A baixa presença dos estudantes no retorno das aulas presenciais, ao longo dos últimos dois meses, reflete o que a sociedade já havia manifestado na consulta pública aberta pela Secretaria de Estado de Educação (Sedu), gerida por Vitor de Angelo, para receber contribuições da população a respeito do Plano de Retorno às Aulas Presenciais na Rede Pública Estadual de Ensino.
“Seis mil contribuições foram enviadas e a maioria indica a absoluta falta de bom senso no que tange à volta do ensino presencial nessa altura do ano letivo, dada a falta de estrutura das escolas da rede estadual. O plano de retorno teve críticas em todos os aspectos: administrativos, psicossociais e pedagógicos. E quando as escolas abriram, o número de alunos foi muito aquém do esperado”, resume a doutora em Educação, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e coordenadora do Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo (Lagebes/Ufes), Gilda Cardoso.
Todas as respostas da Sedu, conta a educadora, “vieram de forma evasiva ou negando as informações”. O que é lamentável, salienta. “Todas as perguntas feitas ali são do maior interesse público, respeitando a ideia republicana de controle e participação cidadã”, qualifica.
Para a coordenadora do Lagebes, o quadro é lamentável e até assustador. “Falta transparência. Está tudo sob um manto de escuridão e interesses que a gente desconhece. A gente não consegue entender porque o governo estadual resolveu retomar as aulas nas atuais circunstâncias. Me causa estranheza, vergonha, porque nem republicano é”, critica.
Das pseudo-respostas, aponta, fica claro que não houve investimentos em obras de infraestrutura necessárias para garantir o bem-estar da comunidade escolar, como reformas e compra de equipamentos de proteção individual de qualidade, capacitações e estratégias de ensino e aprendizagem.
“Há várias escolas com professores adoecidos, exaustos, por uma dupla jornada de trabalho desnecessária. Não há nenhuma lógica nesse plano de retorno. A gente fica com a sensação de que todos nós, como sociedade, perdemos com esse retorno, essa decisão unilateral, sem diálogo, contrariando a consulta pública, colocando em risco a vida dos professores”, repudia. “E não garantindo sequer a alimentação”, ressalta, tocando no aspecto que poderia ser uma justificativa mais plausível para legitimar a decisão do retorno.
“Todas as crianças, adolescentes e jovens matriculados nas escolas públicas, deveriam receber uma alimentação digna, saudável e balanceada, mas isso não está acontecendo. Os estudantes estão recebendo cestas básicas a partir do CadÚnico”, informa.
“Chegou a circular via e-mail aos dirigentes escolares, uma orientação para que, nas escolas que estejam com uma frequência abaixo de dez alunos, seja feita distribuição de alimentos pelos próprios professores, alimentos preparados, o ‘suco e bolacha'”, relatou Gilda.
A educadora é enfática: “não basta se dizer, parecer democrático e dialógico. O governo precisa efetivamente ser democrático e dialógico”, provoca. A postura do governo de Renato Casagrande (PSB), contextualiza, remete tristemente à gestão anterior, com o agravante da hipocrisia.
“Paulo Hartung assumia que não ia ouvir. Mas agora é hipócrita, porque tem um discurso de gestão democrática, de colocar o Fórum Estadual de Educação e os conselhos de escola pra funcionar, de ter um lugar de escuta, mas as decisões são tomadas fora desses espaços”, expõe.
A democracia e o diálogo, metaforiza, são apenas um verniz no velho autoritarismo que insiste em predominar na gestão da Educação do Espírito Santo, governo após governo. “Um verniz, apenas um verniz”, lamenta.