Pedido feito ao MPES cobra da gestão do prefeito de Afonso Cláudio, Luciano Pimenta, cumprimento da legislação de Educação Especial
Professores substituídos por cuidadores ou estagiários. Cuidadores pressionados a exercerem funções pedagógicas. Professores especializados aceitando trabalhar como cuidadores pela necessidade financeira. Estudantes com deficiência excluídos do processo de aprendizagem, sendo aprovados ano após ano, mesmo sem conseguir acompanhar os demais alunos.
O triste retrato é descrito em denúncia feita pela mãe de uma aluna da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Franz Carlos João Lemke, na localidade de Mata Fria, zona rural de Afonso Cláudio, região serrana. A comunidade, que tem uma vitoriosa luta pela manutenção de seu ensino médio regular noturno, agora se mobiliza para garantir o direito dos estudantes com deficiência de serem incluídos no processo real de aprendizagem, conforme estabelece a legislação de Educação Especial vigente no país.
“Ocorre um desvio de função do cuidador, pois a prefeitura alega que os cuidadores contratados são professores capacitados a trabalharem pedagogicamente com os alunos. O cuidador não pode, por lei, exercer a função de professor, mas às vezes, eles até substituem professores faltosos em sala de aula”, descreve Hilde Helene Christiansen Jordão, mãe de uma estudante do quinto ano.
O documento escrito por ela tem 16 páginas, em que trechos da legislação que trata da Educação Especial de estudantes com deficiência são confrontados com a realidade da EMEF de Mata Fria. Primeiramente encaminhado à Procuradoria da Prefeitura de Afonso Cláudio, aguardou um mês por uma resposta do prefeito, Luciano Roncetti Pimenta (PSL). Passado o prazo, no entanto, o procurador-geral, Sebastião Weliton Coutinho, se limitou a dizer que o caso estava com a Secretaria Municipal de Educação, cuja titular é Valquíria Karla Carnielli Tonoli. “Eu também já estive com o prefeito em outra ocasião, pude falar diretamente sobre a Educação Especial, mas ele não mostrou interesse em nos ouvir”, lamenta Hilde.
Sem diálogo efetivo na prefeitura, ela levou então a denúncia ao Ministério Público Estadual (MPES), na figura do promotor de Justiça Valtair Lemos Loureiro, o mesmo que lutou junto com a comunidade pelo ensino médio regular noturno.
“Peço ajuda para as crianças deficientes intelectuais, para que tenham direito a uma professora de atendimento especial e não uma cuidadora ou estagiária, para que tenham a oportunidade de aprender pelo resto de suas vidas e para se tornarem cidadãos ativos e não sejam mais passados compulsoriamente e expulsos da escola. Grande número de deficientes tem hoje o certificado de ensino fundamental, mas não sabem ler e escrever. Estão confinados em casa por não terem como voltar à escola e não conseguem conviver participativamente na sociedade”, roga a mãe, no documento de denúncia e súplica.
“Estou cansada de ver as crianças especiais serem tratadas como indivíduos que não aprendem e por isso são tiradas o mais rápido possível das escolas. Assim a prefeitura diminui suas despesas. As crianças então se tornam invisíveis. Tenho duas filhas especiais. Resolvi não lutar mais só por elas, mas por todas as outras. Vencemos a luta pelo ensino médio em nossa comunidade. Não sei se venceremos nesta luta que inicio agora, mas vou lutar”, afirma.
Para além das negativas de direitos dos estudantes e suas famílias, Hilde aborda também os prejuízos causados aos educadores que atuam na escola. “Os professores estão sendo contratados como cuidadores e recebem apenas um salário mínimo para cumprir uma jornada de 40 horas, atendendo alunos pela manhã e à tarde”, expõe.
Ocorre que “a quase totalidade dos alunos que estão sendo assistidos por cuidadores são independentes e não necessitam de um cuidador”, prossegue. “Com isso, a prefeitura faz uma boa economia, diminuindo consideravelmente o custo de cada aluno especial, mas acarreta em um prejuízo enorme ao aprendizado do aluno, que juntamente com a aprovação compulsória, contribuirá para sua exclusão como cidadão capacitado na sociedade”.
Hilde afirma ainda que muitas famílias desconhecem os processos de aprovação compulsória de seus filhos. No caso de sua filha, conta que, apesar do pedido de que ela continuasse no quarto ano em 2022, a direção da escola a fez assinar um documento de matrícula em branco e, posteriormente, preencheu os dados matriculando a estudante no quinto ano, alegando que ela havia avançado e poderia acompanhar os alunos do quinto ano.
“Em nenhum momento conversaram comigo sobre o assunto. Solicitei uma cópia da ata do conselho de classe e lá não há nenhuma observação em relação à minha filha. Ela foi incluída na turma como se estivesse no mesmo nível dos demais alunos. Ela nunca fez trabalhos e avaliações escritas. Com que critérios foi então aprovada?”, questiona.
Segundo Hilde, a escola diz aos pais que “é feito um trabalho de adaptação dos conteúdos para estes alunos”. Mas na verdade, “não é explicado que seus filhos não fizeram as atividades e sim o professor, porque seus filhos não sabem ler nem escrever”. As notas lançadas nos diários dos professores, denuncia, “não condizem com a realidade do aluno”.
O resultado da exclusão escolar, reafirma, é a exclusão cidadã. “Os alunos com certificados não podem mais voltar à escola. Os pais ficam impossibilitados de matricula-los na rede pública. Esses alunos passam o resto de suas vidas sem poderem exercer sua cidadania e não têm condições mínimas de ingressarem no mercado de trabalho. Foram simplesmente descartados e se tornaram invisíveis à sociedade”.