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Constituição Federal e leis complementares jogadas no lixo pelo governo do Estado

Foto: Léo Júnior/Assessoria
 
Fechar escolas e o ensino médio noturno é crime que afronta a Constituição Federal. Também é crime previsto nas leis complementares, jogadas na lata de lixo pelo governo do Espírito Santo. Crime do governador Paulo Hartung e do seu secretario de Educação, Haroldo Correa Rocha.
 
Ao fechar escolas e o ensino médio noturno em 42 localidades do Estado, de norte a sul, de lesta a oeste, o governo capixaba afasta a possibilidade de estudar em comunidades próximas de suas residências  para milhares de alunos, o que é assegurado por lei. O governador e seu secretario da Educação ferem ainda a cultura das comunidades do campo, particularmente das famílias dos pequenos agricultores.
 
No campo, a formação do jovem passa pelo trabalho que realiza junto com os seus pais na lavoura. Ele se capacita a dar continuidade ao trabalho familiar, o que facilita sua permanência no campo, escapando do êxodo rural, além de gerar renda para si e para a família. É assim desde tempos imemoriais.
 
Determinados a emplacar o projeto vitrine do governo chamado Escola Viva, o governador e seu secretario da educação se lixam para a cultura das comunidades, e tomam suas escolas. 
 
O processo vem de longe. Desde 2015, primeiro ano do terceiro mandato de Paulo Hartung. Só a união de todos os prejudicados, com toda a sociedade que se opõe ao arbítrio do fechamento de escolas, poderá conter o processo. Medida, quem sabe, para ser aplicada no próximo governo.
 
Vozes que não calam
 
Então, lavradores, professores e alunos veem o crime de fechar escolas. E denunciam a  cegueira do governador Paulo Hartung e do seu secretário de Educação, Haroldo Correa Rocha. São pessoas do mais alto saber, investidas às vezes na condição de lavradores, outras de professores. Também são alunos. São vozes que não se calam.

 

Um exemplo é a senhora da foto, Hilde Helene Christiansen Jordão, mãe de filhas especiais, que ficaram sem escola, residentes no córrego Francisco Corrêa, na comunidade de Mata Fria, Afonso Cláudio. Foi professora e se fez lavradora, como hoje se identifica.
 
Esteve na audiência pública realizada na Assembleia Legislativa pelo deputado Sergio Majeski (PSDB) nessa quarta-feira (21). Foi a penúltima pessoa da comunidade a se manifestar. 
 
 
E leu um libelo.
 
“Foram anos de luta para tentarmos sensibilizar o governo de que nossa comunidade precisava de uma escola. Só em 2014, com a ajuda do Ministério Público, nossa escola finalmente foi organizada e trouxe uma grande alegria aos nossos jovens e adolescentes. Alegria que para os nossos pobres adolescentes e jovens trabalhadores rurais durou apenas dois anos.
 
A atual administração executiva de nosso Estado, através da Sedu, decidiu que a partir de 2016 não haveria mais pobres na zona rural e por isso fechou nossa escola afirmando que nossos adolescentes deveriam se deslocar para outras escolas distantes do município e preferencialmente para a Escola Viva, na sede do município. Chegaram a ameaçar nossos filhos de que nós, pais,  seríamos presos se não fizéssemos as matrículas. O dilema que se formou foi: o que é mais importante: comer ou estudar? Quase a totalidade da comunidade teve de escolher a primeira opção. Sonhos foram destruídos. E o pior: nossa comunidade continua pobre e agora sem perspectiva de podermos evoluir intelectualmente.
 
O Ministério Público, entendendo a decisão absurda da Sedu, apoiou nossa comunidade e entrou com um processo contra o Estado para que nossa escola volte a funcionar. O juiz sensibilizado também com a situação, determinou por meio de uma liminar do dia primeiro de abril de 2016 que a escola fosse reaberta imediatamente e deu um prazo de 20 dias para isso. O juiz entendeu que as alegações do Estado para o fechamento eram completamente infundadas.
 
O Estado não cumpriu a liminar judicial, alegando que abriu as matrículas e não houve interesse da comunidade. Só 25 alunos conseguiram ser avisados e efetivaram suas matrículas. O Estado continua afirmando que não temos alunos suficientes, mas não explica onde ficaram os 53 alunos que concluíram seus estudos no ano de 2015 e que fizeram suas rematrículas para 2016. O Estado não abriu as vagas para o primeiro ano. A previsão é que teríamos cerca de quase 80 alunos em 2016. O Estado também não explica onde estão os 85 alunos que concluíram o ensino fundamental de 2014 a 2017, quase todos com menos de 18 anos e que deveriam por lei estar na escola. Também não explica onde estudarão em 2019 os 43 alunos que estão atualmente estudando no 9º  ano do ensino fundamental.
 
O Estado afirmou, também, que não houve interesse por parte dos professores em dar aulas na Mata Fria. Isto é totalmente falso. Temos um grande número de professores interessados.
 
Nossos jovens e adolescentes querem apenas, após um longo dia de trabalho na roça, ter o direito constitucional de estudarem e poderem fazer isto à noite, como previsto e garantido no artigo 208 da Constituição e nos artigos 53 e 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
 
Agora nossos jovens e adolescentes já estão dois anos sem estudar, esperando que as leis que regem a todos os brasileiros sejam cumpridas pelo Estado. Este deliberadamente abandonou intelectualmente nossa comunidade, assim como muitas outras em nosso Estado. Pergunto aos presentes: até quando vai durar esta injustiça?
 
O Estado nos abandonou!”.
 
No caso das comunidades de Afonso Claudio, a Justiça local falhou ao não decidir pela reabertura do ensino médio nas comunidades de Piracema, Vila Pontões e Fazenda Guandu, igualmente prejudicadas pelo governo do Estado. O juiz Luciano Fiorot não atendeu ao pedido do promotor Valtair Lemos Loureiro, do Ministério Público (MPES) local, para determinar a reabertura do ensino médio. Uma hipótese é que o juiz tenha sido induzido ao erro pela fraude denunciada na audiência, que teria sido comedida pela superintendente de Educação em Afonso Claudio, Lucirlene Ornela da Silva Velten.
 
Lucirlene  Velten foi acusada de ter cometido falsidade ideológica ao fraudar um dos documentos apresentados à Justiça, em que afirma que a comunidade concordou com a transferência de alunos do interior para a Escola Viva na sede municipal, justificativa do governo para fechar o ensino médio nas comunidades rurais. A punição da servidora foi pedida publicamente nesta audiência.
 
Mas se na esfera jurídica a comunidade de Afonso Cláudio ainda espera uma revisão da posição do juiz no processo aberto em relação às comunidades de Piracema, Vila Pontões e Fazenda Guandu, certo é que houve uma vitória politica destas comunidades. 
 
Vitória conquistada na marra, quando os moradores destas comunidades, além  da Mata Fria, vieram a Vitória, se manifestaram  para a sociedade parando o trânsito e pedindo apoio, o que forçou a Sedu a anunciar que reabriria a ensino nas comunidades de Piracema, Vila Pontões e Fazenda Guandu. Esta determinação ainda não foi cumprida pela superintendente de Educação em Afonso Cláudio.
 
O adolescente e as leis 
 
Quais são as leis que amparam os estudantes  e são ignoradas pelo governador Paulo Hartung e pelo secretario Haroldo Rocha quando fecharam 42 escolas no Espírito Santo?
 
No dia dois de  dezembro de 2015, Hilde Helene Christiansen Jordão se dirigiu à Promotoria do MPES em Afonso Cláudio, relatando ao promotor o crime do fechamento do ensino médio noturno na escola de Mata Fria.
 
Ela conta a história, e aponta a crueldade do governo em relação aos estudantes. A denúncia teve êxito: foi acolhida pela Promotoria. E não era para menos, pela citação das leis que amparam os adolescentes, e não podiam ser ignoradas. 
 
Diz o documento: “…Entendo que nossos adolescentes têm, pela lei, direito à educação no ensino médio.
 
“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
 
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
 
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.”
(Estatuto da Criança e do adolescente)”.
 
E passa a citar a Constituição Federal. “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
 
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
II – progressiva universalização do ensino médio gratuito; 
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
 
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (Constituição Brasileira)
 
Entendo também, que está aqui acontecendo uma clara situação de abandono intelectual, negligência, discriminação de nossos adolescentes por parte do Estado, o que é crime perante a lei.
 
“Art. 5º  Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 54. II -§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.
 
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados:
I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
 
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:
I – do ensino obrigatório” (Estatuto da Criança e do Adolescente)
 
“Art. 208. II – § 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.” (Constituição Brasileira)”.
 
Ainda há mais amparo legal para os adolescentes nas leis? Hilde Jordão segue seu raciocínio: “Entendo que nossos adolescentes, pela lei, têm os mesmos direitos de outros alunos residentes em outros distritos e os residentes na sede do município, de terem uma escola próxima à sua casa ou pelo menos, no mesmo distrito em que residem.
 
“Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.” (Estatuto da Criança e do Adolescente).
 
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;” (Constituição Brasileira)”. …”.
 
Depois de explicar para a autoridade o que é e como funcionam as coisas no interior, a lavradora conclui a citação e interpretação das leis:  “… Nosso distrito é formado por pequenas propriedades rurais, cujos proprietários sobrevivem da agricultura familiar. Os adolescentes não podem se dar ao luxo de não trabalharem para estarem estudando: quem vai sustenta-los? Eles precisam do dinheiro para seu próprio sustento e de suas famílias. Estudar no período noturno é um direito assegurado a eles pela lei.”
 
Cita mais uma vez o artigo 53 do estatuto, incluindo o inciso “VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;…”, além do artigo  208 da Constituição Federal, entre outros.
 
Art. 227. § 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
III – garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola” (Constituição Brasileira) 
 
O DECRETO Nº 7.352, DE 4 DE NOVEMBRO DE 2010 também garante estes direitos para a população do campo:
“ Art. 1º A política de educação do campo destina-se à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação e o disposto neste Decreto.
 
Art. 3º Caberá à União criar e implementar mecanismos que garantam a manutenção e o desenvolvimento da educação do campo nas políticas públicas educacionais, com o objetivo de superar as defasagens históricas de acesso à educação escolar pelas populações do campo, visando em especial: 
I – reduzir os indicadores de analfabetismo com a oferta de políticas de educação de jovens e adultos, nas localidades onde vivem e trabalham, respeitando suas especificidades quanto aos horários e calendário escolar;” 
 
Concluindo só me resta citar o Art. 259. Parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente:
 “Compete aos estados e municípios promoverem a adaptação de seus órgãos e programas às diretrizes e princípios estabelecidos nesta lei.”

O que nossos adolescentes e jovens e a comunidade de Mata Fria esperam é que se cumpra a lei e que nossa escola volte a funcionar normalmente à noite.

Atenciosamente,

 

Hilde Helene Christiansen Jordão, Córrego Francisco Corrêa, Mata Fria”. Mata Fria.

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