Será criada na Câmara de Vitória a Frente de Defesa da Educação Democrática de Vitória. A iniciativa foi proposta pelo vereador André Moreira (Psol) e aprovada durante audiência pública realizado na noite dessa quinta-feira (17). A Frente vai discutir questões relacionadas à eleição de diretores de escola, garantia de permanência na função sem que sejam destituídos pela gestão municipal, e implantação de escolas em tempo integral.
A realização da audiência, convocada pelos vereadores André Moreira, Karla Coser (PT) e Vinícius Simões (Cidadania), foi motivada pelas recentes exonerações de professores e o anúncio de que, a partir de 2024, algumas escolas passarão a funcionar em tempo integral sem que houvesse diálogo com a comunidade escolar. A secretária municipal de Educação, Juliana Roshner, foi convidada para participar, mas não compareceu.
A tônica do debate, que contou principalmente com o protagonismo de integrantes da comunidade escolar e representantes de entidades da sociedade civil organizada, foi de que não se é contra a implantação de escolas em tempo integral, mas sim, à falta de diálogo para a sua implementação, o que pode acarretar em precariedade da qualidade de ensino e alterações bruscas na rotina das crianças e seus responsáveis.
A falta de infraestrutura nas escolas foi um dos problemas apresentados. Arlindo de Almeida, integrante do Conselho de Escola do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Sinclair Philips, em Caratoíra, unidade
que a gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos) quer transformar em integral, disse que as salas de aula são um “cubículo”. “Temos uma sala encostada em uma casa, a cerca de um metro da cozinha, a professora consegue saber o cardápio da senhora que está lá cozinhando”, diz.
A forma distinta como se dá a condução da política de educação nas escolas de periferia se comparado com as de bairros considerados nobres também foi apontada durante a audiência. Recentemente, foi anunciado que o CMEI Rubens José Vervloet Gomes, em Jardim Camburi, passaria a ser em tempo integral, mas como a comunidade não acatou a decisão da prefeitura, a situação foi revertida. Embora nas comunidades periféricas também haja questionamentos quanto à adesão a esse modelo, a gestão municipal insiste em mantê-lo.
“Em Jardim Camburi, tentaram, mas foi barrado. Há diferença? É questão de um ser periferia e de outro ser considerado nobre?”, questiona a servidora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Izaura Marques da Silva, em Andorinhas.
Apesar de a prefeitura ter anunciado recentemente que alguns CMEIs, como os de Caratoíra e Tabuazeiro, seriam de tempo integral, essa prática já foi adotada sem diálogo em outras escolas. Uma delas é a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) José Lemos de Miranda, em Comdusa, conforme relatou o líder comunitário Fernandão, que criticou a ausência de Pazolini e Juliana na audiência pública.
“É impossível continuar aturando a Prefeitura de Vitória fazendo isso com nossas comunidades. A periferia de Vitória está de saco cheio das atitudes do prefeito Lorenzo Pazolini. Cadê ele aqui? Cadê a Juliana?”, protestou.
Fernandão também apresentou um vídeo no qual mostra inúmeras goteiras no CMEI Padre Giovanni Bartesaghi, na Ilha das Caieiras. “Quer deixar nossas crianças lá dentro em tempo integral? Passa nas escolas da Praia do Canto, Jardim da Penha, Jardim Camburi, vê se está numa situação dessa! Cadê a paz e igualdade que ele prometeu, que ainda não vi?”, questionou, referindo-se ao slogan da campanha do atual prefeito. Fernandão prosseguiu com novos questionamentos: “a periferia de Vitória é bicho? Nós somos monstros? Ele não tem coragem de dialogar com a gente. Lorenzo Pazolini foge da periferia”.
As destituições das diretoras Aerodilse Fernandes da Silva Xavier, da EMEF Paulo Reglus Neves Freire, em Inhanguetá, e Alessandra Passos Pereira, na EMEF Prezideu Amorim, no bairro Bonfim, no mês de julho, também foram alvo de discussão na audiência pública. José Luiz dos Anjos, responsável por um aluno da EMEF Paulo Reglus Neves Freire, se mostrou contrário ao ocorrido. “Para que serve o Conselho de Escola, se não é ouvido?”, questionou.
Entidades da sociedade civil também participaram da audiência. A presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Vitória (Sindismuvi), Waleska Timóteo, criticou a falta de diálogo da gestão municipal. “Não tem diálogo, não tem construção coletiva. Tudo que não tem diálogo tem fim decretado”, disse. O diretor de Comunicação do Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), Paulo Loureiro, destacou que o CMEI de Caratoíra nem ao menos tem acessibilidade, sendo “um emaranhado de escadas”.
O grupo Professores Associados pela Democracia de Vitória (PAD-Vix) foi representado pela sua diretora executiva, Zoraide Barbosa, que trouxe à tona a transferência do professor Aguinaldo Rocha de Souza, que há quase 30 anos trabalhava na EMEF Prezideu Amorim, mas foi transferido para a Otacílio Lomba sem que fosse época de remoção, o que foi encarado pela Pad-Vix como perseguição política. Zoraide entregou abaixo-assinado em defesa de Aguinaldo para a Câmara. “Não temos medo de repressão, vamos sempre resistir. O que fizeram com Aguinaldo não se faz. Como arrancam um professor com 29 anos de escola no período de férias?”, criticou.
Representantes do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) compareceram à audiência. O promotor da Regional de Educação, que abrange Vitória, Vila Velha, Cariacica e Serra, afirmou que alguns fatos colocados durante a discussão já são objeto de apuração do MPES, mas não detalhou quais. Informou também que o MPES move uma ação civil pública (ACP) que busca a contratação de profissionais de educação especial e elaboração de projetos educacionais individuais.
O defensor público Renzo Gama Soares, do Núcleo da Infância e Juventude da DPES, destacou que a gestão democrática é um dos princípios da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e defendeu a necessidade de incluir as crianças no debate sobre as políticas educacionais, com base nos artigos 16 e 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garantem a participação social e política.
Também estive presente a deputada estadual Camila Valadão (Psol), que se solidarizou com as comunidades escolares.