Conselho de Ensino Religioso do Estado encaminhou ofício à Secretaria Municipal de Educação
O Conselho de Ensino Religioso do Espírito Santo (Coneres) se manifestou contra a autorização para que a organização Gideões Internacionais possa entregar bíblias em escolas de Cariacica. A posição consta em ofício dessa terça-feira (12), encaminhado à Secretaria de Educação (Seme) do município da Grande Vitória.
O documento, endereçado à secretária de Educação, Luzian Belisario dos Santos, reforça que “o espaço escolar é público e, portanto, deve resguardar o direito de todos e todas, bem como de todos os credos e religiões, visto que nossa Constituição Federal sinaliza o Estado Democrático e laico”.
Ainda de acordo com o texto, “ao continuar com tal resolução, a Secretaria abre precedentes, e deveria permitir a entrada de outras entidades com seus livros doutrinários no âmbito escolar, para garantir equidade a todos os cidadãos, e mesmo assim, ainda não o seria; visto que diversas religiosidades são de tradição oral, o que pela equidade, deveria ser aberto os portões da escola para os alunos receberem seus ensinamentos por essa modalidade”.
O ofício também aponta que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) preconiza a disciplina de Ensino Religioso nas escolas, mas centrada na perspectiva inter-religiosa, com respeito aos diferentes credos e religiões.
Em contato com Século Diário, a presidente do Coneres, Irmã Rita Cola, afirmou que o conselho recebeu diversas reclamações de profissionais da educação de Cariacica a respeito da medida adotada pela Secretaria Municipal de Educação, e que a entidade tentou dialogar com a gestão, mas sem sucesso até o momento.
“Existem livros didáticos de Ensino Religioso com a perspectiva inter-religiosa. Por que não distribuir o livro conforme a BNCC? O Estado é laico, por isso é preciso haver Ensino Inter-religioso, que atenda aos diferentes credos, pois a sociedade é plural. Como fica a cabeça de um adolescente diante de uma sociedade plural, mas com uma educação que privilegia determinado credo?”, questiona Irmã Rita.
Orientação
Segundo profissionais de educação que atuam em Cariacica, mas que preferem não se identificar por medo de represálias, a orientação para autorizar a entrada dos Gideões foi dada pela secretária municipal de Educação durante três reuniões online realizadas na última sexta-feira (8) com grupos de gestores de Centro Municipais de Educação Infantil (CMEIs).
Na ocasião, também foi liberada a venda de brinquedos pedagógicos no ambiente interno das escolas, como réguas, esquadros e objetos com espelhos usados para desenhar. O informe da Seme foi dado em encontros de meia hora, nos quais os educadores não puderam apresentar contestações.
“Do lado de fora, podem até fazer um culto. Mas dentro da escola, tem famílias de todas as religiões. A escola pública é laica, não pode ficar abordando nenhum tipo de religião. Entrar na escola distribuindo bíblias dá até o direito de outras religiões, como as de matriz africana, de fazer a mesma divulgação dentro da unidade de ensino”, comenta uma profissional de educação que atua em Cariacica.
“Como autorizar a venda de material dentro da escola, sendo que Constituição proíbe isso? Na escola onde eu trabalho tem crianças carentes, que não possuem condições de comprar essas coisas”, questiona outro profissional de Cariacica.
Cariacica e a religião
A gestão do atual prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio (MDB), tem sido marcada por um forte apelo a grupos cristãos protestantes. Segundo pessoas que acompanham o a dia a dia da administração municipal, pastores marcam presença constante em eventos públicos.
Em outubro do ano passado, foi inaugurado na entrada de Cariacica, na descida da Segunda Ponte, o Monumento à Bíblia Sagrada, com 3 metros de altura, 5 de largura e pesando 1,5 tonelada. A obra foi orçada em R$ 165 mil, sendo de autoria do artista Hipólito Alves da Silva.
Apesar disso, essa afinidade com o cristianismo não havia alcançado, até o momento, a área educacional do município, segundo profissionais locais.
Século Diário tentou contato com a Prefeitura de Cariacica, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.