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‘Todos os alunos se beneficiam do conteúdo flexibilizado da Educação Inclusiva’

Santa Maria de Jetibá mantém há seis anos gestão da educação especial que merece ser replicada em todo o ES

Em tempos de declarações inacreditavelmente preconceituosas por parte do próprio ministro da Educação – o pastor presbiteriano Milton Ribeiro disse que crianças com deficiência atrapalham o aprendizado das demais e que, com algumas, é impossível a convivência – conhecer a experiência de um pequeno município capixaba de cultura pomerana é um oásis no deserto de gestão e coordenação que emana de Brasília.

Na rede municipal de ensino de Santa Maria de Jetibá, região serrana do Espírito Santo, a Educação Inclusiva é praticada com admirável empenho em cumprir a legislação federal. Desde 2015, as escolas adotam a máxima de que o estudante com deficiência é responsabilidade de toda a escola e que todos os alunos e professores se beneficiam dos conteúdos flexibilizados da educação especial.

Arquivo pessoal

“Nosso carro-chefe é a formação continuada de educação especial na perspectiva de educação inclusiva, pautada na coletividade”, afirma Joziane Jaske Buss, coordenadora do Centro de Referência de Educação Inclusiva (CREI) da Secretaria de Educação de Santa Maria de Jetibá. “A gente entende que a partir do momento que esse aluno entra na escola, ele é responsabilidade de todos os trabalhadores. A gente acredita no trabalho coletivo, que todos os profissionais se envolvam na educação especial”.

As formações em Educação Especial, conta, não são feitas apenas com os professores especialistas, mas com todos os trabalhadores, “desde o porteiro até o diretor. Motorista, merendeiro, servente, bibliotecário, auxiliar administrativo…todos participaram desse espaço formativo”. 

Divulgação/PMSMJ

Nas salas de aula, a inclusão também é plena, pois não há uma aula paralela para os alunos com deficiência e seus auxiliares. O chamado conteúdo flexibilizado é ministrado para toda a turma e todos os estudantes se beneficiam do formato diferenciado de ensinar. Mesmo nos casos de alunos com comprometimento mais acentuado, quando a comunicação é somente gestual, por exemplo, exigindo um trabalho mais especializado, os recursos feitos para aquele aluno são aproveitados pelos demais.

“Uma turma inteira não estava compreendendo o Iluminismo e, a partir da flexibilização, todos compreenderam”, exemplifica. “Isso atende ao nosso objetivo, de integrar, pra que todos se beneficiem”.

Turno e contraturno
Joziane explica que o conteúdo flexibilizado que vai ser ministrado numa sala de aula que tenha alunos com deficiência – são no máximo dois por sala – é elaborado conjuntamente pelos dois professores, o especialista e o comum.

Além desse planejamento em conjunto, o professor especialista faz o atendimento colaborativo, atuando na sala de aula comum junto com o aluno especial, e faz o contraturno na sala de recursos dentro da escola. 

Divulgação/PMSMJ

O trabalho do especialista segue a tabela do Estado: para uma carga horária de 40 horas, ele atende a no máximo 15 alunos. “Uma escola da nossa rede tem 16 alunos no contraturno, então disponibilizamos dois professores especialistas”, destaca Joziane.

No contraturno, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) é feito na sala de recursos de forma individualizada, sendo duas horas por dia, duas vezes na semana, com cada aluno. No caso dos alunos cujas famílias optam pelo AEE em outras instituições, a eles é prestado apenas o atendimento colaborativo no turno da sala comum.

Nas escolas municipais, o trabalho de contraturno é elaborado de forma a realmente complementar o que é realizado na sala de aula comum. “A gente está falando de uma única escola, que é vista na sua totalidade. Eu não posso, na sala comum, ter um determinado conteúdo, e no contraturno ser trabalhado um conhecimento totalmente fora do contexto da sala comum. Na sala de recurso é um complemento mesmo. Se na sala comum é trabalhado o conteúdo metamorfose, no contraturno ele vai ter esse mesmo conteúdo”, explica Joziane.

Auxiliares e estagiários

A equipe pedagógica conta ainda com os auxiliares de Educação Especial e os estagiários, que “são o apoio, o suporte pedagógico ao professor e ao aluno”, descreve a coordenadora, ressaltando que o auxiliar “não é só de cunho fisiológico, mas também pedagógico”, sendo um diferencial importante em relação à figura do “cuidador” estabelecida pelo governo do Estado e seguida na maioria das prefeituras.

“Não temos a política do cuidador. A gente acredita que o trabalho de um auxiliar não pode ser de cunho somente fisiológico. O auxiliar permanece em tempo integral na sala de aula comum, realizando com esse aluno as atividades que ele tem mais dificuldade. Dependendo do comprometimento do aluno, ele tem dois auxiliares”.

Professores especialistas, auxiliares, estagiários, psicólogo e fonoaudióloga compõem o quadro de profissionais do Centro de Referência de Educação Inclusiva, que atendem a 108 alunos distribuídos em 48 unidades de ensino. No total, são nove professores especialistas, cerca de 40 auxiliares e três estagiários.

Na rede de Santa Maria, Joziane explica que o estagiário desenvolve o mesmo trabalho que o auxiliar, porém, na perspectiva de ser uma atividade de formação para seu currículo e vivência como estudante. É uma experiência, portanto, bem diferente da que ocorre na rede estadual e nas redes municipais que seguem a mesma diretriz, onde é comum o estagiário ser chamado pejorativamente de “babá de aluno”, fazendo as vezes do cuidador, em atividades que não estão alinhadas com seu currículo de graduação. “O estagiário é apoio do professor. Quando ele adentra na nossa rede, eu digo que eles são o braço direito do professor, dando suporte no desenvolvimento diário das atividades com os alunos”, qualifica a coordenadora. 

Divulgação/PMSMJ

Não é custo, é investimento

Joziane reconhece que a estrutura de Educação Especial mantida por Santa Maria de Jetibá há seis anos e firmando-se como uma política do município, independente do gestor político, gera um custo um pouco maior que a média praticada na maioria das demais redes públicas do Estado, mas não é nada exorbitante. Além disso, o mais importante é entender esse trabalho como um investimento.

“A gente vê como um investimento na potencialização dos nossos alunos. Enxergamos as potencialidades e as possibilidades do ensino. A gente costuma falar que os professores especialistas que vêm aqui pela primeira vez sentem dificuldade, porque o trabalho é muito diferenciado. Chegam com um modelo médico-pedagógico, mas nós temos um trabalho pedagógico e contextualizado. Mas logo se adaptam”, relata.

Os resultados do trabalho já estão sendo colhidos: “os nossos alunos estão se apropriando do conhecimento ofertado na sala comum e adentrando o ensino federal, no Ifes [Instituto Federal] de Santa Maria”, conta a coordenadora, com orgulho. 

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