Professor pede atuação do MPES contra “venda casada” de serviços de saúde e educação para estudantes com deficiência
O governo do Estado precisa acabar com a “terceira matrícula” e aplicar os recursos hoje enviados para as instituições privadas para a melhoria da Educação Especial prestada nas escolas públicas. É preciso também interromper a prática da “venda casada” de serviços de saúde e educação por essas instituições, que obrigam as famílias a abrirem mão da segunda matrícula – Atendimento Educacional Especializado (AEE), feito no contraturno – para não perder os atendimentos médicos e clínicos que não são disponibilizados em quantidade suficiente para a demanda no Sistema Único de Saúde (SUS).
As recomendações constam em denúncia feita ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES) pelo professor do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (CE-Ufes) Douglas Ferrari. Ele conta que, em 2018, essas práticas foram fortemente denunciadas aos órgãos competentes, mas continuaram acontecendo. Em fevereiro passado, Século Diário noticiou relatos de mães que se sentem lesadas pela venda casada impostas por parte dessas instituições, bem como o histórico de repúdios de fóruns ligados à Educação Especial há cinco anos.
“A venda casada, o pagamento de carnê, a terceira matrícula. As denúncias não cessaram. É preciso fazer concurso público para professores e cuidadores, mas não se faz por causa da terceira matrícula. O dinheiro que vai para terceira matrícula poderia ir para as escolas, para, entre outras coisas, fazer concurso público”, sintetiza o professor.
No termo de atendimento, registrado no dia 19 de maio, o acadêmico requer, como pedido de encaminhamento, que o órgão ministerial tome providências para cessar o pagamento da “terceira matrícula” e a prática da “venda casada” por parte de instituições privadas como Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), Pestalozzi e Associação dos Amigos dos Autistas do Espírito Santo (Amaes).
“Mesmo havendo a necessidade de concurso público para contratação de professores que desempenham essa atividade [atendimento a estudantes com deficiência], isso não acontece por ser interessante manter o serviço público sucateado, direcionando o atendimento ao setor privado”, registra o documento.
“O cerne do problema se encontra na relação do Estado com as instituições privadas (Apae, Pestalozzi, Amaes etc.) por meio da terceira matrícula, agregada à prestação dos serviços terapêuticos (fisioterapia, neuropediatria, fonoaudiólogo etc.). Para a família não ser excluída do acesso a esses serviços, ela teria que abrir mão da segunda matrícula (AEE) da escola ‘comum’. O que caracteriza necessariamente uma privatização do serviço educacional; em conversa com as mães de filhos pessoa com deficiência, estas informaram que não há possibilidade de escolha entre o serviço público prestado diretamente no município e o serviço privado prestado pelas instituições mencionadas; de forma que se caracteriza uma espécie de ‘venda casada’, uma vez que acaba por coagir as famílias a se matricularem nas instituições privadas para não perderem os serviços terapêuticos de qualidade superior ao serviço público”, descreve o documento lavrado na 11ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória.
“Destaca-se que a Apae não poderia condicionar os seus serviços educacionais aos atendimentos terapêuticos, o que faz recebendo verbas da saúde, em âmbito estadual, federal e municipal, assistência social, emendas parlamentares, Fundeb, PDDE, doações privadas e pagamento de carnês; esses carnês são uma contribuição solicitada aos familiares para custeio das atividades de algumas APAEs”, explica Douglas Ferrari em seu relato.
“Tudo isso culmina no cenário em que as mães, que precisam do serviço educacional especial prestado pelo poder público, querem entrar em sala de aula para acompanhar seus filhos, tendo em vista que não tem ‘cuidadores’ (educadores especiais) contratados pelo município; uma vez que a verba da educação especial está sendo direcionada ao setor privado”, reforça.
O professor afirma que a informação recebida é de que um ou mais procedimentos de investigação seriam abertos para apurar os fatos, envolvendo possivelmente as coordenações especializadas em Cidadania e em Educação, dirigidas, respectivamente, pela promotora de Justiça Sandra Ferreira Souza e pela procuradora de Justiça Maria Cristina Rocha Pimentel.
Passados dez dias, no entanto, ele ainda não teve retorno sobre o andamento da denúncia, tampouco o MPES respondeu a Século Diário sobre a tramitação.
Apae nega atendimento casado
Em fevereiro, quando procurada por Século Diário, a Federação das Apaes (Feapaes) respondeu, por meio de nota enviada pelo seu presidente, Vanderson Gaburro, que a prática não tem respaldo da Federação, informando ainda um canal de denúncia próprio: “Orientamos as famílias que por ventura se deparem com tal situação mencionada na denúncia, a formalizar tal fato à Federação para averiguação, através da nossa Ouvidoria no site www.apaees.org.br“.