Estudo em Santa Maria de Jetibá afirma inviabilidade do TAG que Tribunal de Contas quer formalizar dia 15 de junho
A Prefeitura de Santa Maria de Jetibá, na região serrana do Estado, não dá voltas para afirmar sua posição em relação ao Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) da Educação que vem sendo imposto pelo Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES) em nítido alinhamento com a Secretaria de Estado da Educação (Sedu). “Não é questão de querer ou não querer, mas de ser inviável”, afirma o secretário de Educação, Geraldo Thomas.
O município é referência em educação do campo, com o maior número de unidades escolares mantidas pela prefeitura, tendo realizado um movimento contrário ao que ocorreu nas demais cidades capixabas em ondas sucessivas a partir dos anos 1980: ao invés de fechar, abriu mais e mais escolas do campo, sempre atendendo às demandas das comunidades rurais. Não são isolados os casos em que as próprias famílias participam da construção e manutenção das escolas e toda ameaça ao ensino é recebida com pronta e intensa mobilização popular.
Nesse contexto, a tentativa da Corte de Contas de impor o TAG também provocou forte reação das comunidades escolares, reverberando no legislativo e, finalmente, no executivo. Uma série de audiências públicas deixou inconteste o repúdio de estudantes, famílias e educadores com o acordo liderado pelo conselheiro Rodrigo Coelho, que chegou ao TCE-ES por indicação do ex-governador Paulo Hartung, um dos mais truculentos na ação de fechamento de escolas do campo.
Entre os vereadores, o movimento foi de exigir transparência da prefeitura, que chegou a afirmar que havia assinado o Termo, levada na pressão generalizada que a Corte, com apoio subliminar da Sedu, promoveu sobre os 78 municípios. Mas, logo depois, retomou o prumo que caracteriza historicamente a gestão municipal da Educação de Santa Maria.
A pasta elaborou um estudo próprio sobre o impacto do TAG, com dados de 2023, e concluiu que “existe a impossibilidade de efetivação do TAG de imediato, devido à falta de estrutura nos locais afetados, solicitando assim uma implantação de forma gradual, no decorrer de aproximadamente seis anos”, conforme afirma o documento, apresentado durante a última reunião realizada com o secretário Vitor de Angelo, na última segunda-feira (5).
“Tivermos uma reunião na Sedu, em seguida com o conselheiro no Tribunal de Contas e, agora, com o secretário Vitor. No primeiro momento, o Estado nos apresentou dados. Agora nós é que apresentamos dados para o Estado, mostrando a inviabilidade”, relata Geraldo Thomas.
“Se nós seguirmos a íntegra do texto, o município não tem condições. Não é uma questão de falta de vontade, é simplesmente impossível de atender, por conta de espaço. Nós não temos espaço físico para atender a demanda. Esse atendimento dependeria de um esforço muito grande do Estado para construir cinco escolas municipais ou estaduais”, reafirma.
A intenção é apresentar o mesmo estudo em uma nova reunião com Rodrigo Coelho, para “ter um direcionamento mínimo no dia da possível assinatura”. Se não, “é assinar um documento muito vago, um ‘cheque em branco”, assevera o secretário. “Nós dependemos muito de um planejamento, essa execução dependeria de tempo, pelo menos seis anos. Se não, assinaríamos algo que de antemão já sabemos que é impossível de se executar”.
Ajustes necessários
Da parte da Sedu, também há uma expectativa de mudança de postura. “O Estado vai reavaliar o cenário e deve nos apresentar uma proposta em breve. Depois dessa reunião com Rodrigo, pudemos ver até que ponto Sedu e Tribunal estão alinhados em relação ao TAG. E nós estamos nesse meio. A grande preocupação é que absorver esse público no ano que vem seria simplesmente impossível. Depende muito que as partes se unam e cheguem a um consenso. Mas sabemos de antemão que para 2024 é inviável”.
Há aspectos positivos da proposta, reconhece Geraldo Thomas, mas da forma como está posta, peca mais do que acerta. “Nossa preocupação é com o munícipe, a criança, o deslocamento de crianças, porque isso tem um impacto muito grande nas famílias. De forma nenhuma podemos tirar as crianças do campo”, afirma.
“Uma situação que eu pontuei no ano passado é que a economia do município de Santa Maria passa pela agricultura. Se eu desvincular essa criança do campo, vou condenar o município, porque vou retirar receita do município, e também reduzir a produção de alimentos para todo o Estado. Quando eu retiro a criança do campo, desvinculo ela dessa realidade, em poucos anos, dez, treze anos, ele não retorna mais para o campo. Nós estamos olhando para o futuro”, explica.
“Quando fizemos a proposta de construção de escolas ao invés de pensar em fechar, é porque a população de Santa Maria é crescente. As comunidades onde as escolas estão presentes também são crescentes. Construir escolas é se antecipar a uma demanda dos próximos dez anos”, pondera.
A nucleação é, de fato, um grande fantasma. “Quando se fala em nuclear, o texto do TAG diz que não pode nuclear escolas do campo com as da zona urbana, mas nós voltamos a insistir no seguinte: a nucleação, mesmo entre escolas próximas, também afastaria a criança da escola. Há um aspecto positivo na nucleação entre escolas rurais, que é construir uma estrutura melhor, colocar um diretor de escola e ofertar uma qualidade maior, mas não se pode pensar em nucleação em grandes escolas, colocar 500 alunos dentro de uma escola rural! A maior escola municipal nossa tem pouco mais de 350 alunos e já é grande! Eu acho que para a realidade das comunidades pomeranas, falar em escolas maiores que isso é muito complexo, principalmente do ensino fundamental 1, que são os alunos menores”, detalha.
“Estamos apreensivos, mas também confiantes que tanto o Tribunal de Contas quanto ao Estado se sensibilizem da nossa situação e de outros municípios”, roga o secretário de Educação de Santa Maria de Jetibá.
‘Só é bom para o ensino privado e para o Estado’
Uma das lideranças populares contra o TAG no município, o professor Swami Cordeiro Bérgamo, integrante do Coletivo Resistência e Luta da Educação e do Comitê Capixaba da Campanha Nacional pelo Direito à Educação é incisivo: “O TAG do Tribunal de Contas está servindo a um interesse que não é o da educação. A quem?”, pergunta.
Os únicos beneficiados, pontua, são o Estado e as empresas que atuam na educação privada. “O Estado se beneficia na medida que transfere responsabilidades e economiza recursos. De que forma ele quer usar esse recurso a mais? À reforma do ensino médio, que é outra medida que não atende à melhoria da educação e sim aos interesses dos grupos privados de educação”, explica.
Nesse ponto, Swami faz eco à argumentação exposta pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) e dirigente nacional da Campanha, Daniel Cara. Em passagem pela Capital capixaba no final de maio, o educador criticou duramente o TAG, afirmando que ele faz parte de um projeto de reestruturação da Educação liderado pelo Espírito Santo, que já está sendo descontruído no seu país de origem, os Estados Unidos, depois de confirmado o seu fracasso.
Na ocasião, Daniel Cara pediu que o Tribunal de Contas abra uma mesa de negociação com os movimentos e a Campanha “para entender as críticas ao Termo de Ajuste de Gestão” e afirmou interesse em colaborar com o aguardado diálogo. “Eu faço questão de, havendo essa abertura, trazer tanto o Comitê Capixaba quanto a coordenação geral da Campanha para dialogar com o Estado. Até pela influência que tem no país”.
‘Termos de Ajustamento de Gastos’
Outra citação importante feita por Swami Bérgano é em relação a uma ironia lançada pela estudante universitária Tamiles Gomes Pereira, oriunda de Santa Maria de Jetibá, durante o seminário realizado na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) pelo Centro de Educação (CE-Ufes) e o Comitê Capixaba da Campanha. O TAG, diz, é um “Termo de Ajustamento de Gastos” e não de “Gestão”.
Um ajuste de gastos em que a conta pesa e muito para os municípios. “Quer empurrar a despesa com o ensino fundamental 1 para as prefeituras, mas o que é transferido do governo federal não é suficiente para todas as despesas, precisa sempre complementar. Acontece que a maioria dos municípios tem poder de arrecadação menor”.
Outro problema grave do TAG é que ele trata de uma atribuição que não é da Corte de Contas. “O Tribunal está querendo agir como regulamentador do regime de colaboração, portanto como legislador. Ele não é legislador, é um órgão auxiliar do legislativo para fiscalizar o uso do serviço público. E não pode constranger nenhum agente público a aceitar um acordo, como vem fazendo”, denuncia.
Uma atribuição desejada dos conselheiros, sugere Swami, é a fiscalização sobre o uso do dinheiro público destinado à Educação. “O que a gente gostaria de ver é o Tribunal de Contas pressionar o Estado a devolver o dinheiro que foi desviado da educação para pagar aposentado”, aponta, tocando em uma pauta tratada repetidamente pelo ex-deputado estadual Sergio Majeski (PSDB). “Como o Estado vai ressarcir os municípios e quem no Tribunal de Contas vai responder por essa atitude de legislar uma regra inconstitucional. Qual conselheiro vai assumir o ônus?”, questiona. “A gente não vai aceitar isso”, afirma.
Negativas sucessivas ao apelo popular
A luta de Santa Maria de Jetibá é também a de muitos outros municípios capixabas e foi encampada desde maio passado pelo Comitê de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces), formado por organizações e coletivos de educadores de todo o Estado, especialistas na área. Até o momento, todas as respostas do conselheiro relator aos pleitos foram negativas, mesmo diante de toda a argumentação detalhada e de uma manifestação popular que reuniu dezenas de educadores na escadaria em frente à Corte, reforçando o pedido que já havia sido feito.