidadores e estagiários que não estão suficientemente preparados para esse trabalho. E o Atendimento Escolar Especializado (AEE) acontece também de maneira imprópria. Uma experiência de sucesso de Educação Especial, que se assemelha ao que Hilde reivindica para sua filha, a reportagem de Século Diário encontrou em Santa Maria de Jetibá, também na região serrana.

Ela conta que o cenário só se agrava. “A situação aqui na escola está cada vez pior. Se fosse falar mesmo tudo o que está errado, teria que fazer muitas reportagens. Infelizmente não é só em Afonso Cláudio, é em grande parte dos municípios do Brasil. Eles [os gestores] fazem o que é bom para eles, independente do que a lei diz e do que é bom para as crianças”.

Um dos exemplos mais dramáticos é o AEE. “Querem que a gente aceite que a sala de recursos funcione no turno. A lei é clara de que tem que ser no contraturno. Eu não posso assinar um papel aceitando que seja no turno. Quem fica no turno é a professor regular, não é o pessoal do AEE. Os estudantes especiais estão perdendo aula porque estão sendo tirados da aula para ter esse reforço, que eu nem sei se resolve alguma coisa”, descreve.

Em sua última solicitação ao Ministério Público Estadual (MPES), na figura do promotor de Justiça Valtair Lemos Loureiro – “que já fez tanto pela gente, conseguiu manter o ensino médio aqui, conseguiu que Silvana voltasse para a escola, depois de seis anos que não deixaram ela estudar” –, ela faz seis pedidos. Primeiro, que possa participar das reuniões pedagógicas e outras que envolvam decisões importantes sobre a vida escolar da Silvana. “Quero contribuir com minha experiência”, argumenta, com base em muitos anos dedicados à alfabetização de jovens e adultos e também de crianças e adolescentes, seja como voluntária ou como professora, quando foi aprovada no concurso público municipal.

O segundo, “que seja feita uma avaliação da Silvana para ver o nível real do seu aprendizado e que sua rematrícula seja refeita para o ano correspondente ao nível dela”.

Em terceiro, “que Silvana, para ser aprovada para o ano seguinte, passe por uma avaliação para comprovar que está apta para cursá-lo em igualdade de condições com seus colegas”. Em quarto, que sua filha “não precise ficar dentro da sala do 5º ano e que tenha exercícios de alfabetização ao invés de adaptações que não pode fazer”, mas que, ao contrário, que outros dois pedidos sejam atendidos: “que a Silvana possa ter atendimento na sala de recurso no contraturno” e que uma professora fique exclusivamente com ela, para acompanhar seu desenvolvimento e realizar a alfabetização de forma personalizada.

Há, inclusive, uma profissional que já atendeu sua filha na escola, que, na visão de Hilde, deveria continuar esse trabalho. “A professora Josiane é formada em Pedagogia e tem cursos de especialização e pós-graduação em atendimento às crianças deficientes intelectuais. Ano passado fez um excelente trabalho com a Silvana e seria bom se desse continuidade. Silvana tem direito a um professor para acompanhá-la e concentrar seus esforços para alfabetizá-la. Ela precisa estar em uma sala separada para se concentrar melhor”.

Sobre as instituições especializadas, fora da escola normal, Hilde tem uma posição muito firme, que se assemelha à defesa feita pelo professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Douglas Ferrari: são instituições que segregam as PCDs e só atendem à visão capacitista e preconceituosa da sociedade, que quer ver as PCDs fora de sua convivência .

“Eu sou contra a existência da Apae, mas sou a favor do trabalho que ela realiza, que é maravilhoso. Aqui em Afonso Cláudio, a Apae tem uma estrutura maravilhosa e recebe muitas doações em dinheiro. Mas a filosofia desses pais que doam o dinheiro é a seguinte: as crianças especiais da Apae ficam em um lugar e as normais em outro. Então eles ficam com a consciência tranquila, porque doam muito dinheiro para a Apae, para as crianças especiais ficarem bem longe das delas. Mas de que adianta uma estrutura maravilhosa, se é tão artificial? Quando as crianças saem das quatro paredes da Apae, vem o bullying, as reclamações, os xingamentos. Eu quero que as minhas filhas sejam preparadas para o mundo real, que consigam entrar no supermercado, comprar um produto, manejar dinheiro, terem condições, como diz a legislação, de exercer plenamente a cidadania. Então para isso, minimamente. elas têm que saber ler e viver no mundo real, com todas as pessoas”, defende.


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https://www.seculodiario.com.br/educacao/estudantes-com-deficiencia-estao-excluidas-do-aprendizado-denuncia-mae

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