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Lei de cotas: PL aprovado na Câmara exclui banca de heteroidentificação

Jacyara Paiva afirma que medida atendeu à pressão do PL e do Novo, mas expectativa é de que procedimento seja mantido

Embora o Projeto de Lei (PL) 5384/20, que trata da política de cotas, tenha sido aprovado nessa quarta-feira (9) na Câmara dos Deputados sem a obrigatoriedade de realização das bancas de heteroidentificação, a expectativa é de que elas permaneçam caso a proposta seja aprovada no Senado e sancionada. É o que projeta Jacyara Paiva, integrante do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros das Universidade Federal do Espírito Santo (Neab-Ufes), vice-presidente da Associação dos Docentes da Ufes e integrante da banca de heteroidentificação da universidade.

O PL 5384/20, de autoria da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), estabelece critérios para o ingresso de pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência (PCDs) e alunos de escolas públicas em instituições federais de ensino. A proposta revisa a Lei 12.711/12, cujo prazo para isso era de após 10 anos de sua publicação, ou seja, em 2022. Na lei aprovada em 2012, não era prevista a obrigatoriedade da banca de heteroidentificação, que avalia os candidatos aprovados no processo seletivo das universidades por meio de cotas usando critérios fenotípicos.

A obrigatoriedade era uma reivindicação dos movimentos, principalmente o Movimento Negro, mas Jacyara afirma que sua retirada foi pleiteada pelo PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, e pelo Partido Novo. Atender essa exigência, explica, foi uma negociação necessária para “não perder tudo” e “garantir a política para o público-alvo”. Ela acredita que ao defender a retirada da realização da banca, o PL e o Novo “agiram de má-fé”, buscando fragilizar a política de cotas para ocorrência de fraudes e, futuramente, facilitar possíveis apontamentos de que ela não tem eficácia.
A integrante do Neab, entretanto, aponta que as universidades têm autonomia quanto à realização, que há jurisprudência e que foi publicada uma instrução normativa que disciplina as cotas nos concursos públicos que prevê a realização da banca.

No que diz respeito à jurisprudência, Jacyara recorda que há uma orientação o Ministério Público Federal (MPF) de 2016 para realização das bancas como forma de evitar fraudes, já que pessoas brancas se autodeclaravam negras para usufruir da política pública. Outra situação era a de pessoas que, por falta de letramento racial, se consideravam negras por serem filhas de pessoas negras. “A discriminação no Brasil não é com base na origem, é de marca, por causa das características fenotípicas, como cabelo, cor da pele, boca e nariz”, destaca.

Jacyara classifica como uma “tacada de mestre” a Instrução Normativa nº 23, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, publicada em julho deste ano. A Instrução Normativa disciplina a aplicação da reserva de vagas para pessoas negras nos concursos públicos, na forma da Lei n°12.990, e reserva vagas para pessoas negras nos processos seletivos para a contratação por tempo determinado de que trata a Lei nº 8.745, no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
No artigo 2º consta que, para fins da Instrução Normativa, deve haver “procedimento de heteroidentificação: procedimento de identificação por terceiros da autodeclaração realizada pela pessoa que optou por concorrer às vagas reservadas”, estabelecido no artigo V. Para Jacyara, isso pode também ajudar a assegurar a realização das bancas na universidade.
O projeto de lei mantém os 50% de vagas para cotas sociais, ou seja, para alunos oriundos de escola pública. Dentro dessa parcela, são garantidos os recortes para PCDs, negros, indígenas, e agora, também os quilombolas, sendo a inserção desse grupo uma das novidades. O número de vagas destinado a cada recorte é baseado nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o índice populacional no território onde a universidade se encontra.

Além disso, estabelece que em vez de o estudante concorrer somente às vagas de seu subgrupo, concorrerão às vagas gerais. Caso não alcance a nota para ingresso, ela será usada para concorrer às vagas reservadas a seu subgrupo. “Antes, concorrendo somente às vagas destinadas às cotas, a pessoa poderia ter pontuação para passar em primeiro lugar geral, mas preencheria uma reservada para essa política. Agora não, ela ocupa uma vaga geral e abre espaço para outra pessoa na política de cotas”, pontua Jacyara.


O projeto também diminui de 1,5 para um salário mínimo a renda per capita familiar máxima do estudante candidato ao ingresso pelas cotas por ter cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. A novidade também é considerada positiva. Segundo Jacyara, pode limitar beneficiar pessoas que não precisam da política de cotas, como as que puderam cursar ensino fundamental em escola particular, mas fizeram o ensino médio no Instituto Federal, por exemplo. 

A matéria foi aprovada na forma de substitutivo da relatora, deputada Dandara (PT-MG), e mantém ainda a avaliação do sistema de cotas a cada dez anos “O relatório da Dandara foi muito bom, construído com as bases, não foi de cima para baixo. Todas mudanças foram positivas. Por isso que afirmo: não constar a obrigatoriedade da banca de heteroidentificação foi perder o dedo mindinho para não perder a mão”, avalia. 

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