Projeto reforça medidas de segregação de PCDs comuns no ES. Enquete na Câmara Federal aponta 85% de rejeição
Uma mobilização nacional está formada para derrubar mais uma tentativa de atacar a Educação Inclusiva. O PL 3035/2020, de autoria do ex-deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), voltou a tramitar, trazendo à tona, novamente, o fantasma da segregação das pessoas com deficiência (PCDs) nas escolas brasileiras.
A mobilização já impediu que o projeto fosse votado em regime de urgência e agora fortalece o repúdio ao PL na enquete aberta pela Câmara dos Deputados, que neste momento, registra mais de 80% de votos na opção “Discordo totalmente”.
Na campanha para participação na enquete, as entidades abordam o histórico da legislação sobre Educação Inclusiva no Brasil, lembrando a ampla mobilização nacional que se posicionou firmemente contra o Decreto 10.502, publicado em outubro de 2020 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) e que trazia medidas semelhantes ao PL 3035/2020, e lembrando também que a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) foi publicada pelo Ministério da Educação (MEC) .
“Repudiamos a forma aligeirada, antidemocrática e desrespeitosa [em que o PL 3035/2020 foi trazido à tramitação na Câmara] não somente à população brasileira, mas também ao próprio STF [Supremo Tribunal Federal], que reconheceu a inconstitucionalidade do Decreto 10.502 e a legitimidade da PNEEPEI 2008 e ao presidente Lula, que em seu primeiro dia de mandato [em janeiro de 2023], revogou o Decreto 10.502 e prometeu que a PNEEPEI seria fortalecida por meio da recomposição da Secadi [Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão], extinta no governo anterior”, expõe a postagem, que pede pelo voto à opção “Discordo totalmente”.
Laudo não é obrigatório
No Espírito Santo, membros de entidades nacionais se somam à campanha pelo arquivamento do PL, que traz incentivos a medidas de segregação muito frequentes nas escolas capixabas, e pela plena vigência das políticas públicas alinhadas com os tratados internacionais e legislações já aprovadas no Brasil, após ampla discussão com os setores envolvidos, voltadas a uma educação para PCDs sob perspectiva realmente inclusiva.
“O PL pode reforçar aqui no Estado a presença de terapias como a Aba [Applied Behavior Analysis, ou Análise do Comportamento Aplicada], um método que virou uma indústria”, exemplifica o professor do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (CE/Ufes), Douglas Ferrari. “Muitas vezes os gestores escolares têm que impedir a entrada dessas terapias dentro da escola, muitas vezes determinadas pela Justiça, o que é ruim, porque não se deve tirar o aluno de dentro da sala de aula para fazer terapia”.
Outra medida irregular, no seu entendimento, e muito comum no Espírito Santo, é a exigência feita pelas escolas de um laudo médico para que o aluno com deficiência tenha acesso ao Atendimento Educacional Especializado (AEE). “Essa exigência se dá por um entendimento equivocado de uma normativa do MEC [Ministério da Educação] de 2009. Em 2014, ele teve lançar uma nota técnica [nº 4/2014] ressaltando que o laudo não é obrigatório. A criança não pode ter esse direito negado. Ela pode ingressar na escola ou no AEE sem laudo e, com o tempo, em conversa com a equipe pedagógica e avaliação médica, pode-se chegar ao laudo”, explica.
Integrante do Grupo de Trabalho 15 da Associação de Pós-Graduação em Educação (GT 15 da ANPEd), voltado à Educação Especial, o professor Douglas Ferrari ressalta trecho da Nota de repúdio do coletivo sobre o PL 3035/2020, em que é pedido aos deputados que não o aprovem.
É o caso da figura do “acompanhante terapêutico” (AT), que o projeto incentiva que tenha entrada permitida dentro da escola mediante laudo médico.
“Conforme o PL, esse acompanhante é recurso humano para a autonomia e inserção social do aluno que tenha dificuldades de transitar nos espaços sociais, ‘não possuindo qualquer função pedagógica ou vínculo trabalhista com a instituição de ensino’. Não há esclarecimentos sobre o vínculo e a extensão de atuação desse profissional. Ao afirmar que este não possui qualquer vínculo trabalhista com a instituição de ensino aponta para a terceirização e mesmo ao custeio por parte de famílias que tenham interesse e condições de prover esse profissional. Teremos categorias distintas de alunos? Os que podem e os que não podem pagar? Há uma desresponsabilização do Estado na oferta do atendimento especializado, com a defesa de um Estado mínimo de assistência social/educacional”, aponta o GT 15 da ANPEd.
Arquivamento
Outro documento em circulação nacional é o Manifesto 01/2023 da Comissão Nacional da Política de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (CNPEEI) – formada por representantes do Ministério da Educação, da academia, movimentos sociais e jurídicos -, que pede pelo arquivamento do PL 3035/2023, citando, entre outros pressupostos legais, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (PCDs).
O manifesto destaca a necessidade de combater a “indústria” da Aba, afirmando que “no autismo há um grande lobby de grupos ligados à Applied Behavior Analysis (ABA), ou Análise do Comportamento Aplicada, que é uma abordagem terapêutica que se concentra na análise e modificação dos comportamentos humanos, que se colocam uma abordagem científica, mas que tem sido eticamente questionada por pessoas autistas que foram a ela submetidas”.
E também cita a Nota Técnica 4/2014 do MEC, que afirma a não obrigatoriedade do laudo médico. “Não se pode exigir a apresentação de laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, para atendimento pedagógico e não clínico. A exigência de diagnóstico clínico dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação denotaria imposição de barreiras ao seu acesso aos sistemas de ensino, configurando-se em discriminação e cerceamento de direito”, explica o manifesto.
Signatários
Assinam o manifesto vinte entidades: Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça); Associação Brasileira de Pesquisa em Educação Especial (ABPEE); Associação Múltiplos pela Esclerose (AME); Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos (Anadep); Associação Nacional em Financiamento da Educação (Fineduca); Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa do Direito de Pessoas Idosas e Pessoas com Deficiência (Ampid); Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped); Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrapee); Associação Nacional dos Surdos Oralizados (Anaso); Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT); Conselho Brasileiro para Superdotação (CONBRASD); Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed); Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD); Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (Feneis); Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB); Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP); Instituto Rodrigo Mendes; Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB); União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME); União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).