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‘Você não pode deixar o sistema excluir seu filho. Educação é direito’

Palácio Anchieta vai ser ocupado por crianças com deficiência e suas mães. Faltam cuidadores nas escolas

Thiago Guimarães/Secom

As crianças e adolescentes com deficiência que estudam nas redes estadual e municipais de Educação do Espírito Santo estão excluídas do sistema público de ensino. Sem cuidadores nas escolas, elas têm retornado para casa, muitas sofrendo também falta de atendimentos em saúde e a dificuldade de suas mães, que precisam trabalhar para sustentar a casa. 
Para expor essa situação que atinge todo o Espírito Santo, o coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN) organiza uma manifestação nesta segunda-feira (14), às 14h, com a ocupação do Palácio Anchieta por mães, pais e responsáveis por crianças, adolescentes e jovens com deficiência.
O movimento #OcupaPalacioAnchieta reivindica uma reunião com o governador Renato Casagrande (PSB) e os secretários de Educação e Saúde, Vitor de Angelo e Nésio Fernandes, respectivamente.
“A nossa atuação política é de luta pela inclusão real já, para a verdadeira inclusão de nossos filhos e filhas com deficiência”, afirmam as mães, em ofício enviado para a sede do governo estadual, solicitando as agendas com as autoridades, para “dialogar sobre a gravíssima situação de negativa dos direitos à saúde e educação de nossos filhos/filhas com deficiência”.
A intenção, afirmam, é ocupar o Palácio Anchieta até que o governador as receba. Se possível, repetindo o formato de acampamento feito na Prefeitura da Serra, que, após mais de trinta dias, resultou em uma reunião com o prefeito Sérgio Vidigal (PDT).
Mães Eficientes Somos Nós

“Já não aguentamos mais tantas violações de direitos aos filhos/filhas com deficiência e já deixamos avisado que não somos criminosas e não aceitaremos nenhum tipo de intimidação, maus tratos, cara feia, olhares atravessados, opressões, humilhações por parte dos seguranças e/ou servidores do Estado (Palácio Anchieta), pois não estamos indo buscar ainda mais violações de direitos e sim ‘exigir direitos negados pelo Estado'”, anuncia o Coletivo. 

Tragédia 

No comunicado compartilhado entre as famílias ligadas ao coletivo, o chamado afirma que “você não pode deixar o sistema excluir seu filho”, pois “educação é direito para todos”. 

A situação, resume a coordenadora geral do Coletivo, Lucia Mara dos Santos Martins, “é muito desesperadora, uma tragédia”.

“As escolas não se preparam para receber esses estudantes. Os profissionais das escolas estão desesperados, porque faltam profissionais. Diretores não sabem o que fazer. Nossos filhos estão sendo tratados como escória”, lamenta.

Enquanto isso, na Serra, o edital da prefeitura que ordena a contratação de estagiários para atuarem como cuidadores ainda não recebeu candidatos suficientes, contextualiza a coordenadora. 

Ao que tudo indica, apesar do aumento da bolsa para R$ 880 para cinco horas diárias, o trabalho continua pouco atrativo para os estudantes universitários, que ainda não veem a função de cuidador como parte de um estágio para a carreira que almejam. 

A alcunha de “babá de aluno” muitas vezes é lançada sobre esses estagiários e resume a falta de compatibilidade entre a formação buscada e as atribuições do cuidador no município. Outros formatos existem com sucesso, como o que é adotado em Santa Maria de Jetibá, na região serrana do Estado.

Divulgação CREI/PMSMJ

“Não temos a política do cuidador. A gente acredita que o trabalho de um auxiliar não pode ser de cunho somente fisiológico. O auxiliar permanece em tempo integral na sala de aula comum, realizando com esse aluno as atividades que ele tem mais dificuldade. Dependendo do comprometimento do aluno, ele tem dois auxiliares”, explicou a coordenadora do Centro de Referência de Educação Inclusiva (CREI) da Secretaria de Educação do município, Joziane Jaske Buss. 

O trabalho diferenciado tem gerado bons resultados, destaca a educadora: “nossos alunos estão se apropriando do conhecimento ofertado na sala comum e adentrando o ensino federal, no Ifes [Instituto Federal] de Santa Maria”. 

Vagas não definidas

Na rede estadual, onde “a situação é muito pior”, ressalta Lucia Mara, o edital foi publicado no Diário Oficial nessa terça-feira (8), cinco dias depois do início do ano letivo com aulas exclusivamente presenciais. As inscrições estão abertas até a próxima quinta-feira (17) pelo site www.selecao.es.gov.br

Os subsídios oferecidos são de pouco mais de R$ 1,2 mil mais auxílio-alimentação. As vagas são voltadas a pessoas com ensino médio completo que tenham curso de cuidador, informa o edital, e “serão distribuídas e preenchidas por interesse, conveniência e oportunidade da Administração da Educação Estadual”, sem informar quantas pessoas serão contratadas.

Sofrimento 

Dentro dos lares, a má gestão pública das normativas legais que garantem o acesso e a permanência na escola de estudantes com deficiência gera um sofrimento generalizado em toda a família. 

“As pessoas que não têm criança com deficiência em casa não sabem o que passamos durante o dia”, suplica Taíza Amorim Soeiro Lopes, mãe de dois meninos autistas e moradora de Nova Almeida, um deles matriculado na Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF) Virginio Pereira, onde há dez crianças especiais e não existem cuidadores.

Arquivo pessoal

O filho de nove anos não pode ficar sozinho na escola, devido às crises de ausência. Nem no transporte escolar. Mas para reivindicar o acompanhante no transporte, ela precisa de um laudo específico de neurologista. A consulta com o especialista, por sua vez, esbarra na falta de vagas nos ambulatórios, que alonga o prazo de espera da família em busca de solução. 

A escola, observa, “ajuda a desenvolver”. Seus filhos, conta Taiza, não formam frases, só falam palavrinhas soltas. “Meus filhos são muito carinhosos, me beijam, me abraçam, falam te amo mamãe. Não tem como não lutar por eles. São anjos”, emociona-se. O maior gosta de ir pra igreja, onde aprendeu a admirar instrumentos musicais. “Sonho dele é ter um teclado”, sorri. 

Da Serra para Vila Velha?

Taiza conta que saiu do emprego que tinha para cuidar melhor dos filhos. Passou a vender roupa em casa, mas acaba tendo muita entrega para fazer. Sem as crianças na escola, não consegue se deslocar de ônibus com as encomendas. “Eu não posso sair, daí não vendo e fico sem dinheiro”, resume. 

Recentemente, a chamaram para trabalhar como cuidadora de crianças especiais em uma escola de Vila Velha. Não pôde aceitar, pois o longo deslocamento diária casa-escola criaria uma carga horária total de trabalho que exige que ela própria tenha cuidadores para os filhos, necessidade impossível de ser realizada. “Aqui em Nova Almeida precisa de tantas cuidadoras! Por que não me chamam pra cá em vez de Vila Velha?”, questiona. 

“Para quem não está no nosso lugar, é muito fácil falar: ‘é só mandar a criança pra escola!’ Mas nós sabemos que não dá pra mandar sem o cuidador e, principalmente, sabemos que é nosso direito e vamos correr atrás”, afirma.

Prioridade 

A incoerência vivida nesse início de 2022 remete a julho de 2020, quando se discutia a data e forma de retorno às aulas presenciais após a primeira onda de Covid-19. Naquele momento, os estudantes com deficiência também não foram priorizados. Desrespeitando, portanto, toda a legislação nacional sobre o assunto. 

Esse público, explicou na época a então assessora de educação especial da Secretaria de Estado da Educação (Sedu), Sumika Freitas, é tido como “grupo prioritário” na definição de políticas públicas pela lei brasileira de inclusão e também por uma lei estadual aprovada naquele ano, que reforça a determinação nacional. 

No trabalho pedagógico, essas crianças têm prioridade de atenção e acompanhamento especializado”, afirmou, enfatizando que elas são, portanto, o principal parâmetro para definir como e quando voltar com as aulas presenciais para toda a rede de educação do Espírito Santo.

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