Mesmo depois da posse, novos prefeitos e vereadores ficam à mercê dos processos
O espectro da Justiça Eleitoral ainda paira sobre os resultados das eleições municipais de outubro de 2024 no Espírito Santo. Existem ações judiciais em curso com motivações diversas que, a depender da decisão final, poderão mexer com a composição das prefeituras de, pelo menos, nove cidades capixabas: Anchieta, Apiacá, Iconha, Itapemirim, Muniz Freire e Presidente Kennedy, no sul do Estado; Afonso Cláudio, Laranja da Terra e Santa Maria de Jetibá, na região serrana.
No caso de Viana, município da Grande Vitória, as ações envolvem candidatos eleitos para a Câmara de Vereadores, e estão relacionadas a supostas fraudes em cotas de gênero e denúncias de possíveis candidaturas laranjas.
A situação mais avançada é a de Presidente Kennedy. Em decisão proferida no último dia 19 de dezembro, o ministro Kassio Nunes Marques, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), rejeitou o recurso do prefeito Dorlei Fontão, que venceu o pleito, mas teve votação anulada. O ministro acatou o entendimento que havia sido estabelecido nas instâncias judiciais inferiores, de que Fontão está tentando um terceiro mandato consecutivo, o que é vedado pela legislação brasileira.
Ainda cabe um último recurso, mas o mais provável é que aconteçam novas eleições no município. Enquanto isso, os grupos políticos de Presidente Kennedy se articulam visando a eleição para presidente da Câmara de Vereadores, que será o prefeito interino até que a situação se resolva. Candidatos derrotados também já sinalizaram a intenção de disputar um provável pleito suplementar.
Já em Iconha, o prefeito, Gedson Brandão Paulino (Podemos), está liberado para assumir o segundo mandato, mas sua situação também é delicada. O relator da ação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o jurista Adriano Sant’Ana Pedra, votou a favor da cassação de sua chapa. O desembargador Dair José Bregunce de Oliveira foi outro que votou a favor. Entretanto, a juíza Isabella Rossi Naumann Chaves pediu vista do processo, que retornará à pauta de votações após o recesso judiciário.
A ação foi solicitada pelo Podemos, partido do candidato a prefeito concorrente, o ex-prefeito João Paganini. A alegação é de que o governo estadual assinou convênio para repasse de recursos para obras da prefeitura em 27 de junho deste ano, dias antes do período de proibição para realização de transferências voluntárias, custeando intervenções previamente contratadas para capeamento asfáltico de ruas de paralelepípedo, no valor total de R$ 5 milhões.
Segundo a acusação, as obras tiveram caráter flagrantemente eleitoreiro, pois representariam “medida meramente estética e superficial, desconsiderando pareceres técnicos”. O Ministério Público Eleitoral (MPE) também deu parecer favorável à cassação.
Abuso de poder
Em Muniz Freire, o promotor Elion Vargas Teixeira protocolou duas ações por abuso de poder contra o prefeito reeleito Dito Silva (PSB). Segundo um dos processos, de novembro, uma eleitora teria sido coagida a deixar de fazer publicações nas redes sociais favoráveis a Evandro Paulúcio (PDT), principal adversário do prefeito nas eleições municipais de outubro deste ano.
Em agosto, Elion Vargas ajuizou outra ação de abuso de poder político contra a chapa de Dito Silva, devido a denúncias de suposto aumento do número de servidores sem concurso público da administração municipal com finalidades eleitorais. O prefeito chegou a pedir que Vargas fosse declarado suspeito, acusando-o de perseguição, mas a solicitação foi negada.
O prefeito reeleito de Afonso Cláudio, Luciano Pimenta, também foi acusado de abuso de poder pelo Ministério Público Eleitoral. Entre as irregularidades, o MPE aponta que Pimenta ordenou a construção de uma ponte sobre área de preservação permanente, sem autorização do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).
De acordo com o MPE, a obra foi custeada com recursos públicos e amplamente divulgada em redes sociais, atribuindo méritos ao prefeito e favorecendo o candidato a vereador apoiado por ele, Paulim Damm (suplente do MDB), que residia no distrito onde a ponte foi construída.
Em Anchieta, a coligação de Marquinhos Assad (Podemos), derrotado por Léo Português (PSB) nas eleições para prefeito, também ajuizou ações judiciais contestando o resultado eleitotal. Em uma delas, a gestão atual é acusada de abuso nas contratações de pessoal direta e por empresas terceirizadas no período eleitoral; uso de maquinário da prefeitura para realização de favores; utilização de estabelecimentos públicos para atos eleitorais; promessas de vantagens a servidores; fornecimento de cestas básicas no período eleitoral; utilização de servidores comissionados para doação de valores; e doação de postes e distribuição de brindes em período eleitoral.
O promotor do caso, Robson Sartório, opinou pela conitnuidade das diligências para apurar as acusações.
Compra de votos
Há também acusações de compra de voto. Em Apiacá, duas ações foram movidas pela coligação de Diego do Betinho (PSD), candidato a prefeito derrotado. A acusação é de que Márcio Keres (PSB) e Ricardo Figueiredo (União), prefeito e vice-prefeito eleitos, praticaram abuso de poder político e econômico e compra de votos, dentro de esquemas que também envolvem outras pessoas – incluindo o atual prefeito, Fabrício Thebaldi (PP), conhecido como Fabrício do Posto.
Segundo uma das ações, protocolada no dia 13 de dezembro, uma eleitora de Mimoso do Sul, que estava com dificuldades para marcar uma cirurgia médica, teria recebido a promessa de acessar o procedimento, sob a condição de mudar o título eleitoral para Apiacá.
Na segunda Ação de Investigação Judicial Eleitoral, a coligação de Diego do Betinho acusa a gestão do prefeito Fabrício do Posto de fazer contratações por Recibo de Pagamento Autônomo (RPA) durante o período eleitoral, o que é proibido, motivadas pela enchente no município, que ocorreu no início do ano.
Segundo a acusação, a chapa vencedora das eleições “montou um esquema sofisticado para captação de sufrágio”, com “pagamentos e ‘compra’ de voto em dinheiro vivo”, junto a ações para “impedir eleitores simpatizantes dos autores de votar”, além de atividades como “transporte de eleitores, caixa 2, distribuição de combustível, entre outros fatos” para influenciar na eleição.
Na ação, constam como provas os depoimentos registrados em cartório de dois eleitores que admitem o recebimento de dinheiro para votar no candidato vencedor, junto com comprovantes de transferência bancária por pix.
Fraude às cotas de gênero
Um candidato a vereador do Partido Verde (PV) de Viana acusou os partidos Progressistas (PP) e Podemos de irregularidades nas eleições deste ano. De acordo com Antônio Morais Firme, o Tunico, que ficou como primeiro suplente da Federação Brasil da Esperança (PT, PV e PCdoB), as duas siglas fraudaram as cotas de gênero e precisam perder as vagas que conquistaram no parlamento municipal.
De acordo com a Ação de Investigação Judicial Eleitoral contra o PP de Viana, ajuizada no último dia 16 de dezembro, a candidata a vereadora Graça Silva teve apenas 11 votos, apesar de ter declarado receita de campanha de R$ 6,6 mil – dinheiro que pouco utilizou. No caso do Podemos, todas as cinco candidaturas femininas também tiveram votações inexpressivas, de menos de cem votos, indicando que não houve efetivo investimento nas candidaturas.
Pesquisa fraudulenta
Em Santa Maria de Jetibá, o promotor eleitoral Jefferson Valente Muniz denunciou fraude e pediu a cassação dos registros de candidaturas do prefeito eleito Ronan Zucolotto Souza Dutra, o Ronan Fisioterapeuta (PL), e do vice em sua chapa, Rafael Pimentel (PL). Ele também requer a realização de novas eleições em Ação de Investigação Judicial Eleitoral protocolada no dia 10 de outubro, por utilização indevida de veículos ou meio de comunicação social ou abuso de poder econômico.
O promotor apontou uma “montagem de pesquisa falsa com intuito de beneficiar o candidato eleito e prejudicar adversários, influenciando o voto do eleitor”. Acrescenta que, no dia da eleição, correligionários de Ronan, “de maneira intencional, divulgaram, por meio de aplicativo de mensagem WhatsApp, uma pesquisa de intenção de votos referente ao pleito eleitoral, a qual não foi registrada perante a Justiça Eleitoral nos moldes previstos na legislação”.