Pressionado por movimentos sociais, São Mateus é um dos municípios que rejeitam o TAG do Tribunal de Contas
A mobilização das comunidades e dos movimentos sociais é o que sustenta as decisões dos municípios que já se posicionaram contrários a assinar o Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) proposto pelo Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES) ao governo do Estado e aos 78 municípios.
É o caso de São Mateus, no norte do Estado, um dos únicos cinco a rejeitarem o acordo, ao lado de Castelo, no sul, e, também no noroeste, Nova Venécia, Pinheiros e São Gabriel da Palha. O principal motivo é o risco real de fechamento de unidades de ensino no campo. Ao contrário do que apregoa a Corte de Contas, a reestruturação prevista no TAG não visa “acabar com a concorrência entre as redes municipais e estadual”, já que essa visão é equivocada, no entendimento técnico dos educadores e representantes dos movimentos sociais no Comitê Municipal de Educação do Campo.
“Não existe concorrência, existe falta de estrutura para atender todo mundo”, afirma a servidora municipal aposentada Rosileia Alves dos Santos, estudante de Licenciatura em Educação do Campo (Ledoc) no campus de São Mateus da Universidade Federal do Espírito Santo (Ceunes), militante e voluntária no Comitê Municipal de Educação do Campo.
Acompanhando as discussões sobre o TAG, Rosileia destaca a posição da prefeitura contra o termo, com base no posicionamento firme da sociedade civil dentro do Comitê. “O prefeito [Daniel da Açaí, sem partido] disse que não assina nada que possa implicar em fechamento de escola. Ele sabe que os movimentos sociais não vão permitir isso”, afirma.
Os números que circulam entre os militantes e educadores falam em quase 900 alunos dos anos finais do ensino fundamental hoje matriculados na rede estadual de ensino, que deveriam migrar para a rede municipal, conforme quer o Tribunal de Contas. “O município não tem condições de absorver esses alunos, o prefeito e a secretária [Marília Alves Chaves Silveira] sabem disso”.
Atualmente, São Mateus tem cerca de 60 escolas do campo, incluindo unidades multisseriadas, centro de educação infantil e escolas de alternância do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes). Seis delas são estaduais, estando localizadas em assentamentos da reforma agrária e territórios campesinos. Entre os vários caminhos que podem levar ao fechamento de uma escola que sofreu municipalização, explica a militante, está a redução de demanda.
Em uma das escolas de assentamento, por exemplo, a 13 de Setembro, são cerca de 35 dos anos iniciais do ensino fundamental e pouco mais de 40 estudantes dos anos finais. Ao se cumprir a divisão forçada do Tribunal de Contas, em que os primeiros são transferidos para a rede municipal e os demais continuam na estadual, a escola perderia quase metade das matrículas, o que seria um grande estímulo – conforme mostram situações semelhantes ocorridos nas últimas décadas em todo o Estado – ao fechamento da unidade e envio dos estudantes restantes para a escola urbana mais próxima. “Tendem a fechar. Se já não está investindo agora, com menos alunos, eles costumam achar mais fácil colocar os estudantes no transporte e levar pra cidade”, testemunha.
Nessa segunda investida do TCE, cujo prazo vence no final deste mês, os movimentos sociais continuam firmes na mobilização, para que o município mantenha sua posição. “O Tribunal enviou uma notificação pedindo pra que a secretaria informasse como estava o processo de análise do TAG e quais os encaminhamentos. Sabemos que a secretária pontuou várias questões em que há muitas dúvidas e que o TAG não esclarece. Disse que não dá para assinar algo ‘no escuro’, sem garantia de que não vai acabar em fechamento de escola. Continuamos acompanhando”, afirma Rosileia.
Fragmentação da mobilização
Representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Comitê Municipal de Educação do Campo, Romulo de Araújo Primo acrescenta outro aspecto que preocupa os movimentos sociais, que é a fragmentação da gestão da educação do campo, hoje bastante concentrada na rede estadual.
“Quando é tratada por uma única instituição, a Secretaria Estadual de Educação, a gente consegue unificar a luta e seguir uma mesma linha. Quando vai para os municípios, descentraliza a questão e acaba perdendo força naqueles municípios onde a administração não vê a Educação do Campo como deve ser tratada, voltada para o campo de fato, respeitando as especificidades do meio rural, onde não basta a sala de aula, há toda uma vivência por trás do dia a dia dos alunos”, expõe.
Especificamente em São Mateus, Romulo destaca que o município tem dificuldade para garantir a qualidade hoje presente nas escolas estaduais. “Desde o espaço, limpo e arejado, até infraestrutura, com espaço para atividades fora de sala de aula, e ainda transporte público, merenda escolar…são coisas que trazem receio para a gente”.
No meio urbano, a situação pode ser até mais frágil, avalia. “A Egidio Bordoni, por exemplo, é uma escola de referência no Estado, tem uma estrutura boa, alimentação de qualidade, a gente sabe que o município não vai dar sequência a esse trabalho, se for municipalizada, isso, pelo que a gente vê nas escolas municipais de São Mateus, que não têm essa forma de trabalho. Mas enquanto no campo está muito forte a mobilização dos movimentos sociais, na parte urbana não tem tanta, as famílias ficam muito sozinhas e acabam não conseguindo garantir seus direitos”.