O Novo Currículo das escolas estaduais, anunciado pela gestão de Renato Casagrande (PSB) em dezembro, foi aprovado pelo Conselho Estadual de Educação nesta terça-feira (5), o que tem despertado questionamentos da comunidade escolar. Profissionais da educação denunciam que entre os prejuízos que a mudança irá causar está a alteração da jornada de professores e estudantes, ultrapassando o turno de trabalho escolar, inclusive, sem ampliação salarial dos docentes.
O integrante do coletivo de professores Resistência & Luta Educação, Swami Bérgamo, explica que serão inseridos três itinerários formativos, que são Projeto de Vida, Estudos Orientados e Eletivas. Assim, seriam inseridas duas aulas de 50 minutos de cada uma dessas disciplinas, sendo retiradas matérias como as de Educação Física, Sociologia, Artes e Filosofia. Segundo Swami, os estudantes do matutino, por exemplo, entram às 7h e saem às 12h, com cinco aulas de 55 minutos. Com a mudança, passariam a sair às 12h25, com seis aulas de 50 minutos.
Swami destaca que, dessa forma, será preciso passar o turno matutino e adentrar o vespertino, o que impede, por exemplo, que os professores que trabalham em duas escolas possam se deslocar de uma para outra. Para os estudantes, um dos prejuízos é a possibilidade de afetar o horário de início do estágio, além de dificuldades com o transporte escolar. Nesse caso, um dos fatores apontados pelo Resistência & Luta é a possibilidade de a mudança de horário atingir também as escolas das prefeituras.
“E como fica o transporte escolar nos municípios onde este é compartilhado com a rede estadual? Essa mudança vai atingir o horário de entrada e saída das escolas municipais?”, questionam. Outra dificuldade será para quem depende de transporte coletivo, uma vez que se perderem o ônibus do horário no qual costumavam entrar na condução, terão que esperar o do próximo horário, que, muitas vezes, demora. As mudanças na grade curricular, e, consequentemente, na jornada, não causam mudanças somente no ensino Médio e em apenas um turno.
Isso se dá porque, de acordo com Swami, em uma escola na qual há ensino Médio e Fundamental, o segundo terá que se alinhar ao primeiro. O alinhamento, explica, é uma questão de organização, uma vez que a sirene que anuncia os horários de entrada, recreio e saída deve tocar em um único horário para não causar confusão. Quantos aos turnos, Swami relata que se as aulas do matutino terminarem às 12h30, as do vespertino poderão começar e terminar mais tarde, assim como no noturno.
Outra afirmação do coletivo é de que as novas disciplinas são desconhecidas dos professores. “Como ensinar algo para qual não fomos preparados já em fevereiro? Até que ponto, de fato, tais disciplinas são necessárias?”, questiona o Resistência & Luta. “Isso tudo em plena pandemia, sem vacinação, com um ano letivo que é uma continuidade do ciclo escolar iniciado em 2020, e com o Governo dizendo em impor o retorno das aulas presenciais de forma obrigatória para todas as famílias, mesmo mantendo ainda as atividades não presenciais”, afirmam.
O Resistência & Luta defende que o novo currículo não deveria vigorar este ano, devendo haver garantia de vacinação dos profissionais da Educação, antes do retorno das aulas presenciais. Em paralelo, acreditam, deveria ser feito o diálogo sobre o novo currículo com a comunidade escolar e ofertar a devida formação do magistério. “O Conselho Estadual de Educação poderia ter pautado tal sensatez ao governo. Este, por sua vez, ainda está em tempo de corrigir tal absurdo e evitar o caos nas escolas em 2021”, diz o coletivo.
Precarização do trabalho docente e privatização da educação
Nesta sexta-feira (8), a Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes) afirmou em seu site que as mudanças publicadas na Portaria 150-R, de 11 de dezembro, aumentam a precarização do trabalho e buscam a privatização do ensino público do Estado. “O documento alinha-se às contrarreformas educacionais aprovadas nos últimos anos, com destaque para a Base Nacional Curricular Comum [BNCC], a Nova Lei do Ensino Médio e a Política Nacional de Avaliação e Exames da Educação Básica”, diz a nota.
Para a Adufes, “as mudanças condenam jovens pobres a uma educação cada vez mais precária e instrumental. O resultado é o aprofundamento da dualidade educacional e do acesso desigual ao saber elaborado, sistematizado, que essa política impõe à classe trabalhadora. Estamos diante do aumento do fosso que separa os estudantes das escolas públicas em relação aos estudantes das escolas privadas”, destaca.
Educação pela Base também questiona novo currículo
Os questionamentos em relação ao novo currículo não partiram somente do Resistência & Luta. Outro coletivo de professores, o Educação pela Base, também se pronunciou assim que a mudança foi publicada na Portaria 150-R, de 11 de dezembro, com base na Reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017, no Governo Temer (MDB). Apesar de a mudança fazer parte da reforma, as gestões estaduais, porém, têm autonomia para fazer adequações, como afirma o professor Antônio Barbosa, integrante do Educação Pela Base.
“No terceiro ano tiraram Sociologia e Filosofia e colocaram duas aulas de Redação. Redação é importante? É. Mas para fazer uma, não é preciso somente saber qual é a estrutura de um texto. Tem que ter argumento, e isso é possibilitado, por exemplo, pelos estudos da Sociologia e da Filosofia”, defende Antônio. O docente explica que Projeto de Vida é uma disciplina prevista na Reforma do Ensino Médio, mas não é obrigatória. “Para que duas aulas de Projeto de Vida? Tinha possibilidade de tirar Projeto de Vida e colocar Redação”, destaca.
Para Antônio, a disciplina de Projeto de Vida faz com que o professor se torne coach. “Eu chamo essa disciplina de coaching. O professor virou coach. Ela traz uma lógica perversa. O bulling, por exemplo, não é tratado como algo social, pois é ensinado ao estudante como lidar com isso individualmente. Sobre mercado de trabalho, não se debate que ele está em crise, se diz que a pessoa tem que saber como se comportar em uma entrevista de emprego e outras ocasiões para conseguir trabalho”, lamenta.
Com a redução da carga horária, professores de Sociologia e Filosofia acabam sendo obrigados a lecionar a disciplina, diz Antônio. “A gente não foi formado para isso”, destaca. Outra crítica é em relação ao fato de que a disciplina deve ser lecionada com material didático do Escola Viva, que, de acordo com ele, é elaborado por empresas privadas. Ele salienta que professores de Artes e Educação Física serão prejudicados, mas poderão complementar a carga horária no ensino fundamental, ao contrário dos de Sociologia e Filosofia, disciplinas do Ensino Médio.