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ES desrespeita educação inclusiva ao tratar deficiência como doença, diz educador

Portaria Sesa/Sedu discrimina pessoas com deficiência e mostra inviabilidade do retorno presencial 

“O tratamento discriminatório às pessoas com deficiência [PCDs] mostra que o Estado não pratica a educação inclusiva e que as escolas não estão preparadas para o retorno presencial de todos”.

A avaliação é do professor do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e especialista em Educação Especial, Douglas Ferrari, em relação à portaria conjunta publicada pelas Secretarias de Estado da Saúde e Educação (Sesa e Sedu) na última quarta-feira (21) –  nº 6-R/2021 -, estabelecendo a obrigatoriedade do retorno dos estudantes capixabas às aulas presenciais a partir desta segunda-feira (26), numa atitude ainda solitária no contexto nacional.

A normativa suspende “todas as restrições sanitárias que subsidiavam a decisão da não-obrigatoriedade do ensino presencial de alunos sem comorbidades ou deficiências”, estabelecendo a obrigatoriedade da frequência presencial em escolas públicas e privadas do Estado, respeitando, porém, “a autonomia do município para dispor sobre o tema”.

O problema está no parágrafo 2º do Art. 2º: “O retorno presencial é facultativo para estudantes com comorbidades ou deficiências, que poderão optar pela continuidade das atividades não presenciais”.

A base desse erro discriminatório, explica o especialista, é o entendimento da deficiência como uma doença, uma comorbidade. “Deficiência é uma característica, não uma doença. A gente tem trabalhado a deficiência como uma condição social, porque deficiente é a sociedade, que discrimina as pessoas”, aduz, com base na Lei Brasileira de Inclusão, que “tipifica essa discriminação como crime, com pena de reclusão e multa”, salienta.

Douglas defende que o momento não é adequado para o retorno das aulas presenciais, considerando o contexto epidemiológico capixaba e brasileiro, de ainda elevada transmissão do vírus, concordando com especialistas como a epidemiologista e também professora da Ufes Ethel Maciel, bem como a falta de investimentos em melhorias das estruturas das escolas públicas ao longo deste um ano e meio de pandemia, conforme denunciam estudantes e também a Associação de Pais de Alunos do Espírito Santo (Assopaes).

‘Ou volta todo mundo ou não volta ninguém’

E o tratamento discriminatório dado às pessoas com deficiência, sublinha, só corrobora essa constatação da inviabilidade da reabertura maciça das escolas no atual momento epidemiológico. “O melhor agora é não voltar, então que a decisão seja facultativa às famílias. Mas ao deixar facultativo apenas às pessoas que têm comorbidades e deficiência, o Estado dá a declaração de que a escola não está preparada pro ensino presencial. Se estivesse preparada para todas e todos, todo mundo poderia voltar”, reafirma.

Essa posição, argumenta Douglas, retoma a palavra de ordem levantada há exato um ano: “ou volta todo mundo ou não volta ninguém”. Registrada em Século Diário pela fala da especialista em Educação Especial Sumika Freitas, a reivindicação baseia-se na Lei Brasileira de Inclusão, que estabelece a prioridade das pessoas com deficiência na formulação de políticas públicas.

“No trabalho pedagógico, essas crianças têm prioridade de atenção e acompanhamento especializado”, afirmou a educadora na época, enfatizando que elas são o principal parâmetro para definir como e quando voltar com as aulas presenciais para toda a rede de educação do Espírito Santo.

‘Cada um no seu quadradinho de arame farpado’
“Muitas famílias estão precisando que os filhos voltem pra escola. Há crianças que têm muitos surtos, em casa, em distanciamento social, mas elas precisam voltar com segurança. Quando o Estado deixa essa decisão a cargo das famílias, ele se desresponsabiliza e as exclui”, aponta Douglas Ferrari.

A conduta do governo de Renato Casagrande (PSB), contextualiza o educador, segue uma prática nacional de exclusão, que foi exaltada em setembro passado, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) publicou o Decreto 10.502/2020, que criou a Política Nacional de Educação Especial (PNEE), estimulando o retorno dos centros especializados em educação para pessoas com deficiência, indo na contramão do processo de anos de inclusão desses estudantes no ensino regular. “Cada um no seu quadradinho, no seu chiqueirinho de arame farpado”, metaforizou, na ocasião, o professor.

“Olhar a deficiência como uma doença pressupõe que ela seja tratada nas instituições especializadas e não na escola. E esse erro não está nos pais, nas mães, nem nos cientistas. Está nos gestores que não fazem o dever de casa; e não é só o governo federal”, reforça.

O Espírito Santo, acentua, “não fez sequer a avaliação diagnóstica da educação especial”, e tem trabalhado para direcionar as PCD para os “quadradinhos” das instituições especializadas. Esse direcionamento ficou explícito, ressalta Douglas, no final de maio deste ano, quando o secretário Vitor de Angelo permitiu a eleição de duas federações de associações de atendimento a pessoas com deficiência para as cadeiras destinadas à sociedade civil no Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (CACS-Fundeb).

Conforme denúncia feita pelo Instituto Raízes e o Comitê Capixaba da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Federação das Associações Pestalozzi do Estado e a Federação das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais do Espírito Santo, que representam 55 associações, receberam R$ 64 milhões em recursos oriundos do Fundeb, por meio de contratos firmados com o governo do Estado em 2020. Ainda assim, foram aceitas pela Comissão Eleitoral coordenada pela Sedu para disputar as cadeiras da sociedade civil no conselho que fiscaliza a aplicação dos recursos do Fundo.

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