Na véspera do Natal, quando as universidades estão em recesso, e sem consultar a comunidade acadêmica, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) publicou a Medida Provisória (MP) 914/2019, que está provocando polêmica. No entendimento de entidades representativas, a medida retira autonomia das universidades para construir seus processos eleitorais, ao fixar a obrigatoriedade de uma consulta com peso de 70% para os professores efetivos, contra 15% dos servidores e 15% dos alunos. A medida tende a favorecer o projeto de eleger mandatários alinhados com o bolsonarismo para comandar as instituições federais de ensino.
O caso da recente eleição para a reitoria da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) é emblemático e, se estivesse valendo a MP, é provável que a candidatura pró-governo Bolsonaro pudesse ser eleita, a despeito de não ser a preferida pela maioria dos vinculados à universidade.
Pode-se dizer que a comunidade acadêmica da Ufes praticamente deu um xeque-mate em Bolsonaro, deixando-o sem margem para eleger um reitor favorável a seu projeto. A candidata que seguia sua linha se recusou a participar da consulta informal a professores, servidores e estudantes, e se postulou estrategicamente apenas no Colégio Eleitoral, quando os representantes dos conselhos universitários votam uma lista tríplice a ser enviada para o presidente.
Na ocasião, os conselheiros conseguiram colocar no topo da lista a atual vice-reitora Ethel Maciel junto a dois professores que haviam apoiado sua candidatura como integrantes da lista tríplice. Assim excluíram não só a bolsonarista Surama Freitas, com apenas um voto, como a opositora Gláucia de Abreu, que teve 12 votos e que já havia sido derrotada por Ethel na consulta informal.
Bolsonaro ainda não sancionou a eleição, mas mesmo se não optar por Ethel, que liderou tanto a consulta à comunidade como o Colégio Eleitoral, terá que escolher um de seus apoiadores.
É contra esse tipo de movimentação que pode incidir a nova MP, pois extingue o papel do Colégio Eleitoral na indicação da lista tríplice final a ser encaminhada ao presidente, ficando responsável apenas por preparar o processo eleitoral no modelo fixado pelo governo federal. A tradição nas últimas décadas era de respeitar a votação da comunidade acadêmica e o presidente da República nomear o candidato mais votado, mas desde que assumiu o cargo, Jair Bolsonaro já indicou várias vezes segundos ou terceiros colocados da lista.
Assim, a nova regra elimina a independência dos conselhos e articulações como a que retirou Surama da lista tríplice, que mesmo com votação mínima poderia entrar, caso não houvesse mais que três candidaturas, o que teria sido o cenário na Ufes, não fossem os dois candidatos inseridos de última hora que ficaram com o segundo e terceiro lugar.
A votação pelo novo formato seria então apenas com consulta direta à comunidade acadêmica, contando com 70% de peso para a classe dos professores, que geralmente tem um voto mais conservador que dos estudantes, por exemplo. Assim, bastaria um terceiro lugar nessa eleição para que uma candidatura afim ao governo pudesse compor a lista e ser homologada para exercer mandato à frente de reitorias.
A Medida Provisória autoriza ainda, oficialmente, o presidente a não acatar o nome mais votado da lista tríplice de candidatos apresentada pela instituição, e determina como obrigatória a consulta à comunidade acadêmica para a formação da lista tríplice para reitor, feita, preferencialmente, de forma eletrônica.
O texto também diz que o cargo de reitor só poderá ser disputado pelos professores que ocupam cargo efetivo em cada instituição federal. O reitor poderá escolher o vice-reitor entre os demais docentes. Os campi serão dirigidos por diretores-gerais, que serão escolhidos e nomeados pelo reitor. Fica proibida a reeleição de reitores, assim como o professor que tenha substituído o reitor por mais de um ano não poderá concorrer na eleição seguinte. Os candidatos também não poderão ser enquadrados na Lei da Ficha Limpa.
A MP já está em vigor e tem prazo de vigência de até 120 dias. Porém, como o Congresso Nacional, que está de recesso até dia dois de fevereiro, esse prazo fica suspenso. Só ao retornar, os parlamentares devem apreciar e votar a continuidade da vigência da MP.
A deputada Margarida Salomão (PT-MG), presidente Frente Parlamentar Mista pela Valorização das Universidade Federais, questionou fortemente a necessidade de usar o recurso de uma MP para tal projeto e acionará a presidência do Senado e o Superior Tribunal Federal (STF) para derrubar o projeto. “É preciso registrar, ainda, que não há emergência, relevância nem qualquer outro requisito constitucional que justifique que a intervenção desenhada seja encaminhada através do instrumento Medida Provisória”.
A regras da MP também se aplicam aos institutos federais de ensino e ao Colégio Dom Pedro II, instituição de ensino público federal do Rio de Janeiro, um dos mais antigos colégios do Brasil.