Guarapari, Marechal Floriano e Cachoeiro de Itapemirim são citados em relatório da ONG Human Rights Watch
A educação sobre gênero e sexualidade é silenciada em pelo menos três municípios do Espírito Santo. É o que mostra um relatório da ONG internacional Human Rights Watch, divulgado na última quinta-feira (12). O levantamento mostra que Guarapari (região metropolitana), Marechal Floriano (serrana) e Cachoeiro de Itapemirim (sul do Estado) estão entre as 20 cidades brasileiras com leis em vigor proibindo a “doutrinação” e “ideologia de gênero” nas escolas, contexto considerado um ataque aos direitos educacionais.
O relatório conta com projetos de lei apresentados entre 2014 e 2022 no legislativo federal, estadual e municipal, que proíbem explicitamente a educação sobre gênero e sexualidade ou a chamada “doutrinação”. Entre os 217 PLs analisados no levantamento, 21 estão em vigor, sendo um estadual e todos os outros municipais. Dessas 20 matérias vigentes em cidades brasileiras, três pertencem a municípios do Espírito Santo.
Em Guarapari, trata-se da Lei 4227/2018, que tem o objetivo de proibir informações sobre orientação sexual, “ideologia de gênero” e doutrinação. A legislação, promulgada em maio de 2018, institui o Programa Escola sem Partido na cidade e foi apresentada por meio de um projeto de lei do então vereador Thiago Paterlini, na época do MDB.
Programa com o mesmo nome foi instituído, em 2015, em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Espírito Santo. A matéria presente no relatório da ONG internacional é a Lei nº 7136/2015, que proíbe a doutrinação ideológica e foi proposta, na ocasião, pelo então vereador José Carlos Amaral (ex-DEM).
O relatório também mostra a inibição dos temas em Marechal Floriano, cidade que, em 2018, aprovou o programa Escola Sem Partido, por meio da Lei nº 1962/2018. Com autoria do vereador Cezar Ronchi (PSDB), o intuito era proibir a “doutrinação” e “dogmatismo” em relação ao gênero.
Tendo três municípios citados em um relatório com 20 cidades, o Espírito se destaca no levantamento, sendo, ao lado do estado da Paraíba, a unidade federativa com mais projetos que atacam a educação sobre gênero e sexualidade no âmbito municipal. O Espírito Santo está na frente, inclusive, de estados como Rio de Janeiro e São Paulo, que contam com leis semelhantes em um e dois municípios, respectivamente.
O relatório da Human Rights Watch constatou que, dos 217 projetos apresentados em âmbito federal, estadual e municipal, pelo menos 41 continuam em trâmite, sendo 15 na Câmara dos Deputados. O documento enfatiza, no entanto, que os números podem estar subnotificados, em razão da dificuldade de acesso a informações em algumas instituições.
Apesar de não estar presente no relatório, em Vitória, um projeto semelhante ao Escola Sem Partido foi aprovado na Câmara Municipal no ano passado. O PL 15/2021, de autoria do vereador Gilvan da Federal (Patriota), foi criticado por professores do município por acusar os docentes de apresentarem conteúdo pornográfico em sala de aula. Na época, o grupo Professores Associados pela Democracia de Vitória (Pad-Vix) denunciou que o projeto tinha o objetivo de “atender à ideologia do grupo Escola Sem Partido, buscando silenciar a educação sexual e de gênero para repressão da diversidade”.
Direitos violados
A ONG ressalta que os esforços do poder legislativo para suprimir a educação de gênero e sexualidade em escolas brasileiras violam os direitos à educação, à informação e à saúde, bem como o direito à educação integral em sexualidade (EIS). Esse tipo de mobilização, que se tornou mais forte em 2014, mas é incentivada de forma recorrente pela gestão Jair Bolsonaro (PL), também tem inibido professores de abordar os temas em sala de aula, mesmo com os benefícios comprovados da educação sexual.
“O alto nível de violência de gênero no Brasil, incluindo violência contra mulheres, meninas e pessoas LGBT, é um indicador da urgente necessidade de tal educação nas escolas. Estudos e especialistas em educação vinculam a EIS a resultados positivos, como atraso no início das relações sexuais e aumento do uso de preservativos e contracepção, maior conhecimento sobre proteção contra violência sexual e baseada em gênero, bem como atitudes positivas em relação à equidade e diversidade de gênero”, destaca o documento.
O relatório lembra que, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou algumas dessas leis que atacavam a educação sobre gênero e sexualidade. Foram proferidas decisões contrárias em sete legislações municipais dos estados de Goiás, Minas Gerais, Paraná e Tocantins e uma legislação estadual de Alagoas. Apesar de reconhecer a importância da decisão, a ONG considera o contexto político brasileiro um perigo para os direitos dos estudantes. “A derrubada de projetos de lei não impediu ministros da Educação do governo Bolsonaro de empregarem uma retórica perigosa, correndo o risco de enraizar essas ideias nas instituições federais de ensino”, destaca.
A recomendação da Human Rights Watch é que as legislaturas do âmbito federal, estadual e municipal rejeitem ou revoguem projetos que violem os direitos dos estudantes de aprender sobre gênero e sexualidade. A organização também orienta que as autoridades deixem de politizar os temas e de usá-los como ataques a adversários políticos.
“São os professores e os jovens – aqueles que mais precisam da informação – que são mais direta e negativamente impactados pela descaracterização e politização de materiais de aprendizagem como supostos difusores de ‘ideologia de gênero’ ou ‘sexualização precoce”. O Brasil deve favorecer informações apropriadas à idade, afirmativas e baseadas na ciência sobre gênero e sexualidade. Todo estudante precisa dessas informações para viver uma vida saudável e segura”, enfatiza.