Boletim epidemiológico mostrou que casos entre professores triplicaram durante abertura de escolas em outubro
Continua na promessa a transparência nos dados sobre contaminações, internações e óbitos de trabalhadores da Educação. Há mais de um mês, o pedido foi feito pelo Conselho Estadual de Educação (CEE), com base em uma recomendação do Ministério Público Estadual (MPES), sendo dias depois confirmado pelo secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, de que a medida estava em implementação, mas até agora, nada. Não bastasse a não inclusão dos dados no Painel Covid-19, até mesmo o Boletim Epidemiológico semanal já não os exibe mais.
A edição 51 do Boletim, relativa à Semana Epidemiológica nº 15 (11 a 17 de abril), destacou um subitem específico sobre as categorias da Educação, chamando atenção para o fato de que, “até o dia 19 de abril, dos 412.101 casos confirmados de Covid-19 no ES, foram registrados 7.464 professores infectados pela doença [1,81% do total]”, sendo 65,2% dos casos na faixa etária dos 30 a 49 anos e 80,4% deles entre pessoas do sexo feminino. Os óbitos, até aquela data, somaram 46, sendo 42 professores e quatro pedagogos.
Casos triplicaram com escolas abertas
O Boletim ressalta ainda que “em 81,8% dos casos não foi identificada a relação da infecção com o trabalho, entretanto, a curva de casos confirmados aponta que, após a reabertura das escolas em outubro de 2020, o número de casos quase triplicou, um crescimento maior que o observado na população em geral”, dado que dialoga com um estudo divulgado esta semana pela Abrasco, que prevê um aumento de 270% nos casos de Covid-19 entre a comunidade escolar após 80 dias de reabertura das escolas sem as devidas medidas de monitoramento.
Momento este, importante ressaltar, em que o retorno às aulas presenciais foi extremamente reduzido na rede estadual, com apenas entre 5% e 16% em média dos alunos nas salas de aula.
Entre profissionais do ensino em geral, prossegue a publicação, “considerando auxiliares, pedagogos, coordenadores de ensino entre outras ocupações ligadas à educação, foram registrados 7.263 casos confirmados, com perfil muito semelhante ao apresentado por professores”. Somando os dois grupos da Educação, portanto, professores e demais profissionais, o total é de 14.727 pessoas infectadas no período.
Na edição seguinte do Boletim, relativa às Semana Epidemiológica 16 (18 a 24 de abril), o subitem sobre a Educação é retirado, estando as categorias do setor citadas no cômpito geral. A edição 52 mostra que as infecções entre os trabalhadores da Saúde mantiveram no patamar de 7% do total, salientando que “os trabalhadores da saúde já chegaram a responder por quase 40% do total de infectados no ES”, daí o motivo de estarem permanentemente em destaque nos boletins.
Sobre os demais trabalhadores, a publicação afirma que “em relação às outras ocupações que mais registram número de casos confirmados de Covid-19 estão trabalhadores da agricultura, professores, administradores e empregados domésticos”, sendo que “as 20 ocupações mais notificadas respondem por 50% do total de notificações de trabalhadores infectados”.
Agricultura
O Boletim 53, relativo à Semana Epidemiológica 17 (25 de abril a 1 de maio), mantém estrutura similar de apresentação dos dados, com situação também semelhante demonstradas para as diversas categorias citadas.
Falta transparência
Questionada sobre a mudança na exposição dos dados, com exclusão dos trabalhadores da Educação, a Secretaria de Estado da Saúde informou que “os itens em destaque são adequados de acordo com o perfil dos pacientes da semana epidemiológica em questão”.
A doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Cleonara Maria Schwartz, diz lamentar essa alteração, por entender que “compromete o acompanhamento dos casos de Covid e a compreensão dos impactos das medidas adotadas para as oscilações de diminuição e aumento dos casos [entre os professores e demais profissionais da Educação]”. Se a estrutura do boletim se altera, ressalta, “fica impossível acompanhar ao longo do tempo as informações sobre a Covid referentes a quaisquer grupos de profissionais”.
O diretor de Comunicação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), Gean Carlos Nunes, analisa a falta de transparência como uma forma de dificultar a comprovação da gravidade da pandemia entre esses profissionais, em função da “enorme pressão” para o retorno das aulas presenciais por parte das entidades ligadas à rede particular de ensino, mesmo num momento ainda tão agudo, com o Estado apenas iniciando a recuperação da terceira onda. Pressão essa, ressalta, que é injustificável, já que “o ensino privado é uma concessão do Estado e não pode induzir políticas públicas”.
Sem transparência nos dados estaduais, o que se sabe, seguramente, salienta, advém do estudo científico feito no Reino Unido, que mostra as escolas como um dos ambientes mais perigosos para transmissão da doença.
“Nós queremos voltar à nossa realidade escolar e à nossa rotina de trabalho, nós queremos encontrar as pessoas, fazer nossas assembleias e formações. Mas para que a pandemia seja amenizada, é preciso que a sociedade como um todo se empenhe em resolver o problema. Que as pessoas usem máscaras, não se aglomeram, mantenham o distanciamento e que as vacinas cheguem até a população”, afirma.
Os Estados Unidos, pontua, prevê vacinar 100% da população maior de 18 anos até julho. E no Brasil? Com essa vacinação a conta-gotas, quando teremos uma imunidade vacinal mínima? “Que o Estado vacine 70% da população. Sem isso não há segurança para aulas presenciais. Os professores estão muito apreensivos com esses movimentos de retorno. O Sinepe [Sindicato das Empresas de Particulares de Ensino] fala que está seguro, mas não está. Não é normal morrer vinte, trinta pessoas por dia”.