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‘Se o ES é quase 100% agrícola, como o governo quer acabar com as escolas do campo?’

Comunidades rurais de Sooretama rejeitam orientação da Sedu às famílias para transferirem alunos para uma escola-polo

Foto Leitor

As comunidades rurais ligadas a quatro escolas do campo estaduais localizadas no município de Sooretama, noroeste do Estado, rejeitam o que classificam como uma manobra engendrada pelo governo do Estado para esvaziar essas unidades escolares, com objetivo de extingui-las após um processo de municipalização.

As aulas presenciais nessas escolas do campo não retornaram ainda, diferentemente das escolas da zona urbana, relatam as comunidades, sob alegação do Estado de que não há condições de atender aos protocolos de biossegurança estabelecidos pelas Secretarias de Educação e da Saúde (Sedu e Sesa).


Em paralelo, a superintendente regional de Educação de Linhares, Leila Pinto Rodrigues, tem orientado diretamente as famílias a transferirem seus filhos para uma escola-polo, a Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF) Regina Bolssanello Fornazier.
Em reunião realizada nessa quarta-feira (7), na Escola Estadual Pluridocente de Ensino Fundamental (EEPEF) Joeirana, a superintendente foi acompanhada da promotora Maria Cristina Pimentel, dirigente do Centro de Apoio Operacional de Implementação de Políticas de Educação (Cape) do Ministério Público Estadual (MPES), repetindo o mesmo discurso já feito nas três reuniões anteriores.
“Estão fazendo um movimento muito baixo, de tentar fazer, por baixo dos panos, a extinção das escolas do campo. E isso para a gente é um afrontamento. Porque se o nosso Estado é quase que 100% agrícola, como que um governador quer que as nossas escolas, que são voltadas para o fomento da agricultura, fechem?”, questiona Jaqueline Bozzi, líder comunitária em Joeirana e membro da Associação de Agricultores Familiares de Joeirana.
“A gente percebe que eles estão inventando desculpa para manter a escola fechada, para cansarem os pais e forçarem as famílias a tirarem os filhos. Em algumas escolas, elas disseram que os pais não teriam alternativa, porque ou tirariam da escola do campo ou ficariam sem escola, porque nossas escolas fechariam. Mas como nós somos uma comunidade muito bem organizada, sabemos o que é nosso direito, elas não falaram desse jeito. Só falaram de protocolos”, relata.

A líder comunitária conta que a promotora e a superintendente alegaram que a escola Joeirana carece de alguns requisitos estabelecidos no protocolo sanitário, entre eles: não tem pátio; só tem um ponto de entrada e saída, quando deveria ter entrada e saída independentes; e não garante o distanciamento necessários entre os alunos dentro das salas.

“A gente tem um pátio, sim, e duas salas para 22 alunos, o que daria, no revezamento, seis crianças por semana, três em cada sala. Não viriam as 22 no ônibus, que tem lugar pra 44 crianças”, descreve, contrapondo a alegação das autoridades. Controlar o fluxo de apenas seis crianças, complementa, não necessita de entrada e saída independentes.

“Pedimos para a promotora que ela faça um relatório pedindo reconsideração da posição deles e uma visita da Vigilância Sanitária do Estado, observando as nossas especificidades. A realidade do campo é diferente da cidade”, expõe.

Municipalização e extinção
A intenção de municipalização das escolas do campo, conta Jaqueline, foi confirmada pelo próprio secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo, durante reunião que a comunidade conseguiu com ele por meio de articulação do deputado Marcos Garcia (PV).
“A gente não tem a ata dessa reunião, mas o secretário Vitor deixou bem claro que não é interesse dele nem do governo fechar as escolas. O interesse é municipalizar. Só que a gente sabe que o interesse da superintendência e do prefeito [Alessandro Broedel (Republicanos)] é de fechar”, relata, com base em movimentação semelhante ocorrida há quatro anos em todo o Estado, levando ao fechamento de dezenas de escolas do campo. Em Sooretama, uma das então cinco escolas do campo foi municipalizada e, em seguida, fechada. As outras quatro as comunidades conseguiram salvar, pelo menos até o momento.
“A comunidade não aceita municipalização e não aceita tirar as crianças dessa escola. É direito da família e da criança estudar próximo da sua casa, e com uma educação apropriada para a realidade do campo. As nossas escolas têm disciplinas diferenciadas, as crianças aprendem a cultivar aquilo que os pais fazem de melhor”, afirma.

Campo mais seguro que a cidade
Outro questionamento ao discurso da promotora e da superintendente, ressalta Jaqueline, refere-se à falta de visão de que a escola pequena é mais segura com relação à Covid-19, exatamente por ser menor e mais coesa. 
“Todas as nossas crianças pertencem à mesma comunidade, os núcleos familiares moram muito próximos. E nossas crianças são muito bem educadas e orientadas sobre os protocolos, de uso de máscara, não dividir a comida e os objetos de uso pessoal. É diferente de uma escola de 100, 200 ou 300 alunos, que eles têm que entrar num local e sair para outro na escola, e usar um ônibus com crianças de diversos núcleos familiares e comunidades diferentes”, descreve.
As crianças da Joeirana, por exemplo, que hoje usam um ônibus abaixo da lotação máxima, teriam que compartilhar um veículo com crianças de vários outros lugares, e de faixas etárias diferentes, da educação infantil até o ensino médio.

“Durante a reunião com o deputado, chegou para gente a informação de que um adolescente de outra comunidade rural de Sooretama tinha sido testada positiva na entrada da Escola Estadual de Ensino Médio Cândido Portinari. Ele foi impedido de entrar, mas as outras crianças e adolescentes que estavam no transporte, juntos, entraram”, conta.

Melhorias solicitadas
A líder comunitária afirma que agora a comunidade aguarda retorno da promotora Maria Cristina sobre o pedido de reconsideração da avaliação em relação aos protocolos, e da superintendente Leila para saber “o que ela tem a nos oferecer para que a gente atenda melhor aos protocolos”.
O pedido é legítimo e já estaria sendo realizado em outras regiões. Durante a reunião na escola, ressalta Jaqueline, membros do Comitê Regional de Educação do Campo Linhares-Sooretama levantaram ainda a informação de que, em outras superintendências regionais, como a de Nova Venécia, foi elaborado um plano de retorno das escolas do campo, com participação das comunidades.
A princípio, conta, a posição da superintendente é de que o Estado não pode fazer a reforma na EEPEF Joeirana porque não tem documento de doação do terreno da escola. “O documento foi assinado em 1992, se eu não estou enganada. E mesmo que não houvesse o documento, quando um poder público utiliza o espaço por mais de cinco anos, tem direito a usucapião”, expõe.
“Em outra escola foi questão de talão de energia, em outra também documento de doação. Mas se isso fosse mesmo um problema, o Estado não teria reformado a escola, feito monitoramento até hoje e permitido criação de conselho escolar”, pondera.
Jaqueline conta que a escola nasceu junto com a comunidade, há 66 anos. E que a comunidade não vai abrir mão dela. “As duas caminham juntas desde o início. A gente não vai permitir que acabem com o bem mais precioso da nossa comunidade, que é a nossa escola. Quem pensa que o povo da roça não tem conhecimento de nada, está enganado. Na roça tem, sim, gente que estudou, que entende das leis e dos direitos. O povo da roça não é um povo ‘bocó’. Nós não devemos negar a nossa origem”, conclama.

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