Valor apontado pelo MPES deve ser revertido ao Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Mateus, norte do Estado, ajuizou Ação Civil Pública (ACP) contra a bolsonarista e integrante do Movimento Pró Vida, Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, por ter divulgado nas redes sociais dados como o nome da menina de 10 anos que engravidou devido a estupro cometido pelo tio, bem como o endereço do Centro Integrado de Saúde (Cisam), em Pernambuco, onde ela realizou o procedimento de interrupção da gravidez. O principal pedido do processo é para que ela seja condenada a pagar uma indenização a título de dano moral coletivo no valor de R$ 1,32 milhão.
O vazamento das informações causou tumulto em frente ao Cisam, onde grupos contrários ao aborto, fanáticos religiosos, como os de igrejas católicas e evangélicas, e políticos chegaram a tentar invadir o local, sendo impedidos pelos seguranças e por grupos favoráveis à interrupção da gravidez, entre eles, o Fórum de Mulheres de Pernambuco. A vítima e a avó precisaram se esconder no porta-malas de um carro para entrar no hospital, além de terem sido chamadas de assassinas pelos manifestantes.
Segundo informações do MPES, Sara Giromini teve acesso aos dados de forma ilegal e, além de ter divulgado, conclamou por meio de vídeo nas redes sociais, com aproximadamente 66 mil visualizações, que seus seguidores se manifestassem na frente do hospital, “em frontal ofensa à legislação protetiva da criança e do adolescente”. O valor pedido a título de indenização deve ser revertido ao Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente.
O MPES ressalta ainda que crianças e adolescentes não podem ser “objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação”, conforme o artigo 16, inciso 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto nº 99.710/1989, e “têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”, conforme o artigo 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Parlamentares capixabas exigem apuração
O vazamento pela extremista bolsonarista também provocou medidas do senador Fabiano Contarato (Rede) e da deputada estadual Iriny Lopes (PT). O senador fez uma representação ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES), solicitando investigação de Sara Giromini quanto ao acesso ilegal e divulgação dos dados da criança, e pediu que “medidas legais sejam devidamente tomadas, em razão de flagrante violação de dispositivos legais”.
Já a deputada estadual Iriny Lopes encaminhou ofícios para o Supremo Tribunal Federal (STF), Procuradoria Geral da República (PGR), Ministério Público Federal/Procuradoria da República de São Mateus e o governador Renato Casagrande (PSB). Ela requer ao governo do Estado abertura de procedimento para investigar o vazamento de dados do caso entre a equipe que estava sob a jurisdição do poder público estadual, além de requerer ao MPF que apure as responsabilidades da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, e de sua equipe no vazamento dessas informações e na pressão sobre a criança e seus familiares contra a interrupção da gravidez.
“É preciso lembrar que Sara Winter é pessoa muito próxima da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, tendo sido a coordenadora de políticas à maternidade no referido ministério, entre abril e novembro de 2019”, diz Iriny. A deputada recorda que antes da menina embarcar para Pernambuco, uma equipe da Damares esteve na cidade. “Curiosamente, a família da menina foi procurada por um grupo religioso, que tentou dissuadir os familiares de realizarem os procedimentos médicos. É preciso identificar onde essas pessoas conseguiram o endereço dos familiares e suas relações com a ministra e sua equipe”, cobrou.
Outras medidas
O Ministério Público Federal do Espírito Santo também aguarda respostas da superintendente do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam), Rita Checono, e do reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Paulo Vargas, a respeito do vazamento do nome e endereço da criança e dados médicos sigilosos e dos respectivos responsáveis; e de eventual constrangimento, ameaça ou qualquer outro tipo de pressão a médicos ou equipe auxiliar, no sentido de não realização do procedimento.
O órgão quer saber por que o Hucam se negou a realizar o procedimento de interrupção de gravidez mesmo após decisão judicial, e se o hospital realiza procedimento de interrupção de gravidez, conforme determina a Portaria GM/MS nº 1.508/2005. O MPF/ES deu prazo até as 17 horas desta quinta-feira (20).
Já a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES) conseguiu, na noite de domingo (16), uma decisão liminar para que o Google Brasil, o Facebook e Twitter retirassem as informações da criança divulgadas em suas plataformas. A decisão serve também para postagens futuras sobre a vítima.