Sueli Alves Teodoro relata até escola arrombada para retirada de móveis. “Prefeitura diz seguir o TAG do TCE”
A gestão do prefeito Lastênio Cardoso (Podemos), em Baixo Guandu, noroeste no Estado, tem fechado escolas dos distritos rurais do município, sob a justificativa de que cumpre o Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) proposto pelo Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES).
A denúncia, que chegou a Século Diário de forma anônima por educadores mobilizados no Comitê de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces), foi confirmada pela vereadora Sueli Alves Teodoro (PCdoB).
Com base em reuniões que participou junto de comunidades afetadas e em relatos recebidos por professores e moradores, ela estima que ao menos nove Escolas Municipais Unidocentes de Educação Infantil e Ensino Fundamental (EMUEIEFs) já tenham sido fechadas nos últimos dois meses, totalizando pouco mais de 70 estudantes. São elas: Alto Jacutinga; Alto Mutum Claro; Alto Santa Rosa; Boa Vista; Cabeceira de São Vicente; Irmãos Zanotti; KM 25 do Mutum; Queixada; e Vista Alegre.
Sueli expôs relatos de uma dessas escolas, a Alto Jacutinga, que teve a porta arrombada para retirada de móveis e equipamentos. “Na cozinha, o que eles não levaram está no chão. Na sala de aula, a fechadura também foi arrombada. O que não levaram, também jogaram no chão, material escolar de uso ainda. O ventilador que a comunidade fez uma rifa para comprar, arrancaram e levaram embora. Tentei conversar com eles, não deram atenção”, narra um morador da comunidade, em vídeo enviado para a vereadora.
A escola, conta, tinha vinte alunos matriculados. A reunião aconteceu na presença da secretária municipal de Educação, Kelly Crhistina Damasceno Gama, e sua equipe, além de moradores da comunidade e professoras. “Tinha muita gente, a reunião foi tensa. Eu também sugeri a adequação, eles falaram que iriam tentar fazer. A comunidade chegou a propor construir uma sala, em mutirão. Mas no outro dia, me disseram que ela já estava fechada, mandando as crianças para o KM 14. A secretária disse na reunião que era uma determinação do acordo, do TAG do TCE”.
Sueli conta ainda que, nesses dois meses, outros fechamentos autoritários e violentos já aconteceram, apesar do apelo das famílias. “Eles fazem tudo escondido. Às vezes fala só com a professora, avisa que vai fechar no dia seguinte, mas não deixa ela contar nada para ninguém, ameaçando demissão”, denuncia.
Até onde a vereadora pode apurar, três escolas municipais estão recebendo os estudantes impactados, sendo que duas estão em reforma e uma, a EMEIEF Professora Elza Ewald de Oliveira, atende os alunos em uma quadra improvisada como sala de aula.
“As crianças do campo têm que ter o mesmo tratamento da cidade. Como eles falam que não tem como levar tudo de melhor para elas, não tem como ter uma quadra, internet, sala de vídeo, de informática…eles falam que é melhor levar as crianças para a cidade. Mas então que fizessem uma reunião antes, preparasse as famílias, os professores…e não chegar de uma hora para outra, com um documento na mão, dizendo que o Tribunal de Contas mandou fechar. Na primeira escola que eu estava presente, que a comunidade me ligou avisando, eu disse que o documento do Tribunal de Contas fala para adequar as escolas e não fechar. Mais de 30 crianças estudam lá, em duas salas, sendo que pode ter mais. Sugeri de fazer uma adequação, eles aceitaram e não fecharam”, relata.
Além das reuniões nas comunidades, Sueli participou, no início de maio, de uma reunião convocada pelo promotor Izaias Vinagre, da qual também participaram outros vereadores e representantes da prefeitura. “Protocolei documentos, as comunidades também. O promotor pediu um mapa das escolas do campo para a prefeitura, disse que iria visitar. Até agora não tenho nenhuma informação sobre o envio do mapa ou alguma visita. Eu fico triste de ver as comunidades dessa forma e me sinto de mãos atadas. Estamos pedindo socorro ao promotor, que intervenha junto aos órgãos públicos em favor da comunidade”, suplica a vereadora.
“Ao meu ver não é a melhor solução hoje para as crianças. Têm que acordar mais cedo, pegar transporte por essas estradas, e ficar numa quadra, nesse frio? Se tivesse uma escola com tudo, segura, eu mesma dava a minha mão à palmatória. Mas não tem isso. Poderiam ter esperado, preparado mais a recepção das crianças. Primeiro teriam que consertar as estradas, conseguir carros com segurança. Tem carro, a gente recebe foto, denúncia, que anda com a porta aberta!”, lamenta.
‘TAG deve ser suspenso’
O fechamento de escolas do campo com base no Termo do TCE é uma das principais críticas feita pelo Comeces em uma Nota de Repúdio assinada por mais de trinta organizações e entidades que compõem ou apoiam o Comitê Estadual.
O documento expõe diversas precariedades nos dados do relatório do conselheiro Rodrigo Coelho, apresentado no Plenário da Corte no início de 2020, que embasou a elaboração do TAG. Precariedades e contradições que, afirmam os signatários, inviabilizam a tomada de qualquer decisão relativa à Educação do Campo, motivo pelo qual as entidades reivindicam “a suspensão do Termo de Ajustamento de Gestão em sua totalidade”.
Semanas antes, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) já tinha feito alertas nesse sentido, durante a Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária, realizada no final de abril na Grande Vitória. Segundo a organização, apenas considerando escolas do campo ligadas ao MST, 26 delas em 13 municípios, estão ameaçadas de municipalização e, possivelmente, fechamento. A maioria delas na Superintendência Regional de Educação de Nova Venécia, no noroeste do Estado.
“Na verdade, para nós do campo, esse ‘reordenamento’ significa fechamento de escola, pois o TAG [Termo de Ajuste de Gestão, proposto pelo TCE-ES] não leva em consideração as especificidades da realidade do campo, principalmente em relação ao número de educandos, à multisseriação e ao projeto pedagógico”, disse, na ocasião, o educador Murilo Nunes, da coordenação do setor de Educação do MST/ES.
“O governo também não está levando em consideração essa realidade”, prosseguiu, ressalvando que a rota ainda pode ser corrigida. “Cada estado e município pode ajustar [esse reordenamento] de acordo com sua realidade. Já entregamos uma carta ao governador [Renato Casagrande, PSB], conversamos com a vice-governadora [Jacqueline Moraes, PSB], vamos nos reunir com o secretário [de Educação, Vitor de Angelo], já reunimos o Comitê Estadual de Educação do Campo [Comeces]. Agora é ouvir a devolutiva do Estado para pensar as estratégias”, expôs.
‘Falta transparência’
Em Santa Maria de Jetibá, na região serrana, a vereadora Ivone Schliwe (PDT) aprovou, junto aos demais parlamentares, a convocação do secretário municipal de Educação, Enoc Joaquim Silva, nesta segunda-feira (23), para prestar esclarecimentos sobre o andamento do TAG no município.
A convocação atende ao pleito de moradores São Sebastião de Belém e outras comunidades, para que sejam prestados esclarecimentos sobre possíveis tratativas relacionadas à municipalização de escolas. “Se vai acontecer ou não, se a gente é obrigado ou não a assinar…não sabemos. Que escolas vão ser atingidas? O que vai mudar para as famílias, os alunos e os professores?”, questionou em plenário a vereadora, no último dia 16.
Em nota enviada ao Século Diário no dia 13 de maio, a Secretaria de Estado da Educação (Sedu) afirmou entender que o TAG “pode trazer avanços para algumas políticas educacionais. Mas, que também podem ter desdobramentos que merecem mais atenção”. Assim, “uma das contribuições da Sedu, neste sentido, foi uma dilação do prazo de um ano para haver diálogo com os setores que forem impactados”.
Na última sexta-feira (20), o secretário estadual, Vitor de Angelo, enviou um vídeo aos diretores de escolas de Santa Maria de Jetibá, dizendo que “o TAG está sendo discutido, isso é verdade, mas não foi finalizado, não foi assinado. O TAG formalmente não existe”, buscando dirimir o que chamou de falsas polêmicas a respeito do Termo de Ajuste no município pomerano.
Passivo de R$ 6 bilhões
“Fazer gestão de escola não é tarefa do Tribunal de Contas. Ele não é fonte de financiamento. Se fizessem bem o que é função dele, a Educação estaria melhor. Ao invés de propor esse TAG, ele deveria se redimir do aval que deu para o Estado desviar R$ 6 bilhões da Educação em dez anos e cobrar a devolução desse dinheiro. O STF [Supremo Tribunal Federal] já determinou que esse desvio é ilegal e ele foi interrompido, mas o passivo não foi solucionado”, afirmou.