O decreto propõe a volta de centros especializados em educação para pessoas com deficiência, indo na contramão do processo de inclusão desses estudantes no ensino regular. Nos últimos vinte anos, a estimativa nacional é que 87% já conseguiram se matricular, sendo necessário investir em equipamentos e profissionais que deem suporte aos estudantes, que hoje, ainda não conseguem se inserir efetivamente na realidade das escolas.
O retrocesso proposto pelo decreto prejudica não somente os estudantes com deficiência e suas famílias, mas toda a sociedade, ressalta Douglas, pois retira de todos a oportunidade de conviver e aprender com a diversidade. “Estamos numa grande mobilização contra esse decreto, preparando judicialização, com Ação Direta de Inconstitucionalidade, mandado de segurança e outros dispositivos”, relata.
Duas ações legais já estão em andamento na Câmara dos Deputados: os Projetos de Decreto Legislativo (PDL) números 427 e 431, dos partidos PT e Psol, visando sustar os efeitos do Decreto 10.502, tendo o primeiro a participação do deputado capixaba Helder Salomão (PT).
Já a Comissão Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CDPCD/CFOAB) “instaurou procedimento administrativo tendo por escopo a elaboração de estudo técnico-jurídico que possa vir a ser utilizado como fonte de subsídios necessários para que o Conselho Federal da entidade possa, oportunamente, deliberar sobre as medidas, inclusive judiciais, se for mesmo o caso, a serem tomadas no sentido de evitar qualquer retrocesso na efetivação dos direitos das pessoas com deficiência”.
Segregação
Todo o texto do Decreto é muito ruim, explana o professor da Ufes, ao comentar sobre vários pontos de explícito retrocesso na luta de duas décadas da sociedade em prol da inclusão efetiva das pessoas com deficiência, destacando, entre tantos, o artigo 7, ao “materializar de forma nefasta as especificidades e singularidades propondo a criação de centros bem específicos, como deficiência visual, deficiência intelectual, transtorno global de desenvolvimento, deficiência físico-motora, superdotação, surdez”, declara, destacando o aspecto mais citado em todas as manifestações públicas de entidades, coletivos e organização no Estado e no país.
No Espírito Santo, já se manifestaram oficialmente o Fórum Estadual de Gestores de Educação Especial e o Grupo de Pesquisa, Formação, Pesquisa-Ação e Gestão de Educação Especial da Ufes (Grufopees – CNPq/UFES), constituído por professores e alunos da universidade e profissionais das redes de ensino capixabas.
“Com um texto frágil e ambíguo, apresenta propostas que retrocedem mais de duas décadas nas políticas educacionais, ao propor espaços segregacionistas”, afirma o Grupo.
Expurgo
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID), a exemplo das demais manifestações, relembra que o decreto “viola a proteção aos direitos humanos presentes na Constituição da República e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; fere o compromisso internacional assumido pelo Brasil ao assinar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que dispõe sobre direitos humanos; e violenta o sistema jurídico brasileiro no qual a referida Convenção está incorporada com o status de norma constitucional que obriga e estabelece o sistema de ensino inclusivo em todos os níveis, único modelo que atende aos princípios e disposições nela contidos, corroborando com o que está disposto em nossa Carta Magna”.
A Ampid assevera que o decreto “deve ser declarado inconstitucional e expurgado da legislação brasileira, com a maior urgência possível. Só assim, não gerará causa e efeitos nocivos de discriminação, de quebra de igualdade de oportunidades e de falta da acessibilidade às crianças, jovens e pessoas adultas com deficiência”.
1 milhão de estudantes
Nesse sentido explanam o Conselho Científico do II Congresso Nacional de Práticas Inclusivas (II Conapi) e o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Universidade Estadual de Campinas (Leped/FE/Unicamp).
Este, em manifesto, afirma que não permitirá “que sejam ofuscados ou esquecidos os ganhos obtidos pelos alunos que, em razão da inclusão escolar, puderam seguir trajetórias de vida jamais imaginadas no tempo em que eram vigentes no país a concepção que agora o governo federal busca desenterrar”; nem “que o país volte a terceirizar a Educação Especial, alocando recursos públicos em instituições privadas, em detrimento da continuidade e da ampliação dos investimentos na escola pública comum”; ou que “sejam silenciadas as famílias que, junto com os educadores, lutaram ao longo desses 12 anos, fazendo o país matricular mais de 1 milhão de estudantes da educação especial nas escolas comuns, o que representa 87% de taxa de inclusão”.
Anacrônico e privatista
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) chama o decreto de anacrônico e privatista. “Diferente do que ainda se encontra previsto nos decretos 7.611 e 7.612, que facultam o atendimento de determinadas demandas escolares através de entidades comunitárias, confessionais e filantrópicas, devidamente conveniadas com o poder público, a nova PNEE, em nenhum momento, faz referência a parcerias com essa espécie de instituição jurídica sem fins lucrativos, o que indica a prevalência de um projeto privatista para o atendimento escolar e de outras atividades especiais voltadas às pessoas com deficiência no Brasil”.
Equidade
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que identifica-se como a “maior, mais ampla e mais plural rede em defesa do direito à educação no Brasil”, lembra que a citada Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006, foi assinada por mais de 158 países, inclusive o Brasil, onde foi ratificada e tem status de emenda constitucional.
A Campanha cita também o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 4, estabelecido pela ONU, em sua Agenda 2030, em que “equidade” é definida como “o movimento de diferenciar estratégias para gerar inclusão e participação nos espaços comuns de convívio, o oposto da proposta que se apresenta no interior do Decreto”.
E pede, além da revogação, que seja aprovado, na Lei de regulamentação do Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), um prazo para que as instituições filantrópicas encerrem suas atividades substitutivas à escolarização e passem a atuar como apoio às escolas comuns, dentro da perspectiva inclusiva.