O pleno do Conselho Municipal de Educação de Vitória (Comev) aprovou o parecer de sua Comissão de Leis e Normas sobre a proposta de organização curricular apresentada pela gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos), por meio da Secretaria Municipal de Educação (Seme). No documento, a Comissão se mostra contrária às alterações propostas para a Resolução nº 07/2008, que fixa normas relativas à organização e funcionamento do Ensino Fundamental.
Foram 10 votos favoráveis ao parecer, quatro contrários e duas abstenções. A ideia da Seme é modificar o artigo 5º da Resolução, que determina que “a jornada escolar terá duração de 4 horas e 10 minutos de efetivo trabalho letivo, excluídos os 20 minutos para o horário do recreio”, passando a ter duração de “4h e 35 minutos de efetivo trabalho letivo, excluídos os 25 minutos para o horário do recreio”. No artigo 6º, que prevê duração de hora/aula de 50 minutos, a mudança seria o acréscimo de cinco minutos, totalizando 55.
Os estudantes hoje são atendidos na Educação Infantil e no Ensino Fundamental nos seguintes horários: 7h às 11h30 no turno matutino, 13h às 17h30 no vespertino, e 18h às 22h na Educação de Jovens e Adultos. Conforme consta na proposta da Seme, as mudanças de carga horária fariam com que no turno matutino a jornada escolar passasse a ser das 7h às 12h e, no turno vespertino, de 13h às 18h.
A Seme justifica sua proposta com base em indicadores educacionais. De acordo com a pasta, eles mostram que antes mesmo da pandemia, já era visível a necessidade de melhorias na aprendizagem. Para exemplificar, a gestão municipal destaca que, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o município não alcançou a meta prevista para 2019 e está abaixo das médias estadual e nacional.
O Ideb observado em 2019, conforme consta na proposta, foi de 5,6 para os anos iniciais e de 4,6 para os anos finais, com metas projetadas para 5,9 e 5,1, respectivamente. “Percebemos que o município de Vitória, ao longo dos anos, foi perdendo seu potencial, ficando estagnado desde a edição de 2015”, destaca. A Seme também expõe dados do Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (Paebes), com mais de 50% das crianças avaliadas no município sem alcançar o nível avançado de aprendizagem em Língua Portuguesa, e em Matemática apenas 16,5% alcançaram o melhor nível.
A Comissão afirma que não pode aprovar a iniciativa da Seme “sem que antes seja apresentado um estudo apontando a viabilidade de efetivação de uma proposta de funcionamento para as Unidades de Ensino da Rede Pública – Educação Infantil e Ensino Fundamental, como uma política de funcionamento possível que, de fato, contribua para a ampliação da qualidade da Educação Pública ofertada no município de Vitória-ES”.
“Levando em consideração que o Comev é o órgão da sociedade civil criado pela Constituição Cidadã e pela Lei de Diretrizes e Bases [LDB] para fiscalizar o executivo e evitar seus excessos, esperamos sinceramente que a secretária reavalie a portaria e respeite a decisão dos conselheiros”, diz o integrante da Comissão de Leis e Normas e diretor executivo do grupo Professores Associados pela Democracia de Vitória (PAD-Vix), Aguinaldo Rocha de Souza.
Aguinaldo destaca que, para emitir o parecer, a Comissão levou em conta a opinião da comunidade escolar. “Uma das principais críticas que fazemos à proposta foi ao fato de a Seme não ter escutado a comunidade escolar”, diz.
Conforme conta no parecer, os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e do Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (Paebes) são usados na proposta da Seme “sem um estudo aprofundado, para fundamentar uma proposta de grandes impactos na Rede de Vitória, seja na vida dos/das estudantes, das famílias, e dos/das trabalhadores da educação. Essa organização foi apresentada no final do ano letivo de 2021, para o ano letivo de 2022, sem que se tenha condições objetivas para sua implementação, correndo o risco de promover o caos na Rede de Vitória”.
Trata-se, portanto, de uma proposta que “desconsidera a realidade das Unidades de Ensino de Vitória, as especificidades dos territórios nos quais as escolas estão localizadas e desconsidera, ainda, os diferentes percursos de aprendizagem das crianças e dos/das estudantes. O documento também não dialoga com os teóricos que pautam os princípios da Gestão Democrática”.
A Comissão critica ainda o fato de a análise da Seme para formulação da proposta ser fundamentada em dados das Organizações Não governamentais (ONGs) Todos pela Educação e Instituto Lemann; bem como nos dados do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF); que, conforme aponta, é referência em avaliação educacional em larga escala; e nos dados do Banco Mundial para justificar os impactos do isolamento social na aprendizagem dos estudantes.
Para a Comissão, isso evidencia “a política neoliberal, que se expande no cenário brasileiro, principalmente após o ano de 2016, e tem como base uma concepção de educação baseada na defesa do livre mercado, que incentiva cada vez mais a iniciativa privada, desqualificando o setor público, principalmente a Educação Pública”, tratando de “uma concepção depreciativa dos serviços públicos e do magistério, que tem como objetivo tornar o/a professor/a e a escola, os únicos responsáveis pela aprendizagem”.
Ainda sobre o Ideb, a Comissão defende que comparar esses dados com os de outros municípios da Grande Vitória, e fazer o mesmo com as escolas localizadas em bairros diferentes da cidade de Vitória, “é um ato irresponsável e que nos imputa uma séria acusação, sem um estudo aprofundado. Desconsiderar a trajetória da rede municipal de Vitória, é algo ultrajante, que fere, ofende e desrespeita o trabalho desenvolvido com seriedade pelos/as trabalhadores/as da Educação Pública deste Município”.
Alteração Curricular
Quando apresentou a proposta, a Seme também informou que “com o objetivo de garantir que todos os estudantes possam ter acesso aos conhecimentos mínimos, publicará as diretrizes para a organização curricular do ensino fundamental respeitando a base nacional comum e a parte diversificada”. Esta última “estabelece os conteúdos complementares, integrados à Base Nacional Comum, para atendimento às características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos estudantes”.
A Parte Diversificada, de acordo com a proposta da Seme, será “constituída por componentes integradores, e ofertada como componentes curriculares de Projeto de Vida e Práticas Experimentais, com registro de frequência e sem atribuição de pontos nos trimestres”. Entre as Práticas Experimentais, que cada unidade de ensino deverá escolher uma para ser aplicada, estão Educação Empreendedora e Financeira, Educação Socioambiental, Iniciação Científica, Libras, Música, Tecnologias Educacionais e Território do Viver.
Quanto a essa modificação curricular, no parecer consta que ela “reforça, cada vez mais, as desigualdades entre as escolas e o fosso do capital cultura”, sendo seu principal objetivo “igualar o ensino, para que os/as estudantes tenham êxito nos testes padronizados”, deixando “explícito que não há na proposta uma política de equidade social”.
Manifestações
Os trabalhadores da educação de Vitória chegaram a fazer três manifestações contra a proposta de organização curricular.
A primeira foi em 24 de novembro, na Câmara de Vereadores. O protesto, que começou em frente à sede do legislativo municipal, terminou no plenário, onde ocorria a sessão ordinária, que foi encerrada diante do tumulto causado por ofensas proferidas pelo vereador Gilvan da Federal (Patri).
A fala do secretário municipal da Fazenda, Aridelmo Teixeira, que, durante apresentação do projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA), afirmou que a educação municipal “é de péssima qualidade”, também foi alvo dos protestos.
Em primeiro de dezembro, os trabalhadores voltaram às ruas. Na parte da manhã eles protestaram em frente à Câmara, à tarde, na Secretaria Municipal de Educação, onde foram surpreendidos com o fato de o prédio estar fechado, mesmo sem aviso prévio.