sábado, novembro 23, 2024
22.1 C
Vitória
sábado, novembro 23, 2024
sábado, novembro 23, 2024

Leia Também:

No campo, ‘reordenamento’ da rede significa fechar escolas, denuncia MST

A não municipalização das escolas do campo é pauta da Jornada em Defesa da Reforma Agrária, em Vitória

Redes sociais

A não municipalização de escolas do campo é uma das bandeiras defendidas na Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária, que, na capital capixaba, foi transferida para esta última semana de abril, iniciando nesta quarta-feira (27) até o Dia Mundial do Trabalhador, no próximo domingo (1). 

Sob o lema “por terra, teto e pão”, a Jornada contemplará mobilizações populares e reuniões com gestores públicos, com a participação de famílias acampadas e assentadas de vários municípios. A pauta principal é a desapropriação e aquisição das terras patrimoniais para a reforma agrária e, a partir dela, demais reivindicações para promover melhorias nas áreas de acampamentos e assentamentos, sendo a manutenção e fortalecimento das escolas do campo um ponto central na saúde e resiliência das comunidades rurais.

Redes sociais

O diálogo direto com o Palácio Anchieta sobre o assunto teve início ainda na última sexta-feira (22), quando o governador Renato Casagrande (PSB) esteve em Pinheiros, norte do Estado, para a entrega de obras e o anúncio de novos investimentos. 

Na ocasião, educadores que atuam em escolas do campo em áreas de assentamento do município e região entregaram pessoalmente a Casagrande uma Carta Coletiva, acompanhadas de uma faixa contra a municipalização da rede de ensino fundamental no campo. 

“Para o MST, esta é uma ofensiva para o enfraquecimento e fechamento de diversas escolas do campo no Espírito Santo. Educação do Campo, direito nosso, dever do Estado!”, afirmou o movimento em suas redes sociais.

Redes sociais

Segundo a organização, apenas considerando escolas do campo ligadas ao MST, 26 delas, em 13 municípios, estão ameaçadas de municipalização, a maioria delas na Superintendência Regional de Educação de Nova Venécia, no noroeste do Estado. 

“Os municípios estão sendo pressionados pelo Tribunal de Contas [TCE-ES] a assumirem as escolas estaduais a partir de 2023”, aponta Murilo Nunes, da coordenação do setor de educação do MST/ES, explicitando as consequências práticas da orientação que tem sido dada pelo TCE ao governo e às prefeituras, sob o nome de “reordenamento” das redes escolares, para “evitar a concorrência entre estado e municípios”. 

“Na verdade, para nós do campo, esse ‘reordenamento’ significa fechamento de escola, pois o TAG [Termo de Ajuste de Gestão, proposto pelo TCE-ES] não leva em consideração as especificidades da realidade do campo, principalmente em relação ao número de educandos, à multisseriação e ao projeto pedagógico”, explica o educador. 

O governo, prossegue, “também não está levando em consideração essa realidade”, o que ainda pode ser corrigido. “Cada estado e município pode ajustar [esse reordenamento] de acordo com sua realidade. Já entregamos uma carta ao governador, conversamos com a vice-governadora [Jacqueline Moraes, PSB], vamos nos reunir com o secretário [de Educação, Vitor de Angelo], já reunimos o Comitê Estadual de Educação do Campo [Comeces]. Agora é ouvir a devolutiva do Estado para pensar as estratégias”, expõe o coordenador.

TAG

O Termo de Ajuste de Gestão (TAG) teve sua minuta aprovada pelo plenário do TCE no dia oito de março, com previsão de que, em trinta dias, Estado e municípios pudessem apresentar suas contrapropostas para futura assinatura entre o governo do Estado e os 78 municípios capixabas. 

“Na minuta do TAG, o Tribunal propõe que ocorra a eliminação da concorrência dos municípios e do Estado em relação à oferta dos anos finais do Ensino Fundamental até 2023, que seja feito um plano para o reordenamento das redes de educação básica no território municipal, entre outras medidas”, ressaltou o órgão na ocasião.

A proposta do TAG foi apresentada pelo relator do processo, conselheiro Rodrigo Coelho, e acompanhada por unanimidade pelo plenário, que anunciou a previsão de realizar audiências públicas para promover uma definição consensual sobre o TAG entre TCE e municípios. A expectativa é de que a assinatura aconteça no próximo mês de maio. 

Fechamento em massa de escolas 

Há um ano, em março de 2021, o mesmo conselheiro Rodrigo Coelho afirmou a Século Diário que “não há orientação do Tribunal de Contas para nucleação”, ao comentar o lançamento de um estudo realizado sobre a infraestrutura das escolas públicas da educação básica nos 78 municípios capixabas. 

“O Tribunal não opinou sobre a decisão de nuclear que os gestores têm feito. Isso é ato discricionário deles. A nucleação é uma decisão política, administrativa e pedagógica, que não é orientada pelo Tribunal de Contas. O máximo que o Tribunal faz é dizer para os gestores: com base na oferta e observadas as concorrências, estude a reorientação da sua rede. Mas nesses casos, há que se observar os critérios pedagógicos, o que não está sob nosso controle”, argumentou, tentando esquivar do órgão a corrresponsabilidade pelo intenso fechamento de escolas do campo que assola as comunidades rurais capixabas há mais de uma década, refletindo uma tendência nacional que vem desde os anos 1990.

Apenas entre 2005 e 2015, o triste fenômeno atingiu quase um terço das unidades brasileiras existentes para atender ao povo do campo, segundo levantamento feito pelo Programa Nacional de Educação em Áreas de Reforma Agrária (Pronera) em 2015, com base no Censo Escolar do Ministério da Educação (MEC) e nos dados da II Pesquisa Nacional sobre a Educação na Reforma Agrária (PNERA). 

No Espírito Santo, o auge dessa prática ocorreu entre 1998 e 2003, avalia a Regional das Associações dos Centros Familiares de Formação em Alternância do Espírito Santo (Raceffaes), na publicação Cultivando a Educação dos Povos do Campo do Espírito Santo. Apenas entre 2008 e 2018, segundo o Comitê Estadual de Educação do Campo (Comeces), foram mais de 500 escolas fechadas

Transporte x qualidade das escolas

Um dos impactos resultantes, em grande medida, dessa política de nucleação/fechamento de escolas do campo, pode ser verificado, ressalta a Raceffaes, em um estudo de 2002 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC): o deslocamento para o meio urbano de grandes massas de crianças e adolescentes do campo: 48% dos alunos dos anos iniciais e 68,9% dos anos finais do ensino fundamental e mais de 90% dos alunos de ensino médio. 

A Regional evidencia ainda outro aspecto: o financiamento por parte do governo federal é falho, tanto pelo volume insuficiente quanto pelos critérios de distribuição para as prefeituras, que acabam por ter maior facilidade para obter recursos para o transporte escolar do que para a manutenção de escolas. E mesmo assim, sem garantir a qualidade necessário no serviço. O Comeces já recebeu muitos depoimentos sobre a existência de veículos circulando com especificações de segurança e qualidade abaixo do que consta na contratação feita pelos municípios. 

A inovação que emana do campo

Para além do retrocesso que significa o fechamento de uma escola, a nucleação de escolas do campo é ainda uma tendência de gestão que contraria os anseios por modernização da Educação como um todo, incluindo a urbana.

“Quando falamos de inovação do conhecimento e pensamento crítico, falamos de uma nova pedagogia. E a Pedagogia da Alternância, no campo, tem sido mais inovadora do que o que de melhor se faz na educação urbana”, salientou o doutor em Educação Daniel Cara, em fevereiro de 2021, quando foi o palestrante da aula inaugural do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). 

Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, vencedor do Prêmio Darcy Ribeiro em 2015, concedido pela Câmara dos Deputados em nome do Congresso Nacional, e uma das maiores referência na pesquisa e luta pelo direito à educação básica pública de qualidade no país, Daniel Cara desnudou as forças conservadoras que, ora explicitamente, ora subliminarmente, procuram minar a Pedagogia da Alternância e outras ferramentas de emancipação do povo mais humilde.

“Foi uma luta, uma resistência muito grande do Congresso para manter o financiamento da Pedagogia da Alternância na regulamentação do Fundeb [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica, ocorrida no final de 2020].”, lembrou, ressaltando uma “resistência específica contra movimento sociais como o MST, que advogaram em favor da questão, o que virou uma disputa de base meramente ideológica [de ruralistas e do agronegócio contra a agricultura familiar e a agroecologia]”.


‘Não há orientação do TCE para nucleação de escolas do campo’

Municípios devem considerar aspectos pedagógicos para além dos financeiros apontados pelo Tribunal de Contas, adverte Rodrigo Coelho


https://www.seculodiario.com.br/educacao/nao-ha-orientacao-do-tribunal-de-contas-para-nucleacao-de-escolas-do-campo

Mais Lidas