No contexto dos ataques às universidades federais, uma nova reação surgiu do Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF-ES) em defesa do ensino público. O órgão ministerial ajuizou uma ação civil pública, com pedido de urgência, para que a Justiça suspenda os efeitos dos artigos 1º e 3º do Decreto nº 9.725/2019, editado em 12 de março de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), que extinguiu, desde o dia 31 de julho, cargos em comissão e funções de confiança em instituições federais de ensino superior em todo o País, com exoneração e dispensa dos respectivos servidores. Essa foi uma entre várias ações do atual governo na área, o que inclui corte de verbas para custeio e de bolsas de pesquisa.
No Estado, o decreto promoveu o corte de 176 funções gratificadas na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) – 112 delas estavam ocupadas – e de outras 100 funções (todas ocupadas) no Instituto Federal no Espírito Santo (Ifes). Liminarmente, o MPF pede que a Justiça suspenda os efeitos dos artigos; determine que a União não considere exonerados e dispensados os ocupantes dos cargos em comissão e funções de confiança da Ufes e do Ifes atingidos pelo decreto; e ainda que tais cargos não sejam considerados extintos. O MPF também pede que os valores não pagos aos servidores na folha de pagamento do mês de agosto sejam restituídos e que, em caso de descumprimento das medidas determinadas, seja aplicada multa diária em valor não inferior a R$ 10 mil.
De acordo com ação, assinada pela procuradora regional dos Direitos do Cidadão no Estado, Elisandra de Oliveira Olímpio, “o Decreto 9.725 viola artigo da Constituição Federal segundo o qual o presidente da República poderá determinar extinção de funções e cargos públicos apenas em relação a cargos vagos. Quando ocupado por servidores, como é o caso dos cargos das instituições no Espírito Santo, a extinção só é permitida por meio de lei”.
Além disso, o decreto afeta diretamente a gestão das universidades e institutos federais, a quem a Constituição atribui garantia de autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial. No Brasil, desde a redemocratização do país, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o princípio da autonomia universitária ficou consagrado no artigo 207: “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
No entendimento do MPF, a extinção das funções sem qualquer planejamento ou ponderações causará graves prejuízos para o bom atendimento das demandas internas e externas, podendo impactar negativamente no serviço prestado à comunidade atendida, o que inclui empresas assistidas nos projetos de extensão. Segundo consta, serão dezenas de setores que não mais contarão com servidores responsáveis, por exemplo, pela coordenação de pesquisa, chefes de setor de produção, entre outros.
Impacto nacional na educação
O decreto do presidente Jair Bolsonaro extinguiu cerca de 21 mil cargos em comissão, funções gratificadas e funções de confiança no âmbito do executivo federal. Com as decisão, as universidades federais foram as mais atingidas, uma vez que o decreto exclui gratificações para exercício de funções de gestão, como direção e coordenação de curso e departamento.
À época da edição do decreto, em março deste ano, Antonio Gonçalves, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, considerou que, sem dúvida, o ato constituiu-se como mais um ataque à universidade e de desmonte do Estado. “O que está por trás disso é um ataque aos serviços e aos servidores públicos e, em especial à universidade. Está claro que o foco prioritário deste governo é desmontar as universidades públicas”, afirmou na ocasião.
Gonçalves lembrou que, com o processo de expansão precarizada das universidades federais, muitos campi não possuem estrutura administrativa adequada. “Quem faz esse papel de gestão de pessoal e gestão do curso é o coordenador do curso. Esse decreto extingue, por exemplo, mais de mil gratificações para coordenação de curso. Ou seja, o estímulo que o professor – que já tem uma carreira desestruturada e uma remuneração rebaixada – teria para assumir uma tarefa de gestão dentro da universidade está sendo retirado”.
Paralisação e greve
Como resultado da política de cortes e desmonte do ensino superior público, professores da Ufes já decidiram que irão paralisar suas atividades nos próximos dias 2 e 3 de outubro e uma greve por tempo indeterminado não está descartada. Durante a plenária, realizada na sede da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes) na semana passada, os professores decidiram ainda pela realização de uma grande mobilização envolvendo os três segmentos da Ufes para debater o desmonte que as universidades têm sofrido. A data da assembleia geral unificada será definida e visa debater os cortes de verbas e o “Future-se”, projeto do governo Bolsonaro que objetiva a privatização das instituições federais de ensino.
No mês passado foi anunciada a suspensão de bolsas de iniciação científica para alunos da graduação, o que pode inviabilizar os núcleos especializados que prestam serviços à comunidade. Somente no que se refere aos estudantes de graduação, informações repassadas à Adufes revelam que foram suspensas mais de 200 bolsas de Iniciação Científica e mais de 500 bolsas dos Projetos de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (Paepe), custeados com recursos próprios da Ufes de assistência estudantil, que vigorariam até 2020. Um dos critérios para obtenção da bolsa era o perfil socioeconômicos dos estudantes, o que tornará incerta a continuidade de muitos deles na instituição. O valor da bolsa Paepe, por exemplo, é de 400,00.
A universidade também tem mantido um plano de redução de custos e, apesar disso, projeta um déficit mensal de R$ 2,8 milhões com os cortes que vem sofrendo no envio de recursos para sua manutenção.