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‘Falta vontade política para construir uma inclusão de verdade’

Coletivo denuncia descaso na educação pela gestão de Dr.Coutinho em Aracruz

Um grupo de pais de estudantes com deficiência em Aracruz, no norte do Estado, luta para garantir o direito à educação inclusiva de qualidade para seus filhos. A falta de profissionais qualificados, a precariedade das salas de recursos e a ausência de um acompanhamento adequado são algumas das principais queixas apresentadas pelo coletivo Famílias pela Inclusão, que organiza uma audiência pública no espaço cedido pela Câmara Municipal nesta sexta-feira (16), às 14h.

A sessão tem o objetivo de expor os desafios enfrentados por estudantes público-alvo da educação especial na perspectiva inclusiva e buscar soluções para a precarização do atendimento na rede municipal de ensino. Foram convidados o prefeito, Dr. Coutinho (PP), vereadores, as secretarias de Educação, Saúde, Assistência e Governo, além dos Conselhos de Assistência, Saúde, Pessoa com Deficiência, Educação e Conselho de Acompanhamento e Controle Social (CACS) do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

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Segundo o coletivo, a cada início de ano letivo, estudantes e famílias enfrentam os mesmos desgastes e obstáculos, como a falta de suporte adequado, que compromete o desenvolvimento e a permanência dessas crianças na escola. “Todo ano precisamos lutar pelas mesmas coisas, o mesmo estresse. E as crianças cujos pais não têm essa mesma disponibilidade de ir à escola, à secretaria de educação, de cobrar, ficam sem o suporte que precisam”, afirma Ana Paula Fink, uma das diretoras da organização.

Por isso, ela reforça que o grupo se organiza para exigir políticas públicas efetivas, já que a inclusão precisa funcionar em rede. O coletivo também atua em espaços de decisão, com representação no Conselho Municipal de Educação (CMEA), Conselho de Acompanhamento e Controle Social (CACS) do Fundeb e no Conselho da Pessoa com Deficiência (CMDPD), para participar da construção e acompanhamento das políticas adotadas no município.

Um dos principais problemas relatados é a falta de Atendimento Educacional Especializado (AEE) de qualidade. Muitas escolas não oferecem as ferramentas pedagógicas e os recursos de acessibilidade necessários, deixando centenas de crianças sem atendimento adequado. “A gente resolveu fazer essa mobilização para poder exigir da prefeitura um AEE de verdade, quanto também para informar
às famílias que as crianças têm direito a muito mais do que um profissional de apoio”, explica a representante.

Segundo dados levantados pelo coletivo, o município de Aracruz tem 967 estudantes que são público-alvo da educação especial, mas apenas 279 fazem contraturno. “Quando a gente chega para a prefeitura para perguntar, eles falam que é difícil fazer contraturno, porque primeiro colocam a culpa nas famílias, depois no transporte escolar. Mas a realidade é que não há interesse do município em ampliar, porque é um investimento”, denuncia a ativista.

Outro problema apontado pelo coletivo é o número elevado de suspensões de crianças autistas devido a crises. Sem suporte adequado, as escolas acabam punindo os estudantes em vez de oferecer um ambiente inclusivo. “No ano passado, houve um grande número de suspensões de crianças autistas porque elas tinham crises. E a solução que a Secretaria de Educação dava era suspender essas crianças. Elas eram duplamente discriminadas: primeiro porque não tinham os recursos necessários e, segundo, porque eram punidas por algo que não estava sob seu controle”, relata Ana Paula.

Com a atuação do Ministério Público Estadual (MPES), o município abriu diálogo sobre a questão, e revisou as diretrizes educacionais, o que foi considerado parte da solução para garantir um ambiente mais inclusivo e adequado às necessidades desses alunos.

Além disso, a comunicação alternativa, essencial para crianças com dificuldades de fala, não é aplicada na rede municipal. “Minha filha é autista, precisa de suporte considerável, e tem apraxia de fala. Um dos recursos essenciais para essas crianças é a comunicação aumentativa, que envolve o uso de figuras para auxiliar a comunicação. Mas aqui na rede não tem nenhuma escola que trabalhe com isso”, explica a representante. O coletivo informa que das 967 crianças que precisam de atendimento especializado, cerca de 800 são autistas e muitas enfrentam barreiras de comunicação.

O déficit de profissionais também compromete o ensino inclusivo em Aracruz. Atualmente, há apenas 20 professores efetivos na educação especial, sendo que a maior parte das contratações ocorre por contratos temporários, que não podem ser renovados por mais de dois anos. “Todo o trabalho de formação continuada é perdido, e entra alguém novo sem experiência na área”, critica.

Ana Paula enfatiza que a rotatividade de profissionais e a falta de investimento em formação continuada prejudicam a qualidade do atendimento e a construção de vínculos com os alunos. Há cerca de 300 profissionais de apoio para quase mil crianças, um número insuficiente para garantir um atendimento adequado, destaca.

CMDPD no Ato do Dia Internacional da Luta das Pessoas com Deficiência em Aracruz: Secom/Aracruz

As famílias de estudantes com deficiência também questionam a alegação da prefeitura sobre não dispor de recursos suficientes para garantir o Atendimento Educacional Especializado (AEE) , quando existem repasses do Fundeb destinados especificamente para esse serviço. “O financiamento da educação é feito pelo fundo, então tem o valor básico para uma criança de ensino fundamental que não participa da educação especial. Quando uma criança faz parte da educação especial, a escola já recebe 40% a mais só pela matrícula, para que seja feito o investimento. Além disso, quando a criança é matriculada no contraturno, esse recurso dobra, se chama dupla matrícula”, detalha.

Ela acrescenta ainda que a falta de estrutura adequada nas escolas é um obstáculo para a inclusão, pois apesar aumento do número de escolas com esses espaços, muitas ainda não são equipadas com materiais pedagógicos e tecnologias assistiva para atender às necessidades dos estudantes com deficiência. Algumas escolas do município já receberam repasses do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), que destina R$ 20 mil para acessibilidade, valor suficiente para estruturar esses espaços, pontua Ana Paula. Ela avalia que a adequação das salas de recurso poderia ser mais facilmente custeada se as escolas ofertassem o AEE em contraturno, tendo em vista que o recurso do Fundeb seria duplicado.

A mobilização do coletivo já resultou em algumas conquistas, como a revisão do regime interno das escolas e mudanças nas diretrizes da educação especial no município. Porém, os mesmos problemas voltam a aparecer no início de cada ano letivo. “Conseguimos alguns avanços no ano passado, mas agora estamos de novo enfrentando os mesmos desafios. Falta vontade política para construir uma inclusão de verdade”, afirma Ana Paula.

Na audiência desta sexta-feira, a professora Cínthia Oliveira, secretária da Secretaria de Inclusão Acadêmica e Acessibilidade (SIAC) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), vai orientar as famílias sobre o AEE e os direitos educacionais das crianças com deficiência. “Nós percebemos que muitos pais acham que a escola está fazendo um favor para eles. Queremos deixar claro para as famílias que é um direito das crianças estar no AEE e receber todo o suporte, sabendo que não é um favor, que a escola está recebendo a mais por isso”, reforça Ana Paula.

Diante das reivindicações, a expectativa das famílias é de que a prefeitura apresente medidas concretas para garantir o Atendimento Educacional Especializado (AEE) de forma adequada, utilizando os recursos do Fundeb de maneira transparente e eficiente. Além disso, há uma pressão para que a Câmara Municipal acompanhe a situação de perto, promova debates e fiscalize as ações do Executivo.

Outro ponto da mobilização é a reivindicação pela reativação da Comissão Especial de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência. O coletivo defende que a comissão tenha participação efetiva dos pais e responsáveis por estudantes com deficiência, a fim de garantir que as políticas públicas sejam elaboradas e implementadas com base nas necessidades reais da comunidade.

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