Diante da possibilidade de criação da Universidade Federal do Vale do Itapemirim (UFVI), no sul do Estado, o movimento estudantil, a Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes) e o Conselho Universitário se posicionaram contra a iniciativa, proposta pelo deputado federal Evair de Melo (PP), por meio do PL 2.048/2021. O parlamentar defende que a nova instituição de ensino seja criada a partir da fragmentação do Centros de Ciências Agrárias e Engenharias (CCAE) e do Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde (CCENS), localizados, respectivamente, em Alegre e Jerônimo Monteiro.
A possiblidade de fragmentação da Ufes ganhou mais repercussão quando, no início de outubro, o ex-senador Magno Malta (PL) postou em suas redes sociais um vídeo no qual conversa com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a criação de uma nova universidade no Espírito Santo, mas não especifica onde. No vídeo, o presidente afirma que existem 72 universidades no Brasil e 49 “puxadinhos”, termo que utiliza para se referir pejorativamente aos campi. De acordo com Bolsonaro, seis “puxadinhos” irão virar universidade, “quase sem nenhum custo”.
A Adufes, por meio de nota, classifica a iniciativa como arbitrária. “Trata-se de uma proposta autoritária, que fere a autonomia universitária, uma vez que impõe um projeto que não resulta do interesse da comunidade acadêmica, principalmente em relação a docentes, técnicos administrativos e estudantes do CCAE e do CCENS da Ufes em Alegre”, critica.
Para o entidade, a proposta não se trata, de fato, da criação de uma nova instituição de ensino, mas sim da “amputação da universidade já existente, em nome de deslumbres eleitoreiros para enganar o povo nas eleições de 2022”. A Adufes afirma ainda que o projeto de lei “emerge como um rolo compressor sobre o exercício da democracia e da autonomia universitária”, destacando que a criação de uma nova universidade “não pode gerar insegurança, desequilíbrio orçamentário e irresponsabilidade para com a vida de uma comunidade acadêmica de quase quatro mil pessoas do campus sul da Ufes”.
Nessa sexta-feira (15), o Conselho Universitário divulgou seu posicionamento sobre o assunto, dando seu parecer contrário à forma como a discussão sobre o tema tem sido feita, uma vez que a proposta não foi apresentada e dialogada com a universidade. “Cabe esclarecer à sociedade que essa proposta de criação de uma ‘nova’ universidade, ‘com muito pouco custo’, como tem sido divulgado, a partir do fracionamento da Ufes, sem a previsão dos devidos investimentos em termos de pessoal e infraestrutura, pode trazer impactos negativos tanto para a Ufes quanto para a universidade que se pretende criar”, alerta.
O Conselho Universitário acredita que a ação não somente impacta o futuro da Ufes, mas também pode resultar na criação de uma universidade sem condições de sustentabilidade. “Há que se entender que a criação de uma nova universidade no nosso Estado não pode se dar pela mera separação de dois Centros da Ufes para formar uma outra instituição federal de ensino superior, sem um projeto claro, associado a uma estratégia de desenvolvimento regional, que preveja a criação de novos cursos, a expansão de vagas e um aporte significativo de investimentos, tanto em termos de infraestrutura quanto de pessoal”, defende a nota.
De acordo com o Conselho, sem esses requisitos, o projeto de Evair de Melo “configura-se pura e simplesmente a divisão ou o desmantelamento da única universidade federal existente no nosso Estado”, não contribuindo “para a expansão do sistema de educação superior no Espírito Santo e no Brasil, como seria desejável, de forma a atender mais estudantes, ampliar a formação profissional e a produção de pesquisa e extensão no nosso Estado”.
Na nota também são resgatados exemplos de criação de novas universidades a partir da separação de campus fora da sede e que o Conselho afirma não terem sido “abonadoras”. Essas novas instituições de ensino são Universidade Federal de Jataí (UFJ), Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (Ufape), Universidade Federal de Rondonópolis (UFR), Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar) e Universidade Federal de Catalão (UFCat).
Todas elas foram criadas em 2019 e, como aponta o Conselho Universitário, em sua maior parte permanecem dependentes das universidades que as originaram, com dificuldades para o estabelecimento de estrutura administrativa própria e constituição de quadro adequado de docentes e técnicos.
O Movimento Estudantil demonstrou contrariedade à criação da UFVI e da Universidade Federal de São Mateus (UFSM). Esta última é uma proposta do deputado federal Neucimar Fraga (PSD), por meio do Projeto de Lei 1964/2021, que cria a nova instituição de ensino a partir da fragmentação do Centro Universitário Norte do Espírito Santo (Ceunes), no norte capixaba.
Na nota “Pela Ufes fortalecida e não dividia: contra o fatiamento em 3 partes!”, assinada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) e mais 25 diretórios e centros acadêmicos, o Movimento Estudantil afirma que a proposta é “autoritária”, além de se tratar de “uma afronta aos estudantes, servidores docentes e técnicos-administrativos”, salientado também que “não beneficiará a sociedade capixaba”.
Para o movimento estudantil, os projetos de lei criarão “Universidades Fake”, já que “não há por parte do Governo de Bolsonaro e Mourão e de seu Ministério da Educação o interesse em construir um projeto de expansão que seja viável. Querem apenas separar e dizer que teremos duas novas instituições, com objetivo puramente eleitoreiro e que visa enganar o povo capixaba”.
Os estudantes também fazem críticas à falta de inclusão da comunidade acadêmica na discussão sobre a criação das novas instituições de ensino. “Continuaremos as nossas articulações junto às comunidades, lideranças, prefeituras e entidades, para reafirmar que a comunidade da Ufes não aceitará essa intervenção federal, conduzida por deputados federais do Espírito Santo que destinam poucos ou nenhum recurso financeiro à existência da nossa Universidade”, afirmam.
O Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Sintufes) ainda não se posicionou publicamente sobre o assunto, mas sua diretoria se reunirá na tarde desta segunda-feira para discutir o tema e se posicionar por meio de nota.
Projetos
Na justificativa de seu projeto, Evair de Melo defende que “a proposta possibilitará consolidar a interiorização da rede de educação superior federal no sul do Espírito Santo, ampliando a democratização do acesso à educação superior pública no Brasil e permitindo canalizar a vocação das unidades da Ufes de Alegre e de Jerônimo Monteiro para o desenvolvimento específico do sul capixaba”.
Ainda de acordo com a proposta, “os benefícios não terão repercussão unicamente local, pois a autonomização do campus de Alegre e do Departamento de Ciências Florestais e da Madeira de Jerônimo Monteiro da Ufes será elemento potencializador das políticas de desenvolvimento regional promovidas pelo governo federal, com repercussões positivas para o nordeste de Minas Gerais e para o norte do Rio de Janeiro, que fazem fronteira com o sul do Espírito Santo”.
Já Neucimar Fraga afirma que “os resultados e experiências obtidas neste polo universitário [Ceunes] sugerem a adoção de um passo ousado, que é a criação da Universidade Federal de São Mateus, por desmembramento da Universidade Federal do Espírito Santo, já que tal medida não traria impactos financeiros significativos, já que há orçamento direcionado ao campus, a mão de obra atual já vinculada a folha do governo, e a estrutura devidamente instalada, não carecendo, neste momento, realização de obras para concretização do feito”.
Diz ainda que a criação da universidade tem “objetivos e finalidades voltados para o desenvolvimento daquela localidade, medida que conta com grande legitimidade entre a população e a comunidade acadêmica, conforme evidenciado pelo apoio popular da medida, e também pela necessidade de interiorizar e ampliar o ensino superior no Brasil”.