A evolução da pandemia da Covid-19 no Espírito Santo está longe de atender aos indicadores epidemiológicos estabelecidos pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) para que seja considerado possível controlar os surtos previstos de acontecerem com a reabertura das escolas.
A última avaliação, feita pelo doutor em matemática e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Etereldes Gonçalves Junior, mostra um crescimento da média móvel de casos e da velocidade de transmissão (Rt) ao longo de todo o mês de setembro.
O professor ressalta que os “indicadores epidemiológicos para a reabertura de escola da Fiocruz não são indicadores sanitários”, estes, relacionados a quais medidas as escolas devem tomar. “O documento da Fiocruz também traz esses protocolos e medidas, distanciamento, máscara, álcool em gel, transporte escolar, mas antes, tem que haver condições epidemiológicas de reabertura. É preciso distinguir as duas coisas”, explica.
Como já explanado em reportagem deste Século Diário nessa terça-feira (28), o Espírito Santo
atende a apenas dois dos sete indicadores da Fiocruz, não havendo, portanto, condições epidemiológicas minimamente seguras para permitir que mais de um milhão de pessoas, entre alunos, professores e servidores, voltem para as salas de aula.
Nessa quarta-feira (30), chegou a 535 a média de novos casos/dia, mais do que os 425 registrados no dia 25 de setembro. O valor atual já é 12 vezes maior que o estabelecido no primeiro indicador da Fiocruz, que é de 1 caso novo por dia por 100 mil habitantes, o que representa, considerando a população capixaba, 42 casos novos por dia.
O segundo indicador também vem piorando. Ao invés de menos de 0,5 de taxa de transmissão (Rt), o Estado já chegou a 0,89. O terceiro também não é atendido porque a ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) exclusivos para Covid é de 44% e não 25%. O quarto indicador é atendido, pois o prazo previsto para o esgotamento do sistema de saúde, caso haja aumento dos casos graves, é superior a 57 dias. E o quinto também, pois a redução do número de óbitos e casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) é de 43% até agora, maior que os 20% indicados.
O sexto indicador também não é atendido pelo Estado. Ele calcula a positividade, ou seja, o percentual de pessoas positivas no total de pessoas testadas. Essa positividade precisa ser menor do que 5%, segundo a Fiocruz, o que não é a realidade capixaba, mesmo com a robusta ampliação da capacidade de testagem do Laboratório Central (Lacen), para até 2,5 mil testes PCR por dia. Igualmente o sétimo, pois não há condições de identificar, testar, isolar e monitorar todos os novos infectados.
Mesmo assim, o governo do Estado autorizou o retorno de toda a educação básica, da educação infantil até o ensino médio, a partir da próxima segunda-feira (5) para a rede privada, e a partir do dia 13 para as redes públicas estadual e municipais. A autorização para a rede privada foi suspensa pela Justiça do Trabalho nessa quarta-feira (30), por meio da decisão liminar da juíza Alzenir Bollesi de Pla Loeffler, da 13ª Vara do Trabalho de Vitória, atendendo à ação movida pelo Sindicato dos Professores do Espírito Snto (Sinpro-ES).
De posse da análise negativa da situação epidemiológica do Espírito Santo frente aos indicadores da Fiocruz, o matemático também contesta a alegação de que a reabertura das escolas é necessária para receber os filhos da classe trabalhadora, que hoje estão com avós e vizinhos durante o expediente de trabalho dos pais e mães.
“A gente tem condição de atendê-los em tempo integral, durante todo o período em que os pais estão trabalhando? Se não, no contraturno da escola, eles vão ficar com quem? Se continuarem com os avós, estamos aumentando o risco de contaminação dos idosos. Hoje, o único vetor de contaminação são os pais, se os filhos voltam pra escola, é claro que o risco aumenta”, explica.
O secretário alegou que o governo está reabrindo as escolas para atender à classe trabalhadora. “A classe média tem as suas formas de se proteger. Os filhos da população mais vulnerável, da classe trabalhadora, que voltaram a trabalhar, vão pra onde? Uma secretária do lar vem cuidar do filho da família de classe média e deixa os próprios filhos com o vizinho. A conquista da creche, da escola, foi uma conquista histórica da classe trabalhadora. E nós temos um contexto de retomada geral das atividades”, disse Nésio.
Em resposta, Alessandra disse que o mesmo argumento foi usado em Manaus e ela não deseja que aconteça aqui o mesmo que no Amazonas. “Essa concepção de que tudo voltou e que os filhos precisam de um lugar para ficar, remete a uma fala que sempre é muito pejorativa, de que a escola é um depósito de crianças. A escola é um espaço de interação, de aprendizagem, de vivência social. Para nós é um lugar muito importante, e hoje os professore e alunos que voltaram para as escolas não podem ter essa interação tão defendida pelo poder público. Aqueles que não respeitam os protocolos colocam outras pessoas em risco. A escola não pode ser vista como um lugar onde você coloca seu filho enquanto você trabalha! Quando nossas crianças adoecerem elas vão procurar o SUS! [Sistema Único de Saúde]”, ponderou a coordenadora sindical.
Para Etereldes, é preciso refutar também a alegação de que apenas 25% dos estudantes devem voltar em outubro, com as liberações. “Quem vai retornar então? São os pais que estão tomando todas as medidas sanitárias indicadas pelas autoridades, inclusive do governo, acreditando que o governo está tomando todas as medidas? Se o governo diz que é seguro voltar, esses pais devem acreditar no governo? Se disserem que sim, obviamente, não serão 25%. Se disserem que não, estamos dizendo que a escola está sendo aberta justamente para os negacionistas, que já estão levando seus filhos à praia, aos shoppings, já estão vivendo uma vida normal. E é justamente o comportamento dessas pessoas que dificulta o enfrentamento da pandemia. Então para qual grupo estamos abrindo as escolas? Para os negacionista ou pra aqueles que estão confiando no governo e nas autoridades sanitárias? Esse é o pior argumento”, disse o matemático.
Contradição
Na sessão legislativa dessa quarta-feira (30), o deputado Sergio Majeski (PSB) chamou atenção ainda para a contradição posta pelo governo do Estado, que, por um lado, prorroga o estado de calamidade por mais 180 dias, até março de 2021, em função da pandemia de SARS-CoV-2, e, por outro, autoriza o retorno das aulas, afirmando haver segurança para tal.
“Ora, se nós já podemos retornar com as aulas, segundo a Secretaria de Estado de Educação, se as atividades já estão quase todas normalizadas, então para que prorrogar por mais 180 dias o estado de calamidade? Há uma contradição nisso”, pontuou.
O parlamentar voltou a enfatizar também o silenciamento da voz dos professores. “Os professores mal participaram da formulação de protocolos e quaisquer outras decisões sobre volta às aulas”, repudiou, lembrando que o professor é talvez quem mais estará exposto a riscos numa possível reabertura das escolas. “Os alunos estarão na mesma sala e em tese mesmo grupo. O professor não, tem que mudar de sala de 50 em 50 minutos, depois ir pra outra escola. E até agora sequer foi feito um mapeamento do número de professores que estão em grupos de risco. Tampouco houve mapeamento dos alunos”.
Os professores, enfatizou Majeski, são os que mais querem voltar para a escola, ao contrário do que muitos dizem, de que a situação da categoria está cômoda porque estão dentro de casa recebendo salário sem trabalhar. “Estão passando por uma situação muito difícil, se virando de ponta cabeça para dar conta das aulas remotas, sem equipamentos nem treinamento específico. O estresse que os professores estão vivendo é imenso! Se os professores voltarem, adoecerem e morrerem, ninguém parece estar preocupado com isso”.
O deputado salientou ainda que a categoria “deveria ser a primeira a ser ouvidas, porque sabe como uma escola funciona, como os alunos se comportam, o que as escolas têm, e a capacidade de executar atividades e protocolos”, rogou, finalizando com a afirmação de que “esse protocolo formulado no Estado é cheio de lacunas e as escolas não estão preparados para esse retorno”.