Para a Associação Diversidade, Resistência e Cultura, proibição agrava problemas escolares
A Associação Diversidade, Resistência e Cultura (ADRC) acionou o Ministério Público e a Defensoria Pública para questionar a constitucionalidade de uma lei que proíbe discussões sobre identidade de gênero e orientação sexual nas escolas públicas e privadas de Guarapari, na região metropolitana do Estado.
O projeto de lei sobre o tema, de autoria do vereador Luciano Costa (PP), foi aprovado por unanimidade, em sessão ordinária de 10 de dezembro passado, sem debate prévio. O Poder Executivo não se manifestou no prazo regimental, e a presidente da Câmara de Vereadores, Sabrina Astori (PSB), promulgou a Lei nº 5.036/2025, conforme publicação do Diário Oficial do Legislativo Municipal dessa quarta-feira (8).
A nova lei estabelece a proibição da chamada “doutrinação de ideologia de gênero”, expressão não reconhecida no universo acadêmico e educacional, mas utilizada por conservadores em reação ao feminismo e movimentos em defesa da diversidade sexual e de gênero. O projeto foi denunciado pela associação como uma violação aos direitos humanos e à liberdade de ensino, além de uma ferramenta de censura e exclusão.
Entre as disposições, a lei define “doutrinação de ideologia de gênero” como qualquer promoção de visões sobre identidade de gênero ou orientação sexual em materiais didáticos, abordagens ou políticas escolares, e estabelece que gestores escolares devem fiscalizar o cumprimento da proibição. Denúncias podem ser feitas por qualquer cidadão, e as escolas devem priorizar “valores familiares, éticos e morais vigentes”.
Para o secretário-executivo da ADRC e membro do Conselho para a Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Conselho Estadual LGBT), Leonardo Brandão, a lei foi criada com objetivo de gerar visibilidade política, e surpreendeu os membros das entidades, principalmente por tratar de um tema que não reflete a realidade local. “Isso nunca aconteceu. Não existe doutrinação de gênero nas escolas. Foi uma estratégia para se promover em cima de uma pauta que não condiz com a realidade de Guarapari”, comenta. Ele também critica a forma como a votação ocorreu: “Os vereadores aprovam os projetos em bloco, sem discussão, e isso é muito preocupante”.
A aprovação da norma contrasta com decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que já anulou leis semelhantes de outros lugares do Brasil, reafirmando a inconstitucionalidade de medidas que restringem discussões sobre diversidade nas escolas.
Em abril último, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por unanimidade, uma lei municipal de Nova Gama (GO) que proibia o uso de material didático com conteúdos relacionados à diversidade de gênero. Os ministros entenderam que a norma violava a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes da educação e afrontava princípios constitucionais, como igualdade de gênero, liberdade de ensino e a laicidade do Estado.
Decisões anteriores também reforçam esse entendimento. Em 2020, o STF julgou inconstitucionais leis estaduais e municipais que tentavam vedar o ensino de temas relacionados a gênero e orientação sexual, destacando que tais medidas comprometem o direito à educação integral e à proteção da dignidade humana. No mesmo ano, o tribunal declarou que instituições de ensino, públicas e privadas, têm o dever de combater discriminações de gênero, identidade de gênero e orientação sexual, alinhando-se aos objetivos do Plano Nacional de Educação (PNE).
Impacto nas escolas
A ADRC publicou uma nota de repúdio em suas redes sociais, alertando que a lei promove o apagamento de identidades, reforça a discriminação e desrespeita princípios constitucionais, como a liberdade de ensino e a dignidade humana. A nota também defende a importância de uma educação plural e inclusiva: “Defendemos uma educação plural, inclusiva e baseada no respeito às diferenças. Exigimos que a Câmara reveja essa decisão, que atenta contra os direitos humanos e a formação cidadã de nossas crianças e adolescentes”.
A principal preocupação das entidades é o impacto da lei nas escolas. Para Brandão, a medida cria um ambiente hostil ao impedir debates fundamentais sobre gênero e diversidade. “Educar sobre gênero é crucial para promover igualdade, inclusão e respeito às diferenças. Isso ajuda a desconstruir preconceitos e criar um ambiente seguro e acolhedor para todos os estudantes”, argumenta. Ele destaca ainda que a proibição pode agravar problemas como bullying e discriminação contra estudantes LGBTQIAPN+, que já enfrentam desafios significativos no ambiente escolar.
Além de acionarem o Ministério Público e o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, os militantes da ADRC avaliam outras medidas para impedir a aplicação da norma. A reação à Lei nº 5.036/2025 ocorre em um cenário já marcado por retrocessos para a população LGBTQIAPN+ em Guarapari.. Segundo Leonardo, o município carece de políticas públicas voltadas à inclusão e a comunidade ainda enfrenta negligência e violência institucional.
Ele ressalta ainda a necessidade de medidas concretas, como a criação de um conselho municipal LGBTQIAPN+ e uma Secretaria de Direitos Humanos, para garantir a proteção e os direitos dessa população.