A menos de uma semana da data em que o governo do Estado autorizou o retorno das aulas presenciais, o Espírito Santo atende a apenas dois dos sete indicadores estabelecidos pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) para uma reabertura com um mínimo de segurança sobre controle dos surtos da Covid-19 que, muito provavelmente, se sucederão ao retorno de milhares de estudantes, professores e outros trabalhadores às salas de aula.
A análise foi feita pelo doutor em Matemática Etereldes Gonçalves Junior, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e membro do Núcleo Interinstitucional de Estudos Epidemiológicos (NIEE), que assessora tecnicamente o governo do Estado no enfrentamento da pandemia.
As escolas que quiserem abrir estão autorizadas a fazê-lo, gradativamente do ensino médio até o ensino infantil, a partir da próxima segunda-feira (5) na rede privada e a partir do dia 13 de outubro nas redes públicas estadual e municipais, conforme anúncio feito na última sexta-feira (25) pelo governador Renato Casagrande (PSB) e os secretários de Estado da Saúde e da Educação, Nésio Fernandes e Vitor de Angelo, respectivamente.
A atitude foi precipitada, avalia o matemático. “Havendo as condições, você toma a decisão de abrir, que requer um planejamento por um prazo de alguns dias”, pondera, expondo uma postura inversa à que foi adotada pelo governo do Estado, que, mesmo longe de atingir as condições mínima, já autorizou a reabertura de toda a educação básica.
“Não tendo vacina, o risco de um surto a partir da abertura das escolas é real, mas nessas condições estabelecidas pela Fiocruz, pode ser controlado rapidamente”, adverte. “São condições de segurança [os indicadores da Fiocruz] que permitem estabilidade dessa decisão de reabertura. Não se pode tomar a decisão de abrir as escolas pensando que vai fechar mais à frente. O ambiente escolar exige estabilidade”, complementa.
Explosão de casos
Nos dados coletados pelo NIEE até esta terça-feira (29), chama atenção a explosão da taxa de transmissão (Rt) do coronavírus (SARS-CoV-2) na região central serrana, certamente reflexo das aglomerações durante o feriadão de sete de setembro. De 0,22, registrado na semana do dia 11 de setembro, o Rt saltou para 1,99 na semana do dia 18, ou seja, nove vezes maior.
Na região metropolitana, o Rt também teve um aumento importante, passando de 1, quando se configura um aumento do número de casos. “Enquanto o Rt estiver abaixo de 1, mesmo que suba um pouco de uma semana para outra, significa que o número de casos está diminuindo, variando apenas a velocidade com que diminui. Acima de 1, significa que o número de contaminados passa a subir, e essa subida é exponencial, é realmente preocupante. É preocupante também se se mantiver acima por um longo período, podendo repercutir na curva de óbitos”, explica, em um vídeo postado nas redes sociais.
Outras microrregiões também subiram o Rt na semana do dia 18, em comparação com a do dia 11, como Nordeste (de 0,4 pra 0,7) e Sudoeste Serrana (0,35 pra 1,19), bem como a média do interior como um todo (de 0,66 pra 0,79), a média do Estado (de 0,76 pra 0,89), e a média dos quatro municípios mais populosos da Grande Vitória (de 0,91 pra 1,05). Havendo ainda microrregiões que estão num platô próximo a 1, como Noroeste (0,9 nas duas últimas semanas medidas) e Caparaó (que saiu de 0,95 pra 0,89).
Indicadores
O Rt médio do Estado, atualmente em 0,89, está bem acima do limite de 0,5 preconizado pela Fiocruz, como o segundo indicador de segurança mínima para o retorno das aulas presenciais.
O primeiro indicador também não é atendido pelo Estado, pois, ao invés de 42 novos casos por dia, eram 425, mais de dez vezes superior, segundo a média móvel de 14 dias calculada na última sexta-feira (25), e que deve ter aumentado, já que os Rts também subiram.
O terceiro indicador refere-se à disponibilidade de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) exclusivos para Covid-19, onde a taxa de ocupação máxima deve ser de 25%, sendo que o Estado registra atualmente 44%.
O quarto e o quinto indicadores é que estão sendo atendidos, sendo o quarto a previsão de esgotamento dos leitos de UTI e o quinto, a redução de 20% ou mais o número de óbitos e casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). O prazo para previsão de esgotamento do sistema de saúde tem que ser superior a 57 dias, o que foi atendido, com a atual taxa de transmissão; e a redução dos óbitos e casos de SRAG é de 43%, comparando a semana epidemiológica do dia 11 com as duas anteriores.
O sexto e sétimo indicadores também não são atendidos pelo Estado. O sexto calcula a positividade, ou seja, o percentual de pessoas positivas no total de pessoas testadas. Essa positividade precisa ser menor do que 5%, segundo a Fiocruz.
Etereldes explica que o Laboratório Central (Lacen) não divulga esse dado e que o Painel Covid-19 apenas mostra a positividade global, ou seja, o total de pessoas que já foram testadas desde o início da pandemia e o total de positivas. Mas a positividade que precisa ser medida aqui é a da semana epidemiológica em questão.
Os últimos dados disponíveis, calculados pelo NIEE, no entanto, mostram que essa condição ainda não é atendida, mesmo que a capacidade de testagem tenha subido para 2,5 mil por dia na prática, como alegado pela Sesa, pois são 425 casos por dia, o que dá 17% e não 5% dos testes, explana Etereldes.
Já o sétimo e último indicador, não é atendido pelo Espírito Santo nem com a flexibilização desse item, retirando a obrigatoriedade de encontrar, com testes PCR, 80% dos contaminados a cada semana epidemiológica.
Etereldes reconhece que ele é “quase impossível de ser atendido no Brasil”. “Tem uma lógica, mas só é possível de ser atendido em países como Coreia e Alemanha, que fazem testagens em massa na população desde o início da pandemia, testando pessoas nas ruas, por fluxo”, diz.
Mas, mesmo retirando essa obrigatoriedade, e apenas considerando a capacidade de testagem dos contactantes diretos dos positivos e ampliando de forma robusta a capacidade de testagem – duas condições que a Sesa tem anunciado já ter alcançado – mesmo assim, não é atendido. “Ainda não conseguimos testar todo os contatctantes dos positivos e isolá-los”, avalia Etereldes.
O conjunto dos sete indicadores da Fiocruz, sintetiza o matemático, mesmo com a flexibilização de parte do último deles, tem o objetivo de mostrar para a população e o poder público a seguinte situação: pandemia num patamar muito baixo, com viés de queda (Rt abaixo de 1) e capacidade hospitalar e de testagem e isolamento muito boa. Atingindo essas condições, ressalta o pesquisador, pode-se dizer que “não há risco de haver um colapso rapidamente, com a reabertura das escolas, pois há um prazo de pelo menos 60 dias para o sistema de saúde se organizar e atender aos surtos”. Infelizmente, afirma, ainda o Espírito Santo ainda não atingiu esse estágio.