“Escola não é comércio. Álcool e saboneteira não são suficientes! Onde estão os esforços para assegurar o redimensionamento das condições de trabalho e objetivas das escolas? Onde está o poder público para garantir linha de ônibus a mais?”
A explanação sobre a necessidade de melhorias das escolas e do transporte público para o retorno das aulas presenciais ainda em 2020 foi feita ao secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, pela coordenadora do Laboratório de Gestão da Educação Básica da Universidade Federal do Espírito Santo (Lagebes/Ufes), Gilda Cardoso, durante live realizada em conjunto com a Frente Popular em Defesa do Direito à Educação na noite dessa quarta-feira (23), com participação da coordenadora administrativa do Sindicato dos Professores e Pedagogos de Manaus (Asprom/Sindical), Alessandra Santos de Sousa, e do epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Jesem Douglas Yamall Orellana.
A comparação foi necessária em função da reafirmação, pelo secretário, da “necessidade de reconhecer de forma honesta a real capacidade de cumprimento dos protocolos pelas escolas”, tendo, portanto, resumido a avaliação da capacidade de cumprimento à verificação apenas desses dois itens de higiene: “O dispenser com álcool e saboneteira, se essas condições não estiverem dadas, não abre a escola. Eu sou o primeiro a ser contrário a abrir uma escola”.
Transmitindo ao gestor da Sesa as solicitações que vêm sendo feitas pelo conjunto de professores e responsáveis pelos estudantes capixabas, a coordenadora do Lagebes elencou questões mais abrangentes e já definidas também por profissionais da saúde.
“Que a gente tenha a garantia de que as escolas sejam vistoriadas, que isso seja transparente, que a gente saiba as condições objetivas de cada uma delas, eu estou incluindo as particulares também. Que a gente saiba que as instalações que não são adequadas vão passar por reformulações, que a gente possa discutir isso. Que o número de assistentes de serviços gerais seja aumentado. Que esse protocolo em relação aos EPIs [Equipamentos de Proteção Individual] dos professores seja revisto e mais refinado. Que a Saúde possa orientar os profissionais da Educação, que a assistência social esteja junto conosco para dar suporte nesse acolhimento. Essas três secretarias têm que estar trabalhando juntos no plano. A gente tem um protocolo, mas um protocolo não é política pública. Não tem um plano, secretário”, expôs a educadora.
O questionamento, com a enunciação desses itens de reivindicação, foi feito mais de uma vez, recebendo respostas evasivas por parte de Nésio Fernandes, que por seguidas vezes voltou a declarar os robustos investimentos feitos pelo governo do Estado na expansão da rede hospitalar pública e na contratualização de leitos privados e filantrópicos, que, de fato, salvaram o Espírito Santo da situação de colapso da saúde, com filas de pacientes à espera de atendimento e muitos morrendo em corredores de hospitais, como ocorreu em alguns estados brasileiros e outros países.
Subliminar
“Em fevereiro nós começamos a construir leitos que inauguramos em maio, junho, julho. Isso precisa ser reconhecido. Ainda tenho 200 leitos pra inaugurar”, disse. A ênfase em anunciar os investimentos na rede hospitalar, por mais legítimos que seja, como forma de apresentar à sociedade o bom planejamento e o compromisso do governo com a garantia de atendimento a todos os pacientes graves que precisaram de internação, não responderam, no entanto, os questionamentos que vêm sendo feitos pela comunidade escolar sobre a necessidade de investimentos, também robustos, na melhoria – nem se fala em expansão até o momento – da estrutura das escolas, considerando que muitas delas não possuem condições físicas mínimas de garantir ventilação e higienização para estudantes e trabalhadores, bem como expansão do transporte coletivo, utilizado pela maioria dos alunos e profissionais da Educação.
Ou será que responderam, subliminarmente? Se após meses de insistente questionamento sobre esses investimentos, seja ao secretário de Saúde, de Educação, Vitor de Angelo, ou ao governador Renato Casagrande (PSB), as respostas são sempre negativas, por parte dos dois últimos e agora evasivas por parte do primeiro, a verdade posta é que eles ainda não constam no horizonte dos três gestores. Apesar da manutenção da nota A no Tesouro Nacional e de outros importantes indicadores econômicos que colocam o Espírito Santo em destaque nacional no quesito gestão fiscal, não há uma decisão política por parte do Palácio Anchieta em investir de forma consistente na melhoria da educação pública. Pelo menos ainda.
Mesmo não tendo afirmado categoricamente que esse investimento não está previsto, Nésio Fernandes discorreu longamente sobre as agruras das populações periféricas durante a pandemia, que sofrem com doses mais pesadas os desafios de saúde, educação, trabalho e renda impostos pela crise sanitária mundial do que os setores mais abastados da sociedade e admitiu, numa avaliação geral do discurso empenhado por ele e seus colegas nos últimos meses, que a autorização para abertura da educação básica é uma forma de aliviar esse sofrimento.
“A classe trabalhadora está sofrendo uma tripla carga de sofrimento. A exploração do trabalho natural que ela já tinha, a exposição da doença e as vulnerabilidades de suas famílias, a perda de renda. A classe trabalhadora está com seus filhos sendo cuidados pelo vizinho. A classe média tem as suas formas de se proteger. A população mais vulnerável, da classe trabalhadora, hoje voltou a trabalhar. Os filhos vão pra onde?”, disse.
Sendo ainda mais direto sobre a negativa do governo em melhorar efetivamente a realidade da educação pública, o secretário de Saúde disse que não vai “construir uma revolução social em dois meses para modificar toda a realidade urbana do país inteiro. Eu estou falando de lidar com a realidade concreta, material da vida das pessoas. E o acesso ao retorno da creche, da escola, a algumas atividades é importante para a subsistência e a saúde da classe trabalhadora”.
Diamante
“A escola precisa se sentir agredida por ter sido fechada. O natural da escola é estar aberta. Essa é a natureza aberta, é a alma dela. Nós devemos estar ofendidos e tratando isso como um dos maiores prejuízos e cúmulo do absurdo do fenômeno da pandemia depois das perdas das vidas. A escola é diamante no nosso projeto de sociedade. Se eu puder retornar 25%, 30%, 15%, estou retornando esse diamante pra essas pessoas. Porque nós somos apaixonados por essa experiência civilizatória que é a escola, em especial a escola pública”, discursou.
Mantendo o contraponto, Gilda Cardoso contestou a tese exposta de que as escolas irão trazer a proteção alegada para os estudantes e suas famílias. “Quando a gente trabalha nas periferias, vê que a escola não protege desta forma, até porque nós não temos essa quantidade de escolas em tempo integral, já falamos disso aqui, então a escola não dá essa proteção. O número de alunos é elevadíssimo por turno. Às vezes a gente nem conhece o aluno, passa de turma em turma, é uma loucura, professores com dois, três, turnos de trabalho, porque o salário é muito baixo”, apontou a coordenadora do Lagebes, lembrando que o Espírito Santo é o único estado em que houve redução salarial na rede estadual.
“É disso que nós estamos falando, secretário. Então nesses dois, três, quatro meses que seja até janeiro, que a gente tenha uma discussão substancial sobre o que o Espírito Santo quer construir de modelo para retomada das aulas presenciais nas escolas públicas e particulares que garanta o direito à vida, à saúde, à integridade física dos seus jovens, das suas crianças, dos seus trabalhadores. Se a gente conseguir gastar esse tempo construindo isso de uma maneira que seja mais ampla, mais aberta, mais franca, acho que seria mais produtivo do que colocar agora as pessoas em risco de uma forma desnecessária. É disso que a gente está tratando. Ninguém aqui desvaloriza o direito à educação, em detrimento de qualquer outro direito. Nós estamos buscando o direito à educação mais do que ninguém”, asseverou.
Articulação intersetorial
Gilda também salientou a necessidade de políticas de inclusão digital para suportar uma qualidade mínima do ensino remoto nos períodos em que as aulas presenciais ficarem suspensas, pois mesmo após a autorização para a reabertura da educação básica, as novas ondas da pandemia e, num momento futuro, os possíveis surtos localizados continuarão a demandar a necessidade de ensino remoto para um conjunto amplo de estudantes.
“A gente tem que discutir a inclusão digital, é uma questão séria. Porque as escolas podem retornar e ter que retroceder. Qual é o plano do governo pra isso? O governo não tem plano!”, provocou a educadora. “Ao que me parece, a articulação, as políticas intersetoriais, saúde, educação, assistência social, elas estão deixando muito a desejar, secretário! A universidade, o Lagebes, a Frente Popular em Defesa do Direito à Educação, os sindicatos se dispõem a conversar, com todo o secretariado a respeito disso, mas eu acho que nós precisamos ser ouvidos”, pediu.