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Professor questiona política de educação especial proposta em Vitória

Projeto do vereador Davi Esmael é avaliado como “capacitista e inócuo”

O Projeto de Lei 16/2021, de autoria do vereador de Vitória, Davi Esmael (Republicanos), que institui a Política Municipal para Educação Especial e Inclusiva, é “inócuo”, avalia o professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), especialista em educação especial e pessoa com deficiência visual, Douglas Ferrari. O docente aponta vários problemas na proposta, como capacitismo e preliminar de ilegitimidade, ou seja, o fato de não caber ao legislativo apresentar esse tipo de inciativa.

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CMV

O projeto propõe instituir a “Política Municipal para Educação Especial e Inclusiva, para atendimento às pessoas com transtorno mental, transtorno do espectro autista – TEA, deficiência intelectual, deficiência visual, baixa visão e deficiências múltiplas”. Chegou a ser debatido na Câmara de Vitória nessa quarta-feira (26), mas não foi votado, pois voltou para avaliação das comissões após aprovação de emenda proposta pela vereadora Ana Paula Rocha (Psol).

Douglas aponta que pessoas com transtorno mental, como esquizofrenia e psicose, não são alvo da educação especial, apesar de serem mencionadas no projeto. Por outro lado, há grupos que são, mas não estão contemplados na proposta, como os surdos e estudantes com altas habilidades.

O capacitismo se encontra no projeto, segundo Douglas, no artigo 6º, no qual consta que “o Poder Público deverá implantar ou readaptar Centros de Convivência, com o objetivo de promover educação, saúde, lazer, cultura e capacitação das pessoas com transtorno mental, TEA, deficiência intelectual, deficiência visual, baixa visão e deficiências múltiplas”.

Para isso, segundo a proposta, deve-se atender aos seguintes pré-requisitos: estar “em consonância com o conceito de desenvolvimento humano preconizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – Brasil; e dispor “de equipe multidisciplinar que atue na área pedagógica, psicológica, assistencial e reabilitativa”.

Douglas destaca que implantar Centros de Convivência é uma iniciativa capacitista por ser um espaço de segregação das pessoas. Ele aponta que o artigo 6 contraria a Lei Brasileira de Inclusão, que, avalia, tem como um de seus grandes méritos o direito à participação. “Se você segrega a pessoa, ela vai participar de que?”, questiona. Douglas afirma, ainda, que a criação dos centros pode ser uma forma de impulsionar as Parcerias Público-Privada (PPPs), destinando dinheiro dos cofres públicos para instituições confessionais e filantrópicas, por exemplo.

Além disso, explica Douglas, o vereador Davi Esmael não poderia apresentar a proposta, uma vez que “toda diretriz política de educação especial tem que passar pelo Comev [Conselho Municipal de Educação de Vitória] e referendada pelo secretário de Educação”. O professor também destaca que a Capital já tem uma política de educação especial. “Não precisa desse projeto. A política que tem, inclusive, foi dialogada, teve debate, uma construção coletiva de dois anos, não foi feita a qualquer custo”, enfatiza.

‘Atendimento individualizado’

Na justificativa do projeto, o vereador Davi Esmael afirma que “a primeira grande premissa da proposição é o atendimento individualizado e a consideração de que cada indivíduo vive a condição de maneira única e precisa ser atendido a partir dessa unicidade, a fim de exercer em plenitude seus direitos básicos”. A segunda diretriz “é a da intersetorialidade e da multifuncionalidade carecendo do aporte de diferentes áreas, saberes e ofícios”.

“Não há um profissional que em si mesmo represente uma solução. É preciso, pelo contrário, o trabalho coletivo de um grupo articulado, que analise, discuta e proponha alternativas adequadas de atuação. Também é interessante que se dinamize a gestão, promovendo a desburocratização e facilitando a criação de mecanismos que propiciem mais agilidade e efetividade na consecução dos processos de diagnóstico e de intervenção pedagógica”, diz.

Quanto aos Centros de Vivência, o vereador defende que sua revitalização “pode se tornar providência bastante adequada, na medida em que esses centros poderão funcionar exatamente como mediadores e articuladores entre as pessoas com transtorno mental, TEA, deficiência intelectual, deficiência visual, baixa visão e deficiências múltiplas; em relação às pessoas com Transtornos Mentais, já estão instituídos na política pública que os atendem nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), no qual este não atende a necessidade da educação básica necessária para os autistas e demais pessoas com deficiência”.

Emenda

A emenda proposta pela vereadora Ana Paula Rocha, e que foi aprovada, modifica os artigos 1º ao 5º da proposta de Davi Esmael. O objetivo é “adequar a redação da proposta à legislação vigente e às melhores práticas em educação inclusiva”, diz o texto. “A substituição das expressões ‘transtorno mental, TEA, deficiência intelectual, deficiência visual, baixa visão e deficiências múltiplas’ pelo termo ‘pessoas com deficiência’ garante alinhamento com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU), internalizada pelo Decreto nº 6.949/2009, e com a Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência (Lei Federal nº 13.146/2015), que reconhece o autismo como deficiência e não como transtorno mental”, considera.

CMV

Além disso, segundo a emenda, “a inclusão do parágrafo único no artigo 1º assegura que o conceito adotado seja o mesmo previsto na LBI, proporcionando maior segurança jurídica e clareza interpretativa”. O texto acrescenta que, “no campo educacional, a Resolução CNE/CP nº 1/2020 estabelece diretrizes que reforçam a importância da educação especial na perspectiva inclusiva, garantindo que educandos com deficiência tenham atendimento adequado na rede regular de ensino”.

Assim, “a modificação proposta na emenda visa fortalecer esse princípio, assegurando que a política municipal esteja em conformidade com tais diretrizes e contribua para a construção de uma educação verdadeiramente inclusiva, com suporte especializado e atuação intersetorial”.

Consta, ainda, que a mudança na redação também reflete a escuta e participação ativa de movimentos sociais, famílias e especialistas, “que defendem a utilização de terminologias adequadas para evitar a estigmatização e assegurar direitos”.

“A substituição proposta reforça a necessidade de políticas públicas baseadas no respeito à dignidade das pessoas com deficiência e alinhadas aos princípios de igualdade e inclusão. Portanto, a emenda é fundamental para garantir a efetividade da política municipal de educação especial e inclusiva, assegurando que sua implementação ocorra de maneira coerente com os avanços normativos e com os compromissos assumidos pelo Brasil no campo dos direitos das pessoas com deficiência”, finaliza.

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