Com o anúncio do reajuste do piso do magistério em 33%, o secretário estadual de Educação, Vitor de Angelo, questionou a legalidade da iniciativa. “Se a AGU [Advocacia Geral da União] disse que não há legalidade, sendo preciso uma nova regulamentação, qual a legalidade para o reajuste de 33%?”, disse. Sua pergunta não foi bem vinda pelo Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes). “Ele faz um discurso de negação do direito à lei do piso”, afirma o diretor da entidade, Paulo Loureiro.
A fala do secretário é baseada em uma nota divulgada pelo Ministério da Educação (MEC) em 14 de janeiro, na qual consta que a AGU fez menção “a dispositivos constitucionais e a índice de reajuste não mais condizente com a mudança realizada pela EC [Emenda Constitucional] nº 108/2020, que cria o novo Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica] com características distintas da formatação dada pela Emenda Constitucional nº 53/2006″, que instituiu o Fundo”.
Assim, de acordo com a nota, “entende-se que é necessária a regulamentação da matéria por intermédio de uma lei específica, na forma do disposto no art. 212-A, inciso XII, da Constituição Federal de 1988”. O secretário estadual de Educação questiona ainda “como equilibrar a necessidade de avançar na valorização da remuneração docente com as condições orçamentárias de estados e municípios”, o que, segundo ele, “não pode ser a partir de um debate politizado que simplesmente transfere a pressão por reajustes a terceiros”.
Para Paulo Loureiro, ao falar da necessidade de equilibrar o avanço na valorização da remuneração do magistério com o orçamento de estados e municípios, o gestor atribui ao piso do magistério uma oneração que não existe. “Nunca existiu essa oneração e, inclusive, durante a pandemia os governos economizaram muito, enquanto os professores tiveram que se virar para dar aulas online e investir seus próprios recursos na aquisição de equipamentos”, recorda o dirigente sindical.
O diretor do Sindiupes acrescenta: “A lei do piso é nacional, ou seja, está acima. Ele é um gestor estadual, tem que cumprir”. Em sua postagem, Vitor de Angelo também destacou que em 2021 a gestão de Renato Casagrande (PSB) concedeu reajuste de 25% para entrada e 18% na média. “Isso foi ano passado, o reajuste de 33% é para este ano”, salienta Paulo Loureiro.
O piso do magistério é estabelecido pela Lei 11.738/2008. A tentativa do governo Bolsonaro (PL) de não aplicá-lo em 2022 foi classificada pelo Sindiupes como “trama, artimanha, golpe”. “Estão tentando manipular. A lei do piso é clara, o reajuste se dará em função do Custo Aluno Fundeb”, disse o diretor do Sindiupes na ocasião. Ele relatou também que o objetivo do MEC era atrelar o reajuste ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), conforme previsto no Projeto de Lei (PL) 3.776/2008, de autoria do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ainda está em tramitação. Baseado no INPC, o reajuste seria “exíguo”, afirmou.
A tentativa de atrelar ao INPC, explicou Paulo Loureiro, foi uma forma de atender uma reivindicação da Confederação Nacional do Municípios (CNM), que, conforme afirma, se mobiliza para a aprovação dessa Lei, contra a qual a categoria luta desde que foi apresentada. “A lei ainda não foi para o plenário porque nos mobilizamos. Tanto os municípios quanto os estados querem a aprovação, buscando economizar dinheiro às custas dos profissionais do magistério”, diz.
Após a nota divulgada pelo Governo Bolsonaro, a CNM se manifestou dizendo que “o critério de reajuste do piso nacional do magistério, fixado na Lei 11.738/2008, perdeu sua eficácia” e que o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, “atuou, no decorrer de 2020, junto ao Congresso Nacional e ao governo federal no sentido de garantir a aprovação de proposição que garantisse uma solução para a indefinição acerca do piso”.
Essa solução, segundo a CNM, seria a edição de Medida Provisória (MP) com reajuste do piso pela inflação. “Essa nova formatação para a correção do piso tem de ser por Lei. Hoje fica tudo no ar. De imediato, defendemos uma medida provisória, pois, enquanto em análise pelo Congresso para conversão em lei, tem vigência legal. Hoje, temos um vazio na legislação. Infelizmente, apesar de termos alertado isso, só agora essa definição está sendo buscada”, diz a entidade.
A CNM prosseguiu defendendo um novo critério de reajuste, que é justamente o apontado por Paulo Loureiro como insatisfatório para a categoria: o PL 3.776/2008.
Por meio de nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) recordou que a intenção de zerar o reajuste do piso em 2022 havia sido previamente anunciada após a reunião entre a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o MEC e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em dezembro passado. “É mais que sabido que uma lei votada, sancionada e vigente não pode ser revogada ou alterada pela administração pública. O princípio da legalidade insculpido na Constituição Federal também não autoriza o Poder Executivo a interpretar normas legais a seu bel prazer. Claramente, o MEC extrapolou competências exclusivas do Congresso Nacional e do Poder Judiciário”, diz.
A CNTE também afirmou que “diante de mais esta tentativa de golpe contra a lei do piso do magistério, a CNTE tomará as medidas pertinentes para reverter a orientação inconsistente e ilegal do MEC e para cobrar a aplicação imediata do reajuste do piso das professoras e dos professores em todos os estados e municípios do país”.