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‘Militarização de escolas públicas vende mentiras para iludir a população’

Diante de novos anúncios de unidades, Coletivo NaME é incisivo: o que melhora a educação é investimento, formação e gestão democrática

Antonio Cruz/Agência Brasil

É baseado em mentiras que avança o inconstitucional Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, dos ministérios da Educação e da Defesa. A denúncia é do coletivo capixaba Não à Militarização das Escolas (NaME), que atua articulado nacionalmente com iniciativas populares semelhantes em outros estados.

No Espírito Santo, o programa do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) já lançou em 2020 uma unidade, em Viana, este ano em Cariacica, e anuncia pelo menos mais três em 2022, em Vitória, mais uma em Cariacica e em Viana. A meta é implantar 216 escolas no país até 2023, sendo 54 por ano.

“Estão criando um modelo de escola que não existe, que é inconstitucional, e fere toda a legislação educacional brasileira, que não garante o acesso universal nem a permanência universal do aluno”, sintetiza Mariléia Tenório Dionísio, uma das integrantes do NaME.

Mãe de três estudantes de escola pública, uma das representantes do segmento de mães, pais e responsáveis da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Eber Louzada, em Jardim da Penha, Vitória, e integrante do coletivo Juntos pela Educação Pública, Mariléia afirma que a consulta pública, feita previamente à decisão das prefeituras capixabas de aderirem ao programa de Bolsonaro, também é enganosa.

“Não há consulta pública, há desinformação”, afirma. Primeiro, explica a militante, porque “a consulta pública teria que ser feita com base em algo que é legal, constitucional”. Segundo, porque “não há debate nem esclarecimento verdadeiro sobre a diferença entre escola militar e militarização de escola pública”. Terceiro, porque as consultas são restritas a um público muito pequeno a ser afetado pela militarização. “Tanto em Cariacica quanto em Vitória colocaram um formulário do Google que foi divulgado só para alunos e familiares de sexto ao nono ano e não divulgaram quantas pessoas responderam”.

O NaME, enfatiza Mariléia, é categórico: a militarização das escolas afeta não só os alunos dos anos que serão militarizados, mas a escola toda, toda a rede municipal e o Estado como um todo. “Querem vender uma ideia de que é uma consulta democrática, quando na verdade é um arremedo, um simulacro, uma mentira”.

Tanto é assim, conta a conselheira, que o Fórum Estadual de Educação (FEE) já havia se pronunciado contrariamente ao programa e foi ignorado, como também foram ignorados os acadêmicos que estudam a gestão da educação. Contrariando toda a construção feita no Brasil nas últimas mais de trinta anos, de gestão democrática, acesso universal e permanência universal, a militarização das escolas públicas quer implantar “a antipedagogia do medo e da intimidação”, nomeia Mariléia.

Investimento é a solução

O pano de fundo do avanço do programa, avalia, é o imaginário criado na cabeça de uma parte da população, de que há mais qualidade de ensino nos poucos colégios militares. Acontece que a militarização de escolas públicas é um modelo diferente, que não tem garantia do mesmo investimento em estrutura nem em formação e salários dos professores que nos colégios militares, onde o investimento por aluno é mais que o triplo que a média das escolas públicas. E, mesmo com tanto dinheiro a mais, ressalta, a qualidade do ensino desses colégios não está tão no topo do ranking assim.

“Temos dificuldade nas escolas públicas, mas a solução não é colocar pessoas armadas dentro das escolas. Não vai solucionar e vai criar mais problema. A solução, a gente sabe bem, é investimento em infraestrutura, com bons salários e boa formação dos professores. E para isso, não é preciso militarizar uma escola. Os Ifes [Institutos Federais, antigas escolas técnicas] são um excelente exemplo: com melhor estrutura, com professores bem pagos, a maioria com mestrado e doutorado”, expõe.

Em artigo publicado pelo Observatório da Democracia, Maria Clotilde Lemos Petta e Daniela Zanchetta informam que “os 13 colégios militares tidos como excelência de qualidade estão atrás de 400 escolas públicas que têm índices melhores que eles, sendo que o valor gasto com cada aluno, nesses colégios, é três vezes maior do que com quem estuda em escola pública regular”.

A estimativa, destacam, é de R$ 19 mil por estudante por ano e professores com salários que ultrapassam R$ 10 mil. Já no setor público, o valor investido anualmente é em média apenas R$ 6 mil/ano/estudante, com professores que recebem apenas o valor do piso.

“Portanto, esse argumento da qualidade não é necessariamente verdadeiro. Além disso, cabe considerar que o número previsto de escolas militarizadas é insignificante em relação às 181,9 mil escolas de educação básica do Brasil (Censo Escolar 2018). A militarização é proposta como um modelo de ‘escolas de alto nível’, às quais serão garantidas as condições diferenciadas efetivas para o funcionamento, enquanto as demais escolas das redes públicas regulares padecem em precárias condições”, afirmam as autoras.

Caminhos democráticos

No Espírito Santo, o NaME entende que um trabalho de real esclarecimento e prevenção à proliferação da militarização do ensino pode se referenciar na mobilização feita pelo Conselho Municipal de Educação de Campinas, no interior de São Paulo. “Audiências públicas, aproximação da comunidade escolar, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da academia. Precisamos desses órgãos de fiscalização presentes aqui também”, aponta, ressaltando que há um perigo real ao qual as pessoas se expõem ao se contrapor aos interesses dos poderosos. “Em Campinas houve intimidações e perseguições no processo, mas com apoio dos órgãos competentes, foi possível avançar”, acentua.
Na cidade paulista, conta Mariléia, os conselheiros foram dentro da escola que seria militarizada e perguntaram às famílias o que elas entendiam por qualidade e segurança e como seria fazer esses dois aspectos crescerem dentro da escola. “Chegaram à conclusão de que a militarização não era a solução”, diz.

Outra via para frear o programa, relata a militante, é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pelos partidos PT, Psol e PCdoB em relação à lei aprovada na Assembleia Legislativa do Paraná. “Está no Supremo [Tribunal Federal – STF]. Elencam todos os princípios feridos e porque é inconstitucional. Se essa ação é aceita, pode valer para todos os estados e municípios do país”.

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