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‘Não vamos aceitar que nossas crianças sejam retiradas da comunidade’

Floresta do Sul pede diálogo com Prefeitura de Pedro Canário e TCES sobre fechamento de 62% da oferta 

Como alertado há um mês pelo Comitê de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces), seguem a todo vapor as graves ameaças de fechamento de escolas do campo capixabas. O grito de socorro desta vez vem de Floresta do Sul, comunidade localizada no interior de Pedro Canário, extremo norte do Estado, e é referente à Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) homônima.

Nessa quinta-feira (9), estudantes, pais de alunos e moradores da comunidade realizaram um protesto na frente da escola, conseguindo assim realizar uma reunião, na quadra, com o diretor, Gastão Santos da Cunha, o secretário municipal de Educação, Everton Riazor Meira Pestana, o superintendente regional de Educação (SRE) de São Mateus, Jailson Mauricio Pinto, e outros gestores da SRE.

“O grupo tomou ciência dessa agenda do diretor com o secretário e a superintendência e fez a manifestação na porta da escola. Foi só aí que chamaram a comunidade para conversar”, relata Vanderlei Rebonato, pai de aluno e funcionário da escola. Ele conta que a comunidade não havia sido comunicada formalmente até então sobre a municipalização e fechamento.

“Sempre escutamos boatos, mas nunca fomos informados. Nosso questionamento sempre foi esse: por que nunca se buscou informar a comunidade sobre possível mudança, impactos que aconteceriam na comunidade? Hoje, só depois dessa mobilização, que fomos escutados”, protesta.

Protesto contra municipalização e fechamento de turmas da EEEFM Floresta do Sul. Foto:Divulgação

Durante a reunião, Vanderlei conta que os gestores disseram que a decisão de municipalizar a escola e fechar o ensino fundamental 2 e o ensino médio foi tomada em 2022 e não será revista. “Disseram que o termo foi assinado pelo prefeito [Bruno Araújo, do Republicanos] e que não tem como mudar. O secretário falou que ‘a gente foi obrigado pelo Tribunal de Contas a assinar o termo, porque ou assinava ou sofria sanção'”, relata. “A escola vai ofertar somente do 1º ao 5º ano em 2024, porque do 6º em diante e o ensino médio não serão mais ofertadas para a comunidade. Os estudantes serão alocados em outras escolas, mas não disseram onde”, acrescenta.

Floresta do Sul possui cerca de 1,1 mil habitantes e dista 16 km da sede de Pedro Canário, conta o pai de aluno. Atualmente tem 125 alunos e 78 deles (62%) serão levados para outras comunidades. “A estrada é de chão e perigosa. Como vão colocar nossas crianças no transporte para outras escolas? E quando chover?”, questiona.

“Nossa escola existe desde 1961. Primeiro, ofertou de 1ª a 4ª série. Em 1985, do sexto ao nono ano. E em 2006, passou a ofertar o ensino médio. Foi uma grande conquista ter esse crescimento da escola; O ensino médio dentro da comunidade possibilita ao jovem ficar na comunidade, poder trabalhar meio período, ter uma renda, ajudar a família na roça. A maioria dos estudantes aqui tem vínculo com agricultura. Eles vêm para a escola de manhã, e após o meio-dia vão fazer um serviço na roça com a família ou trabalhar com alguém para ganhar o trocadinho dele”, descreve Vanderlei, tocando em um ponto fundamental para as comunidades rurais.

Amor à terra

O fortalecimento da educação do campo é uma política pública central para a qualidade de vida das populações rurais e a própria sobrevivência da agricultura familiar, como bem explicou o secretário municipal de Educação de Santa Maria de Jetibá, na região serrana, Geraldo Thomas, ao falar com Século Diário sobre as razões pelas quais o município não assinou a TAG do TCE.

“Uma situação que pontuei no ano passado é que a economia do município de Santa Maria passa pela agricultura. Se eu desvincular essa criança do campo, vou condenar o município, porque vou retirar receita do município, e também reduzir a produção de alimentos para todo o Estado. Quando eu retiro a criança do campo, desvinculo ela dessa realidade, em poucos anos, dez, treze anos, ele não retorna mais para o campo. Nós estamos olhando para o futuro”, expôs, na ocasião, o secretário.

O município é referência em educação do campo, com o maior número de unidades escolares mantidas pela prefeitura, tendo realizado um movimento contrário ao que ocorreu nas demais cidades capixabas em ondas sucessivas a partir dos anos 1980: ao invés de fechar, abriu mais e mais escolas do campo, sempre atendendo às demandas das comunidades rurais. Não são isolados os casos em que as próprias famílias participam da construção e manutenção das escolas e toda ameaça ao ensino é recebida com pronta e intensa mobilização popular.

Uma frase resume a perspectiva da população sobre a educação do campo e que é acatada historicamente pelos gestores do município vem da professora Marineuza Plaster Waiandt: “Se a criança não cresce no meio rural, não vai ter amor à terra, não vai voltar”, disse em junho a professora aposentada, especialista em Educação do Campo na comunidade de Alto Santa Maria e contadora de histórias pomeranas.

Contação de histórias pomeranas pela professora Marineuza Plaster Waiandt. Foto: Arquivo pessoal

O sentimento é compartilhado também em Pedro Canário, como bem posiciona a também professora Geysa Frinhani Brito, moradora de Floresta do Sul. “Nós, pais, não vamos aceitar que nossas crianças sejam retiradas da comunidade. Como mãe de uma criança que futuramente vai ser aluna da escola e moradora da comunidade, eu entendo que há um descaso do prefeito com a gente, porque ele não abriu nenhuma agenda para nos receber. A gente sabe que tem prefeitos que não assinaram, então tem outras formas de lidar com esse TAG do Tribunal de Contas”, afirma.

‘A ditadura já passou’

A intenção, conta Vanderlei, é protocolar uma ação civil pública (ACP) no Ministério Público e oficiar o Tribunal de Contas. “Também solicitamos uma agenda com o prefeito e vamos tentar chegar ao governo do Estado”, elenca. “A gente não pode aceitar tudo o que vem de lá para cá, não. A monarquia e a ditadura já passaram”, metaforiza.

Vanderlei lembra de outras mobilizações realizadas por Floresta do Sul. “Fui presidente da associação de moradores por doze anos. Já fizemos muita luta, já brigamos em frente à prefeitura, fizemos manifestação em pista, já bloqueamos estradas, já brigamos por questão da água. Tudo surge um efeito”. Sobre a escola, será a primeira vez. “Há uns quatro anos que tem vindo essa questão, a gente ouve os boatos, de que o número de alunos é pequeno…a ideia do Estado é sempre encher turma para reduzir gastos, a gente sabe, mas nunca tinha chegado a esse ponto de querer fechar”.

Ele também cita um projeto de lei do deputado Callegari (PL) arquivado há poucos dias na Assembleia Legislativa, que buscava proteger as escolas do campo dos desmandos dos gestores. “O projeto do Callegari previa que, para acontecer a municipalização, era item obrigatório fazer audiências públicas com a comunidade e os estudos de impactos, principalmente em zonas rurais. Mas foi vetado, só teve sete votos a favor”.

‘Invasão de competência’

Segundo informações da Assembleia, o relator do PL 855/2023 na Comissão de Constituição e Justiça, Mazinho dos Anjos (PSDB), ofereceu parecer pela inconstitucionalidade do texto, sob o argumento de invasão da competência do Executivo, sendo seguido pelos integrantes do colegiado e, posteriormente, pelo Plenário. O tucano alegou vício de iniciativa e interferência nas competências do Poder Executivo.

PL do deputado Callegari teve apenas sete votos a favor. Foto: Mara Lima/Ales

O autor da proposta discordou do posicionamento do relator e argumentou que os deputados têm o dever de estabelecer limites às ações do Estado. “É direito de pais, mães e professores discutirem sobre o futuro da educação dos filhos. Se eles vão estudar numa escola municipal ou estadual. A maior parte prefere a rede estadual”, disse Callegari.

Ele ainda criticou o Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) do Tribunal de Contas (TCES), que transfere escolas que ofertam ensino fundamental do Estado para os municípios. Para o parlamentar, a Corte de Contas “exorbitou” das funções dela. Também relatou que prefeitos sofreram pressões para aderir ao termo.

Adilson Espindula (PDT), de Santa Maria de Jetibá, também criticou o TAG do TCES. O pedetista considerou o documento uma “ingerência” do Tribunal contra os municípios. “Santa Maria de Jetibá não assinou, pois teria que receber 3,2 mil alunos. Não tem espaço físico nem logística. Quem aderiu vai se arrepender ou já está retirando a assinatura”, destacou.

Outra que se manifestou sobre o tema foi Camila Valadão (Psol), que propôs à Casa um PL para criação do Observatório da Educação do Campo. Ela falou que cobrava debate do governo com as comunidades antes de decidir pela municipalização de uma escola e que muitas pessoas estavam com medo do fechamento de unidades. Salientou, ainda, que muitas cidades capixabas não teriam recursos para manter as estruturas.

Também debateram o assunto o deputado Theodorico Ferraço (PP) e as deputadas Janete de Sá (PSB), que presta apoio à luta da comunidade de Vinhático, em Montanha, contra a municipalização da escola local, e Iriny Lopes (PT), que pediu um novo modelo de municipalização das escolas, com a escuta das comunidades envolvidas e uma regra de transição para as cidades se adequarem.

Mobilizações

Além de Floresta do Sul e Vinhático, outras comunidades que lutam contra a municipalização e consequente fechamento de turmas e escolas são a quilombola Graúna, em Itapemirim, no sul do Estado, que conseguiu reverter o processo com o prefeito, Doutor Antônio (PP) e ao governador Renato Casagrande (PSB).

Protesto da comunidade quilombola de Graúna na Assembleia Legislativa. Foto: Divulgação

Já na também quilombola Chiado, em São Mateus, o prefeito Daniel da Açaí (sem partido), ainda não atendeu ao pleito, e várias comunidades rurais de São Gabriel da Palha estão na mesma situação.

A assinatura oficial do TAG aconteceu durante um evento fechado, realizado em junho no auditório do Tribunal de Contas, quando recebeu a adesão de 55 municípios, com 23 se recusando a aderir ao acordo. Na ocasião, duas palestras foram proferidas, por municípios consideradas referência para o TAG do TCE: Sobral, no Ceará, que fechou mais de metade de suas escolas e gasta R$ 2 milhões por mês com transporte escolar, e Oieiras, no Piauí, que também fechou quase 60% da rede municipal. Do lado de fora, mais de uma dezena de movimentos sociais, impedidos de entrar no auditório, realizaram um protesto contra o TAG.

Mais de uma dezena de movimentos sociais protestaram na escadaria do TCE contra o TAG e foram impedidos de entrar no auditório. Foto: Sumika Freitas

Desde então, alguns se manifestaram publicamente arrependidos, afirmando terem sido levados a assinar o termo sem o devido conhecimento dos impactos, como Doutor Antônio (PP), em Itapemirim.

Outros sequer assinaram, como Tiago Rocha (União), de São Gabriel da Palha, mas também têm utilizado o TAG como justificativa para fechar turmas e escolas inteiras para o ano letivo de 2024. A mesma dinâmica acontece desde 2022, quando o TCE iniciou a empreitada de aprovar o termo com os municípios, com apoio tácito da Secretaria de Estado da Educação (Sedu). De pronto, alguns prefeitos já fecharam escolas sob o condão do ainda não oficial Termo, como Lastênio Cardoso (Podemos), de Baixo Guandu e Gedson Paulino (Republicanos), de Iconha.

Na contramão

A nova onda de municipalizações e fechamentos de escolas do campo no Espírito Santo contraria encaminhamentos feitos em âmbito estadual e nacional, com a aprovação, em dezembro passado, das Diretrizes Estaduais da Educação do Campo pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) e, em agosto, das diretrizes curriculares da Pedagogia da Alternância pelo Ministério da Educação (MEC).

Na verdade, essas e outras propostas do TAG caminham na contramão do que há de mais moderno no mundo, conforme demonstrou Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “O que se faz aqui no Espírito Santo, Ceará, Pernambuco e outros estados, é um ‘museu de grandes novidades’. Vitor de Angelo e demais gestores estaduais sequer têm consciência de que estão reproduzindo o projeto de reforma econômica da educação que está sendo revertido nos Estados Unidos e na Europa”.


‘Preferem fechar as cinco turmas ou toda a escola?’

Comunidade quilombola Córrego do Chiado denuncia violência da gestão de Daniel da Açaí contra escola


https://www.seculodiario.com.br/educacao/preferem-fechar-as-cinco-turmas-ou-fechar-toda-a-escola

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