Nova empresa tende a ganhar musculatura para manter a disputa pelo primeiro lugar no mercado
“A concessão do gás pertence exclusivamente ao Estado. Mas, através das manobras que são denunciadas, foi proporcionado que o Estado abrisse mão de 49% dos seus ganhos! E esses valores multimilionários, ao invés de ingressarem nos cofres públicos, irão para os particulares acionistas da BR Distribuidora, que nada fizeram por merecer”, aponta o documento e enfatiza: “Portanto, é fácil enxergar que, a partir do momento em que a Petrobras decidiu privatizar a BR- Distribuidora, foi feito um esforço hercúleo e premeditado, até agora bem sucedido, para favorecer os acionistas privados compradores. Assegurando-lhes participação nos ganhos decorrentes da concessão da exploração da distribuição do gás”.
O advogado requer a concessão de medida liminar, determinando ao governo do Estado que promova a imediata suspensão do processo licitatório da ES Gás, “abstendo-se de praticar qualquer ato, ou assinar contratos, suspendendo os que estão em execução, que tenha como objeto tal propósito, até o processamento final da denúncia”. Ele destaca que “o Tribunal de Contas possui o poder-dever de analisar os contratos, e verificando irregularidades, determinar as providências cabíveis”.
A transação foi anunciada no dia 24 do último mês de setembro e, segundo Robson Neves, proporcionará à empresa compradora, a Vibra Energia, ganhos com a alienação de sua participação acionária, de 49%, conquistada de forma irregular. O ato foi assinado entre o governo do Estado e o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela privatização da Companhia ES Gás, concessionária dos serviços públicos de distribuição de gás no Espírito Santo.
O advogado entende que as irregularidades foram geradas na quebra de “acordo firmado com o Estado e desrespeito à legislação e à privatização da BR Distribuidora em uma ‘corporation”, com o nome de Vibra Energia, modelo de negócios que permite a pulverização das ações. “O contrato de concessão firmado pelo Estado com a BR Distribuidora estabelecia, na sua cláusula 11ª, que a concessão dos serviços e distribuição de gás seria extinta na hipótese da empresa perder a condição de estatal (item f)”, aponta a denúncia.
E acentua: “Antes da criação da Companhia de Gás do Estado, fora concedido à BR Distribuidora, irregularmente, sem licitação, a concessão da exploração da distribuição do gás no Estado”. Para Robson Neves, “os administradores públicos estaduais e a Petrobras – Petróleo Brasileiro S/A, detentora da BR Distribuidora, sabiam perfeitamente que, com a venda à iniciativa privada de sua controlada, seria extinto automaticamente o contrato de concessão e distribuição de gás”.
O processo de privatização da distribuidora BR, ressalta o documento protocolado no TCE, começou ocorrer em 15 de dezembro de 2017, “quando a Petrobras ofertou quase 30% de sua participação na empresa, deixando de ser a única dona”. Em julho de 2019, a Petrobras reduziu sua participação de 71% para 41%, momento em que a BR concretizou a perda do controle estatal, sendo que ano a ano essa participação vem caindo, até 37,5% em 2021.
O restante das ações foi desfeita em julho de 2021. De acordo com informações oficiais, foram vendidas 436 milhões de ações, movimentando um total de R$ 11,3 bilhões, com fundos de investimentos adquirindo 57,6% dessas ações. O Samambaia Master Fundo de Investimento em ações, gerido pelo ex-banqueiro Ronaldo Cezar Coelho, se tornou o maior acionista da BR Distribuidora, com o equivalente a 7,95% do capital social da companhia.
“Com o capital completamente pulverizado na Bolsa brasileira e sem a presença de um sócio do setor público, a expectativa do mercado está em torno dos ganhos com a nova gestão da BR Distribuidora. Essa nova modelagem societária da empresa – corporation – não há a figura do acionista controlador, nem bloco de controle na empresa, o controle é pulverizado, de modo que os acionistas participam de empresas sem precisar se envolver no seu dia a dia”, argumenta Robson Neves.
E destaca: “Para que este projeto se viabilizasse, a BR precisava equalizar, a seu favor, os passivos, dentre eles a ES Gás. E assim foi feito, o procedimento adotado, ora denunciado, agregou valor a empresa, financiado pela benevolência daqueles que produziram o desfecho combatido”.
Para o denunciante, com “o novo perfil, a empresa tende a ganhar musculatura para manter a disputa pelo primeiro lugar no mercado”.
Conforme o último boletim de abastecimento, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a BR possui cerca de 23% de participação, seguida de perto da Raízen (20,5%) e da Ipiranga (19,3%)”.
O advogado cita a Lei 9.491, de 9 de setembro de 1997, que estabelece, no Art. 4º, que as desestatizações serão executadas mediante: I – alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, preferencialmente mediante a pulverização de ações. Segundo essa norma, a Petrobras era única dona da BR até 2017, “quando vendeu 29% das ações, tendo anunciado em 23 de julho de 2019 a venda de mais 30%. Com isso reduziu sua participação de 71% para 41% do controle acionário da BR, sendo que naquele ano, considerando esta oferta de ações, deixou de ter o controle, conforme definido em lei”.
Em 2003, Robson Neves impetrou na Justiça uma ação popular ((0014046-21.2003.8.08.0024 – 024.03.014046-1) visando a “retomada da concessão de distribuição de gás natural canalizado pelo poder concedente, com consequente termo do contrato firmado em 1993 e realização de nova licitação para outorga da referida concessão, além de fixar indenização ao Poder Concedente, pela exploração irregular da outorga por parte da BR Distribuidora S.A”.
A ação questionou a validade do contrato de concessão e requereu a “decretação de nulidade do contrato de concessão celebrado entre o Estado do Espírito Santo e a Petrobras Distribuidora S.A. e a indenização do ente federado por eventuais danos por ele experimentados”.
A transação
O contrato para estruturação de projeto de desestatização da Companhia de Gás do Espírito Santo, a ES Gás, entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o governo do Estado e a Vibra Energia representa a venda de, no mínimo, 51% das ações ordinárias da empresa.
Criada em 2018, através da Lei Ordinária 10.955, a ES Gás é uma empresa de economia mista em que o Espírito Santo detém 51% do capital votante e a Vibra Energia tem os demais 49%. A empresa é responsável pela distribuição do gás natural canalizado no Estado, atuando nos segmentos residencial, comercial, industrial, automotivo, de climatização e cogeração e termoelétrico, totalizando mais de 60 mil unidades consumidoras.