Reunião com Reitoria reforça demandas históricas por inclusão
A inclusão de pessoas transgênero no ensino superior, por meio da implementação de cotas e políticas públicas de permanência na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), tem mobilizado estudantes e professores a pressionar a Reitoria. Em reunião realizada nessa segunda-feira (16), representantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE), do projeto de extensão Trans Encruzilhadas e docentes debateram as propostas com integrantes da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) e da Secretaria de Assistência Estudantil, buscando avançar na criação de ações afirmativas que garantam acesso e permanência de estudantes travestis e transexuais.

Após um ano de espera para ser agendada, a reunião contou com a participação da diretora de cultura do DCE, Duda Vicente dos Santos, extensionista do projeto Trans Encruzilhadas; do reitor, Eustáquio de Castro; da vice reitora, Sônia Lopes; do pró reitor da Pró Reitoria de Políticas Afirmativas Antônio Carlos Moraes; da servidora da Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidade (SAAD), Viviana de Paula Corrêa; e dos professores Jeffa Santana e Alexandro Rodrigues.
Duda apresentou a demanda por políticas voltadas ao combate da exclusão educacional e social dessa população. Como encaminhamento, a Reitoria se comprometeu a criar dois grupos de trabalho (GTs), um para discutir a implementação de cotas e outro para tratar de políticas de permanência estudantil. A convocação para os GTs está prevista para abril de 2025.
Apesar de a chapa eleita para a gestão universitária ter como um dos principais pontos de sua campanha o acolhimento a pessoas trans na Ufes, a representante estudantil aponta que a falta de recursos continua sendo um dos principais desafios para a implementação das políticas afirmativas. “Entender que a maioria de nós é expulsa de casa já é um avanço, mas precisamos de orçamento e efetividade. A Secretaria de Ações Afirmativas está trabalhando, mas não tem dinheiro para fazer”, ressaltou.

O movimento exige que a Ufes adote um compromisso com a inclusão dessa população, a exemplo de outras universidades que já implementaram cotas específicas, como a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), que desde 2017 reserva uma vaga em cada curso para transexuais, e a Universidade Federal do ABC (UFABC), que destina 40 vagas ao grupo desde 2019.
Entre as reivindicações do grupo, destacam-se a reserva de vagas específicas em todos nos cursos de graduação e a criação de um edital de vagas suplementares para a população trangênera. “Levamos a proposta do edital de vagas suplementares, aquelas que surgem quando alguém abandona o curso ou troca de universidade. A ideia inicial era garantir pelo menos uma vaga em cada curso para pessoas travestis e transexuais”, explicou.
A representante do coletivo Trans Encruzilhadas também destaca que é fundamental garantir mecanismos de permanência, como bolsas de estudo, moradia estudantil e acesso a serviços de saúde mental e apoio pedagógico, considerando o perfil de exclusão e vulnerabilidade de pessoas trans. Ela também aponta a necessidade de ampliar as cotas para a iniciação científica e a graduação, chamando atenção para as desigualdades no acesso a essas etapas formativas.
Segundo Duda, a falta de políticas afirmativas na graduação e na iniciação científica dificulta o acesso dessa população ao ensino superior, uma vez que as cotas existentes apenas na pós-graduação não são suficientes para alcançar a população em situação de maior marginalidade, permanecendo restritas a uma parcela mais privilegiada. “Isso já garante o ingresso de algumas pessoas na pós-graduação, mas quem são elas? Pessoas trans brancas da elite, e não travestis negras, que muitas vezes estão na prostituição”, pontuou.
Durante a reunião, representantes da Reitoria informaram que estudam a criação de um edital específico para pessoas transgênero e mencionaram a possibilidade de uma moradia estudantil destinada a esse público a médio e longo prazo. Apesar dos avanços, a diretora do DCE cobrou prazos e ações concretas. “Nós saímos dessa reunião que demorou um ano para acontecer, e agora vamos tensionar para que no meio do ano já tenhamos um edital de vagas adicionais. As cotas trans ainda não foram aprovadas, mas demos um passo histórico”, considera.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o sistema de cotas representa um mecanismo prático que minimiza as desigualdades entre indivíduos, com o propósito de possibilitar que todos tenham acesso aos seus direitos. Em nota técnica, o Ministério da Educação (MEC) destacou que as universidades têm legitimidade para adotar cotas específicas para pessoas transgênero e orienta que a medida seja acompanhada por políticas de permanência e empregabilidade, garantindo a conclusão da graduação e o acesso ao mercado de trabalho.
De acordo com dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), apenas 0,1% dos estudantes matriculados nas universidades federais se declararam pessoas trans. Em 2019, somente 12 das 63 universidades federais brasileiras haviam adotado políticas de cotas específicas, o que corresponde a apenas 19% do total. Um levantamento do Centro de Estudo de Cultura Contemporânea (Cedec), realizado em 2021, também revelou que 51% das pessoas trans não concluem o ensino médio e apenas 27,1% completam o ensino superior. Além disso, a precarização do mercado de trabalho contribui para a vulnerabilidade social: 90% das travestis e mulheres trans entrevistadas afirmaram viver da prostituição, e 72% realizam trabalho informal.