Secretário Vitor de Angelo afirma que apenas 5% dos 980 chamados para 2022 assinaram contrato e nem todos estão nas escolas
“Vamos fazer um movimento forte para identificar cuidadores. As chamadas não estão sendo suficientes”. A afirmação foi feita pelo governador Renato Casagrande durante reunião realizada com o coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN) na última sexta-feira (18) e marca um pequeno passo no lento processo de retirada do véu da invisibilidade que ainda impede o acesso das pessoas com deficiência aos seus direitos legais e constitucionais.
A reunião encerrou um ciclo de cinco dias do movimento #AcampaPalacioAnchieta, em que mães e filhos com deficiência ocuparam, dia e noite, uma das varandas da sede do governo capixaba, aguardando uma audiência com Casagrande e seus secretários de Saúde e Educação, Nésio Fernandes e Vitor de Angelo.
O objetivo das mulheres era obter garantias do retorno das crianças e adolescentes com deficiência para as aulas presenciais, já que desde que iniciou o ano letivo, em três de fevereiro, esses estudantes estão fora da escola, sendo enviados de volta para casa devido à ausência dos cuidadores, além de conseguir acesso a consultas médicas especializadas, principalmente em psiquiatria e neurologista pediátricas.
Uma gravação amadora da histórica reunião foi feita por uma das mães e está disponível na conta do Coletivo no Instagram. Apesar do ruído constante ao fundo, por conta da movimentação das crianças ao redor da grande mesa, é possível ouvir os principais pontos debatidos.
No campo da Educação, um argumento seguidamente repetido tanto pelo secretário quanto pelo governador era o pedido de paciência para aguardar o processo de chamamento para contratação dos candidatos classificados no último edital, publicado em oito de fevereiro, cinco dias após o início das aulas presenciais.
Durante quase uma hora e meia de reunião, ouve-se basicamente a mesma resposta para cada uma das súplicas feitas pelas mães e filhos, inclusive quando o adolescente Ryan, autista, se manifestou: “Não tem cuidador porque não foi providenciado. Mas, sem cuidador, como ficam as crianças autistas nesse tempo? Vão continuar jogadas lá no fundo, sem aprendizado?”, perguntou,
“Nós não tivemos sucesso na convocação anterior dos cuidadores. Nossa expectativa é que nessa próxima chamada, segunda-feira (21), a gente consiga”, respondeu Casagrande, emendando, também, com uma súplica: “Há outro caminho de contratação? Porque a impressão que eu tenho é que não existe esse profissional assim ‘batendo na porta’, querendo emprego”, desabafou o gestor.
Minutos antes, no entanto, Vitor de Angelo havia apresentado números desanimadores, que pouco alimentam a possibilidade de um resultado auspicioso do atual certame. No município da Serra, informou o secretário, a Sedu chamou 980 cuidadores classificados no edital anterior. Desses, apenas 40 tiveram contratos firmados. “Mil para 50, vamos arredondar assim, dá 5%”, comparou.
Sem mea-culpa
Em seguida, numa tentativa de desviar de si a responsabilidade pelo problema, afirmou que “nosso papel é organizar o edital, oportunizar que as pessoas sejam contratadas (…) O problema não é o edital ou qualquer dificuldade financeira ou de decisão da secretaria do governo. Nós chamamos centenas e, numa proporção muito menor, um grupo chega a firmar contrato. O que não significa que esse 40 estão dentro das escolas. Muitos podem chegar na escola e se deparar com a deficiência daquela criança que ela tem que cuidar e desistir. Muitas chegam e depois conseguem outro trabalho e também deixam aquele posto”, descreveu, como que transferindo para a conta dos cuidadores o peso da responsabilidade pelo insucesso no modelo de contratação desses trabalhadores.
“Temos pensado e refletido, não só dentro da Sedu, mas também com a Seger [Secretaria Estadual de Gestão de Pessoas e Recursos Humanos], sobre a forma de contratação e o que podemos fazer pra não termos nos outros anos os mesmos problemas que estamos tendo agora”, disse. “O edital tem se mostrado um processo moroso e ineficiente”, admitiu. No entanto, a forma de contratação que nós temos à disposição hoje é essa: um edital em que a gente classifica cuidadores e vai chamando um a um”.
Para ambos gestores, a reação das mães também se repetia, com crescente indignação. “Quatro anos! Vocês já sabiam que haveria esse problema, por que não fizeram nada antes?”, questionou Lucia Mara dos Santos Martins, coordenadora do coletivo Mães Eficientes. “Isso se chama apagamento! Apagamento dos estudantes com deficiência”, bradou.
Em outro momento semelhante, o apontamento foi mais direto: “Infelizmente governador, esses meninos não existem para vocês. E na pandemia, o apagamento foi ainda maior”.
Em nota, a Sedu informou, nesta quarta-feira (23), que “o resultado já foi divulgado e iniciadas nessa terça (22) as chamadas para contratação”, sem dizer, no entanto, quantos cuidadores serão chamados e quando devem começar a chegar nas escolas.
Crianças continuam fora da escola
Por enquanto, conforme testemunha Lucia em meio ao coletivo, “nenhuma criança voltou para a escola”, disse, ainda sob o impacto da informação de que uma reunião marcada para a tarde desta quarta-feira com a gerência de Educação Especial da Sedu para encaminhar alguns casos específicos de famílias na Serra, havia sido cancelada pelo algo escalão, que decidiu limitar, aos encontros quinzenais do grupo de trabalho, as demandas da educação especial emanadas das famílias dos estudantes.
A criação dos grupos de trabalho foi o único encaminhamento prático da reunião que encerrou a ocupação no Palácio Anchieta. São dois, de Saúde e Educação, que terão seis membros cada, sendo metade representantes do governo e metade, das mães. Além das reuniões quinzenais dos dois GTs, ficou definida uma série de agendas das mães com o governador, realizadas a cada 45 dias, a primeira, por volta de 10 de abril.
Enquanto isso, as crianças e adolescentes continuam fora da escola. Há três semanas.
Lucia avalia que, apesar da ausência de soluções imediatas, que atendam à urgência do cotidiano desassistido dessas famílias – majoritariamente lideradas e sustentadas por mulheres que criam sozinhas seus filhos – o acampamento não foi em vão. Serem recebidas pelo governador e seus secretários dentro do Palácio, com seus filhos, trouxe alguns flashes de visibilidade. Mas é preciso ação e agilidade na implementação das políticas públicas que são direitos legais duramente conquistados.
“Tem horas que a gente se sente enganada, porque não vê resultado prático nenhum. As crianças continuam fora da escola. Os gestores reconhecem que não está funcionando, mas fica tudo por isso mesmo. Não sabemos mais o que fazer”, lamenta a coordenadora.