“Luciano, trouxe uma pessoa para ficar do seu lado”. Luciano Rezende (PPS) organizava o grupo de cabos eleitorais e candidatos a vereador espremidos em frente à câmera para uma breve gravação quando o vice-prefeito Waguinho Ito chegava com a Marina Rezende, esposa do prefeito. “Você está andando muito com a Marina, Waguinho. Acho que você quer o voto dela”, brincou Luciano.
Apesar do gracejo, o prefeito mostrava incomodado; olhava para os lados, fazia observações. Ainda não sentia a condição ideal para iniciar a gravação. Ao seu lado, o ex-governador Renato Casagrande (PSB) e o ex-deputado estadual José Esmeraldo (PMDB) aguardavam com paciência. Alguém da equipe pediu ao ciclista da “bicicleta de som” que executava às alturas o jingle do candidato para abaixar o volume.
…
Pronto. Gravação iniciada. Luciano anunciou o início de mais uma caminhada e, sobretudo, exaltou a presença de Casagrande. “Uma satisfação de ter o ex-governador Renato Casagrande aqui conosco”, disse, sorrindo. Casagrande também falou à câmera, devolvendo os elogios: pediu apoio à reeleição do prefeito destacando o que considerou as qualidades da gestão Luciano Rezende. Luciano concluiu a fala e as duas dezenas de bandeiras amarelas tremularam no ar. Corta. O prefeito, agora, era alívio.
Finalmente o grupo de cerca de 40 pessoas na cabeceira da Rua Santos Dumont, que dá aceso ao interior de Tabuazeiro, iniciou a caminhada pelo bairro na manhã de quarta-feira (28). Luciano tem alternado os papéis de prefeito e candidato: de manhã é campanha, à tarde é agenda oficial na prefeitura, e, à noite, campanha de novo.
Talvez por ser a reta final, ou por conjunção dos astros, a caminhada em Tabuazeiro conseguiu uma combinação até então rara na campanha de rua de Luciano Rezende: reunir duas figuras de proa da política capixaba como Casagrande e Esmeraldo. Uma coisa são os objetivos do xadrez político. Aqui, no entanto, interessa o corpo-a-corpo com eleitores e os efeitos, bem-vindos para o prefeito, como se verá, da presença de ambos.
Com a bike de som à frente, duas dezenas de bandeiras e outras 40 pessoas entre cabos eleitorais e candidatos a vereador com adesivos no peito e material de campanha nas mãos, a caminhada já chamava atenção desde o início. Luciano à frente, Casagrande e Esmeraldo em seguida – o ex-deputado sempre com as mãos cheias de santinhos. O cortejo procurava manter-se sempre próximo ao candidato.
No entanto, às vezes se espalhava e Luciano, cuja passada sempre frenética o mantinha um pouco à frente de todos, repreendia a dispersão com um olhar de incômodo. Na metade da caminhada, se deparou com um Uno executando em volume máximo um jingle de um candidato a vereador. Atravessou a rua olhando para alguém com a mesma expressão de incômodo, apontando o carro com discrição.
O prefeito entrava nos estabelecimentos comerciais com desembaraço. “E, aí, vai ganhar mesmo?”, disse-lhe o funcionário de uma loja de material de construção ao prefeito. Procurava transmitir a imagem de um político descolado, brincalhão e afável. Na mesma loja de material de construção, finalizou a conversa com aquele juvenil cumprimento de palma de mão seguido de um toque com o punho fechado.
Buscava posar para fotos especialmente com crianças, ensinando-lhes o gesto-marca da campanha. “Deixa o tio mostrar uma coisa para você”, disse, agachado diante de uma menininha. Fotógrafo a postos, o candidato ensinava, então, o cumprimento palma de mão/punho fechado – mas, aqui, o gesto terminava com o indicador erguido, o “Vitória em 1° lugar” da campanha.
Encarar a rua em busca da reeleição, no entanto, é como que submeter-se a uma experiência masoquista. Como o candidato cumprimenta qualquer coisa que se mova, sujeita-se ao mesmo tempo a cobranças do que não fez ou poderia ter feito. Com Luciano não demorou muito a acontecer.
Ainda ao início da Santos Dumont, Luciano cumprimentou afetuosamente uma eleitora – que o recebeu de modo igualmente afetuoso. A mulher ouviu o candidato pedir-lhe apoio para, então, cobrar: estava sem a escritura da residência. A expressão do candidato transformou-se. “Como morar em um lugar e não ter escritura?”, disse a moradora do Residencial Tabuazeiro, projeto de habitação social entregue pela Prefeitura de Vitória em 2012 que recebeu famílias cadastradas no Minha Casa, Minha Vida, programa do governo federal.
Mas a exposição a que se submeteu nas reuniões do Gabinete Itinerante, projeto em que periodicamente reunia todo o secretariado para uma grande reunião com moradores de determinada região, conferiu a Luciano certa perspicácia para lidar com situações que, talvez, pudessem ser ainda mais embaraçosas. Até então inclinado sobre a mulher, ergueu-se e olhou ao redor: “Tem alguém da Sehab aí?”, chamava.
O candidato a vice-prefeito e secretário licenciado de Habitação Sérgio Sá (PSB), filho de Esmeraldo, ainda não tinha chegado, mas um representante da secretaria prontamente apareceu. “A escritura quem vai dar é a Caixa Econômica Federal”, explicou o homem. “Pronto. Resolvido”, disse Luciano à mulher, parecendo mais aliviado que ela.
Adiante, antes de pegar a longa subida da Rua José Machado, que de fato penetra no bairro, Luciano parou em um portão de uma casa e cumprimentar uma eleitora. A filha desta assomou do interior da casa e foi ao portão dizer que votaria no prefeito por causa de Zé Esmeraldo. O prefeito, então, virou-se para o ex-deputado: “Viu? Que depoimento, hein, Zé?”. O ex-deputado respondeu com um sorriso triunfante.
Com aquele renque de bandeiras amarelas e o jingle soando insistente nas caixas de som da bicicleta, o cortejo subiu a José Machado. Os moradores apareciam nos portões de casa ou nas janelas. Luciano acenava com um sorriso. Por vezes – como Lelo Coimbra (PMDB) em Bela Vista e diferente de Amaro Neto (SD) em Jesus de Nazareth – defrontava um tédio indisfarçado no rosto de alguém. Por vezes, era como se acenasse para ninguém.
Mas, de modo geral, o candidato era bem recebido. Luciano era todo humildade em gesto e palavras quando se inclinava para o eleitor: “Venho pedir seu apoio para a gente poder continuar cuidando de Vitória”, era o que costumava dizer. Em alguns casos, era Luciano deixar a casa para logo em seguida membros da equipe executarem a imediata fixação de um cartaz ao portão – naturalmente, com a anuência do dono.
O cortejo ainda subia a José Machado quando a expressão do candidato transtornou-se novamente. Dois homens estavam recostados ao muro de uma casa vendo passivamente a caminhada passar; ao lado deles, mais ao fundo, sobre o ressalto do terreno irregular, avultava um dos últimos barracos de madeira da região e, certamente, o único visto em toda a caminhada, uma lembrança triste do processo de ocupação do bairro.
Os dois homens moravam com a mãe no barraco de quatro cômodos há mais de 40 anos. Luciano se aproximou dos homens, trocou algumas palavras: um dos homens pedira inclusão no Terra Mais Igual, que acolhe famílias em condições precárias de habitação. Luciano, então, virou-se para o grupo à procura de Sérgio Sá, que apareceu e prometeu priorizar a inclusão da família. Não se passaram dois minutos após os candidatos seguirem caminho e cabos eleitorais já pregavam um cartaz do prefeito entre as duas pequenas janelas do barraco.
“Quem quer banana?”, perguntava Casagrande à porta de um quilão, exibindo um cacho na mão e um banana pela metade na outra. O cacho sumiu em questão de segundos. Casagrande fora ao quilão abordar o dono enquanto Luciano pedia voto do outro lado da rua a funcionários de uma pequena peixaria. O prefeito entrou no quilão com o terreno já pronto: o dono já estava, digamos, amaciado e no ponto para receber pedidos de voto.
Não se sabe se ocorreu por estratégia, mas, quando ocorria, funcionava. Por mais de uma, duas ou três ocasiões, Casagrande, político de reconhecida aptidão para o corpo-a-corpo, “preparou o terreno” para Luciano. Não poucos moradores reconheciam o ex-governador; alguns disseram ter votado nele nas eleições de 2014. Um senhor disse: “Você que tinha que estar lá” – por “lá”, claro, entenda-se “Palácio Anchieta”.
Enquanto o prefeito estava em um lado, o ex-governador do outro apresentava o aliado ao comerciante ou à mãe da família ao portão de casa. Em um beco, uma senhora atravessava o cortejo na direção contrária quando foi interrompida por Casagrande. Com um sorriso, expressão cordata, ele inclinou-se sobre ela, pegou-lhe as mãos, falou de seu candidato. Nisso, Luciano passou como um raio por ambos. “Luciano! Ô, Luciano!”. O prefeito virou-se e viu Casagrande apontando-lhe a senhora. Foi prontamente abordá-la.
Liderança forte em Vitória, José Esmeraldo, pai de Sérgio Sá, também desempenhava uma função importante: com seus cabelos brancos e décadas de atividade política nas costas, era um cabo eleitoral dos mais obstinados. Distribuía santinhos como ninguém. Quando Luciano e Casagrande deixavam um local, ele abordava os eleitores logo em seguida mostrando um folheto: “Posso deixar uma propagandinha aí com você?”. E, enquanto os distribuía, exaltava as qualidades do candidato. Com habilidade, atuava numa espécie de retaguarda reforçando o pedido de apoio a Luciano.
Cerca de uma hora e meia depois, retornou à Santos Dumont e seguiu por um pequeno trecho da José Martins de Figueiredo, avenida principal do bairro. “Bom dia! Rapidinho para não atrapalhar, vou só pedir um voto para Luciano”, disse o prefeito, dentro de um supermercado. A caminhada seguiu apenas por mais alguns metros quando, em frente a um bar, Luciano reuniu todo mundo para uma derradeira foto coletiva: “Tô fisicamente esgotado”.