Pelos corredores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), escutei algumas vezes das estudantes negras sobre o privilégio que era contar agora com Kiusam de Oliveira no quadro de professores da universidade. Mestra em Psicologia, doutora em Educação, especialista em temáticas étnico-raciais, ela ministra a disciplina de Educação das Relações Étnico-Raciais. Mas também é dançarina, contadora de histórias e escritora. Seus diversos livros infantis trazem desde lendas africanas até temáticas contemporâneas ou, na maioria das vezes, a fusão de ambos. “Sou escritora focada no fortalecimento das meninas negras”, diz.
Não demorou tanto para voltar a ouvir seu nome. Desta vez, não por sua brava e sensível resistência, mas pela reação a ela. Seu livro Oma-Oba: Histórias de Princesas, que apresenta seis mitos africanos originários das comunidades Ketu, foi substituído após pressão de evangélicos fundamentalistas no Sesi em Volta Redonda, município do Rio de Janeiro.
Kiusam se encontrava nos últimos dias em Salvador, participando do Fórum Social Mundial, onde foi procurada por um jornalista fluminense. De volta à casa, pôde ter contato com a carta enviada pelo Sesi, publicada nas redes sociais por Juliana Pereira de Carvalho, mãe de um aluno.
“Acredito ser de fundamental importância que a equipe pedagógica esclareça esses pais. (sic) não falo apenas pelos meus filhos negros, mas para além da necessidade imediata da visibilidade afro-descendente, precisamos formar pessoas que se sensibilizem e busquem uma sociedade mais justa”, questionou Juliana, lembrando da Lei 11.648/08, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas.
A Gerência de Educação Básica da instituição autorizou a troca dos livros, embora tenha ressaltado que “o título trata da cultura africana e que não têm um cunho religioso”. As turmas agora serão divididas em grupos de trabalho (de acordo com o material comprado e escolhido).
A professora Kiusam criticou os fundamentalistas, inclusive os da Bancada da Bala, da Bíblia e outras que têm escrito leis que representam retrocessos para o país. “O projeto de sociedade deles não inclui a população e a cultura negra. Seremos exterminados. Marielle [Franco, vereadora carioca assassinada] deixou esse alerta de que nós mulheres pretas estamos na mira. Se a gente não se unir, vamos morrer”.
Ela convidou todos que se indignaram com a situação a compartilhar e denunciar. “Não podemos deixar isso passar. O meu livro foi o primeiro, mas tantos e tantas outras escritoras e escritores que produziram material nesse sentido, enaltecendo a ancestralidade africana, Vai começar uma caça muito grande também no campo da literatura”.