Ececti Margareth Cruz Pereira não funciona desde janeiro. Prefeitura diz que estradas ruins são o motivo
Qual a melhor solução para resolver o problema da falta de acesso a uma escola devido à péssima condição das estradas? Para a Prefeitura de Cariacica, sob gestão do prefeito Euclério Sampaio (União), a decisão foi fechar a escola imediatamente e começar a procurar um terreno para construir outra em local mais acessível.
Enquanto isso, alguns alunos seguem alojados provisoriamente numa antiga escola de educação infantil, estudando presencialmente semana sim, semana não, já que o pequeno prédio não suporta todo o público da escola fechada. Outros estão apenas recebendo material remoto em casa.
O arranjado esdrúxulo acomete, desde janeiro, a Escola do Campo e Estação de Ciências em Tempo Integral (Ececti) Margareth Cruz Pereira, que atende, com o ensino fundamental I e II em tempo integral, às comunidades rurais de localidades como Taquaruçu, Trincheira e Encantado, acima do conhecido bairro de Roda d’Água, local do tradicional Carnaval de Congo, logo após a Semana Santa.
“A nossa escola do campo está abandonada desde janeiro. Mandaram os funcionários e os professores embora, só ficou o vigia noturno”, relata o agricultor Oladir Luiz Lorenzon, pai de dois estudantes. “É uma escola muito boa. Fazia pesquisa científica e tudo”.
Ele conta que o filho mais velho caminha dois quilômetros ida e volta, até a casa de uma professora, onde pega carona para chegar até a escola de Boa Vista. O menor, de oito anos, recebe apostilas para estudar em casa, mas sem acompanhando dos educadores, está com o estudo atrasado e ainda não foi alfabetizado. “A maioria dos meninos de sete a nove anos está sem ler nem escrever e sem ir para a escola. Tem mães desistindo da nossa escola do campo e levando os filhos para Viana”, relata Oladir. A distância até o ponto do ônibus escolar com destino a São Paulo de Biririca, em Viana, conta, é menor que a do ponto que busca os estudantes para a escola de Boa Vista, em Cariacica.
O agricultor conta que, no final do ano passado, um secretário da prefeitura identificado como Nilson esteve na comunidade e garantiu que a Ececti Margareth Cruz Pereira não iria fechar em 2023, até que uma nova escola fosse construída. O que gerou as discussões foi o agravamento da situação das estradas que servem às comunidades. Historicamente ruins, elas ficaram praticamente intransitáveis com as fortes chuvas do final do ano, tendo sido aberta até uma cratera em outubro, que destruiu metade da pista que dá acesso a Roda D’Água.
“Em um trecho acima do ponto final, eles estão colocando PVS, só que não está funcionando, está muito ruim. Tinha um outro recurso, que seria entrar em Boa Vista e dar a volta, mas a prefeitura não aceitou”, comenta Oladir.
O abandono da Ececti se soma a uma série de outros fechamentos arbitrários, decididos tanto em Cariacica quanto em Viana, sob gestão de Wanderson Bueno (Podemos), a despeito das súplicas das comunidades.
“Na pandemia fecharam a escola de Viana mais perto da gente e mandaram para São Paulo de Biririca. Sertão Velho, perto dali, fechou também, mandaram os alunos para a nossa de Ciências, diziam que seria só até reformar, mas até hoje não voltou. E com a nossa fechada, imagina. Também fecharam a escola em Roda d’ Água que era para as crianças pequenas, isso antes da pandemia, com o outro prefeito [Juninho (Cidadania)]. Só sabem fechar escola”, lamenta, acrescentando que o filho caçula, de cinco anos, nunca estudou, porque faltam escolas de educação infantil que atendam sua comunidade.
“A gente reconhece que o prefeito [Euclério Sampaio] está trabalhando muito em outras áreas, mas na educação aqui na roça, está deixando muito a desejar”, posiciona o agricultor. O secretário interino de Educação, Rogerio Santos Guimarães, prometeu se reunir com os moradores que estão nas áreas de mais difícil acesso para encontrar uma solução para a educação das crianças e adolescentes. “Precisa consertar a estrada e reabrir a escola”, pontua.
Mãe de duas ex-alunas da Ececti e atual presidente da Associação de Moradores de Taquaruçu, Trincheira e Encantado (Amotte), Marcia Maria Souza conta que o posicionamento do agricultor Oladir é compartilhado por todos nas comunidades da região. “Ninguém daqui de cima está aceitando essa situação de fechar a escola”, afirma. “Uma escola boa, do campo, de tempo integral, com estação de ciências…Daí falam que vão comprar um terreno mais embaixo e fazer outra escola. Mas ninguém quer que feche essa, não”.
Sobre as estradas, também é consenso o sentimento de indignação. “Não temos alternativa, essa é a estrada principal, mas não sobe nem Kombi escolar, nem ônibus de linha. As pessoas têm que caminhar três a quatro quilômetros até chegar num local que dá para pegar ônibus. Pessoal desce às 3h30 da manhã para pegar o primeiro Transcol. O prefeito diz que ‘quem ama Cariacica, cuida’, mas ele só está cuidando da parte de baixo e não estão nem aí para os moradores daqui de Taquaruçu, Trincheira e Encantado. Aqui eles fazem o que querem, quando querem”.
“Ninguém quer que feche a escola do campo aqui em cima. Queremos que consertem a estrada de Trincheira, que consertem a cratera que abriu no Caminhos do Campo, para o ônibus Transcol e a Kombi escolar subir. Isso é que vai resolver os nossos problemas aqui em cima. Em fevereiro foi dito que a estrada estaria pronto em maio. Já estamos em abril e nada foi feito ainda”.
O geógrafo e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Paulo Cesar Scarim afirma que o drama vivido pelas comunidades das áreas montanhosas de Cariacica se repete em outras comunidades rurais da Grande Vitória e do interior do Estado que abastecem com alimentos as mesas das áreas urbanas.
“Destaco principalmente a produção das pequenas propriedades familiares, camponesas, quilombolas e indígenas. Boa parte desta produção vem diariamente para as cidades para abastecer a Ceasa, as feiras e os mercados grandes e pequenos, principalmente com alimentos in natura. Acontece que as prefeituras e os governos estadual e federal vêm abandonando as estradas, tão necessárias para o escoamento”, descreve, com base nas pesquisas que realiza na região.
“Essa situação não atinge tão intensamente os plantios e criações de longo ciclo, como o eucalipto, café e gado. Mas é crítico para as verduras e pequenas criações. Como a população rural vêm diminuindo no Espírito Santo e os mandantes se preocupam muitos com o número de eleitores, estas áreas deixam de ser estratégicas eleitoralmente. O urbano dá mais visibilidade”. O resultado, afirma, é caótico. “A população que vive ali, e muitos trabalham no urbano, as crianças que precisam ir para as escolas, as famílias produtoras, que precisam escoar produção diariamente, estão em desespero. Pessoas não estão conseguindo ir para o trabalho, escola, feira e tratamento médico”.
Demandada pela reportagem, a Prefeitura de Cariacica respondeu, em nota, que “a Secretaria de Educação fará uma reunião com a comunidade nesta segunda-feira [10] para avaliar uma solução junto com a comunidade em relação à garantia do dia letivo dos alunos” e “com relação a estrada, a Secretaria Municipal de Agricultura e Pesca esclarece que o trecho faz parte do Programa Caminhos do Campo, do Governo do Estado”.
Marcia conta que as comunidades organizam mais um ato público de repúdio à situação da estrada, como forma de pressionar o governo do Estado a cumprir a promessa de conserto.