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Professor das Ufes defende o debate reivindicatório de forma permanente

Sem o pensamento crítico, há uma espécie de “expulsão” de estudantes, sobretudo cotistas

Quase três meses após o fim da greve na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), há um chamado nas entidades representativas das categorias para a manutenção de um debate que ultrapassa as propostas acatadas, em percentuais diferentes para cada classe profissional. O professor e escritor Gaspar Paz, do Departamento de Teoria da Arte e Música, avalia que “as mobilizações serviram para manter a luta ativa e redimensionar nossos esforços em prol de uma educação pública emancipatória”.

Ele destaca “um jogo de cena” para desmobilizar e desmoralizar os movimentos grevistas, com argumentos de economia e política neoliberais para indução de projetos de Inteligência Artificial (IA) em universidades tão sucateadas, que sequer possuem salas e laboratórios com equipamentos tecnológicos básicos, como aparelhagem de som;

O professor acrescenta que o pensamento crítico e a ação são fundamentais nesse processo. “Sem crítica não há transformação, e diante do avanço da direita e extrema direita [com cursos, séries, filmes], não se pode cair no conto da docilização e medicalização dos corpos e discursos. As universidades brasileiras têm um papel de resistência muito importante”, enfatiza.

Para ele, isso “implica, sem meias palavras, na expulsão de estudantes do espaço universitário (sobretudo estudantes cotistas) e, portanto, como disse Florestan Fernandes (em 1978), a retirada da “vitalidade cultural ou política” da universidade”.

O professor ressalta que, por isso, “o sociólogo brasileiro chamou de ‘universidade do silêncio’, pois o silenciamento dos anos ditatoriais perdura e se aprofunda no seio universitário, gerando as comunicações extorquidas, o fatalismo como moeda corrente dos discursos e jogos do poder, e o apagamento da resistência educacional, aquela resistência empenhada na construção de uma universidade outra, motivada pelo amplo compromisso social”.

Gaspar fez um alerta de que se “presencia, portanto, o esfacelamento do espaço público, que caminha a passos largos, mesmo que às vezes não se perceba ou se naturalize suas insinuações. E, de fato, tudo é feito a partir de disfarces, justamente para que esse esfacelamento se inviabilize numa espécie de complexidade (des)informacional. O uso acrítico da tecnologia, por exemplo, faz parte do mascaramento que tem gerado a maior onda de não-presencialidade nas instituições educacionais do país”.

O professor aponta que houve estratégias para barrar essas ações reivindicatórias: “Quando falo que houve investidas em desmobilização dos movimentos de reivindicação de direitos (e não apenas dos docentes, mas dos técnicos-administrativos e estudantes), me refiro inicialmente ao MEC [Ministério da Educação] e à estrutura dos poderes governamentais, que inviabilizaram o diálogo com os sindicatos de forma intransigente”, diz.

Segundo ele, o “discurso de Camilo Santana [ministro da Educação], ao anunciar o PAC em reunião com reitores, foi ultrajante e recebido com indignação pela base docente que compõe as tantas universidades que aderiram à greve e que propuseram uma pauta consistente e viável, em face do desmonte levado às ultimidades nos anos de 2016 a 2022”.

Nesse contexto, acrescenta, “a frase despropositada do presidente Lula, estimulando projetos de Inteligência Artificial, não encontrou eco na terra arrasada, mas possivelmente agradou os conglomerados de educação e tecnologia (krotons e lemanns da vida) e a própria mídia coorporativa, que há anos disputa o protagonismo e o orçamento da educação pública. Como se sabe, o sucateamento e a precarização da educação pública têm escola, partido”.

Ele cita exemplos, “bem básicos”, que exibem as contradições que docentes, discentes e técnicos enfrentam cotidianamente, que são a exigências para que se tenha uma produção acadêmica de excelência (no tripé ensino, pesquisa e extensão). “Alguns programas de pós-graduação, que fazem pesquisas de ponta, estão sem verba Proap já no mês de setembro, mesmo com toda a prudência, dedicação e atenção de seus coordenadores”, ressalta, lembrando que o programa é a verba destinada a passagens e diárias para participação em eventos, publicações e outros investimentos vitais para o funcionamento adequado de pesquisas.

Cita também outro ponto que revela essas contradições, nas editoras universitárias. “A editora da Ufes tem uma equipe e um trabalho editorial primoroso e um catálogo que revela as instigantes pesquisas feitas na universidade. Nesse momento, há algumas dezenas de livros prontos que aguardam recursos para publicação. E não estamos nem falando na assistência estudantil, que é fundamental para os anseios de uma universidade popular e de compromisso social”, destaca.

Esse ponto de vista é explicitado por Gaspar em textos reflexivos, como o que leva o título A importância do dissenso no espaço universitário, no qual destaca: “Desde o início da greve, houve esse chamamento ao diálogo sobre esse tema. No entanto, na Ufes, a base docente e discente foi surpreendida com a informação oficial de normalidade de atividades em se tratando de questões e prazos que implicassem a pós-graduação. Já nos primeiros dias, a PRPPG Ufes manifestou-se oficialmente nesses termos”.

O ofício encaminhado às coordenadoras e coordenadores de Programas de Pós-Graduação naquela ocasião, prossegue, “vilipendiou o movimento docente que luta por direitos, por recomposição do orçamento e pelo funcionamento das universidades públicas brasileiras, entre outras pautas urgentes, e perdeu a oportunidade de redimensionar os problemas enfrentados pelos PPG’s e o seu papel no todo da universidade”.

“Essas e outras questões revelam a frustração que toma de assalto a vida docente – em angústias e ansiedades cada vez mais crescentes –, fruto da percepção que seu espaço de trabalho é teleguiado pelo mercado, já que a própria universidade assume os ares, as normas e a operacionalidade de empresas privadas”, reforça Gaspar.

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